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Um santuário espera seu momento de glória na selva do Sri Lanka

Devotos rezam diante da imagem da Virgem Maria, de 500 anos de antiguidade, em procissão ao redor da igreja de Madhu durante o festival anual. Foto: Amantha Perera/IPS
Devotos rezam diante da imagem da Virgem Maria, de 500 anos de antiguidade, em procissão ao redor da igreja de Madhu durante o festival anual. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Madhu, Sri Lanka, 14/11/2014 – Em uma densa floresta a 17 quilômetros da estrada principal mais próxima, a igreja de Madhu é um símbolo de tranquilidade e harmonia espiritual no Sri Lanka. Quando o vento sopra, ouve-se o sussurro das folhas. Outras vezes um silêncio solene se mantém no ar. Os mais velhos dizem que no passado o mato chegou a crescer até dois metros de altura dentro da igreja, e que os elefantes passeavam por lá.

Esse lugar, a cerca de 300 quilômetros de Colombo, capital do Sri Lanka, é o santuário católico mais venerado do país e abriga a imagem da Virgem Maria, de 500 anos de antiguidade, que milhões de fiéis consideram milagrosa. Mas nos próximos meses o silêncio pacifico que caracteriza o santuário estará ausente. A obra que acontece 24 horas por dia para reconstruir a capela lateral do Sagrado Coração começa a dar seus frutos. O local sofreu graves danos durante os bombardeios em 2008 que, segundo vários sacerdotes, mataram 36 pessoas que buscavam abrigo e deixaram 60 feridos.

Também estão sendo construídos bairros residenciais e a quatro quilômetros da igreja se planeja instalar um heliporto. Tudo isso para a visita do papa Francisco, prevista para janeiro de 2015. “Será uma benção de Deus. As pessoas, não só daqui, mas de toda a ilha, esperam vê-lo e ouvi-lo nesta igreja”, afirmou o padre S. Emilianuspillai, administrador do santuário.

A visita do papa ocorrerá no momento culminante da igreja, que, junto com a imagem que abriga, sobreviveu a alguns dos anos mais turbulentos e violentos da história moderna do Sri Lanka. Situada no distrito de Mannar, a igreja esteve dentro da zona de conflito durante a maior parte da guerra civil (1983-2009) do país. Quando os combates chegaram à região, em abril de 2008, a igreja havia estado por mais de dez anos sob controle dos separatistas Tigres de Libertação do Tamil Eelam, que a perderam um ano depois para as forças governamentais.

Padre Emilianuspillai ainda recorda desses terríveis dias quando ele e mais 16 pessoas ficaram presos na igreja, enquanto os projéteis explodiam por todo lado. No dia 3 de abril de 2008, decidiu levar a imagem da Virgem para um lugar mais seguro. Foi uma viagem cheia de perigos, contou o sacerdote. A menos de dois quilômetros um projétil caiu diante do veículo que levava a imagem, que o padre protegia com seu próprio corpo. “Não sofremos absolutamente nada”, afirmou.

Fiéis reunidos perto da danificada capela do Sagrado Coração em agosto de 2009, três meses depois do final da guerra civil no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS
Fiéis reunidos perto da danificada capela do Sagrado Coração em agosto de 2009, três meses depois do final da guerra civil no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Um mês depois, em agosto de 2009, mais de meio milhão de fiéis lotaram o recinto da igreja para a primeira festa anual desde o fim da guerra, todos buscando a benção de sua amada Mãe de Madhu. Os fiéis adoram a imagem com um símbolo da unidade e da paz que reúne os tamis e os cingaleses, bem como muçulmanos, hindus e budistas, que se reúnem durante as festividades anuais. Nos primeiros dias do conflito, Madhu foi um dos abrigos para os que fugiam dos combates.

“Nossa Senhora de Madhu sobreviveu tanto tempo e ainda está conosco. Nos protege, nos mantém salvos”, afirmou Benedicto Fernando, um peregrino da cidade costeira de Negombo, 250 quilômetros ao sul de Madhu.

Os tamis que vivem na Província do Norte também têm a esperança de que a visita do papa lance uma luz sobre temas candentes do pós-guerra ainda não resolvidos. A região é uma das mais pobres do país, com taxa de pobreza três vezes maior do que a média nacional de 6,7%. Também sofreu uma seca de 11 meses que gerou grandes perdas agrícolas. Isso apesar de o governo ter injetado mais de US$ 6 bilhões na região desde 2009. “Há muito por fazer”, pontuou Sellamuththu Sirinivasan, agente do governo para o distrito de Kilinochchi.

Outro problema são as mais de 40 mil famílias encabeçadas por mulheres na Província do Norte, que lutam para ganhar a vida em uma sociedade tradicionalmente patriarcal. A ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outras instituições diminuiu depois da guerra, por isso os setores vulneráveis foram deixados à própria sorte.

“A situação econômica paralisou, apesar dos grandes investimentos em infraestrutura. Neste contexto, mesmo os homens e mulheres aptos e qualificados têm dificuldades para conseguir emprego. As mulheres sozinhas com famílias são muito vulneráveis à exploração”, destacou à IPS Saroja Sivachandran, diretora do Centro da Mulher e do Desenvolvimento, no norte de Jaffna.

E também há os desaparecidos. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) acaba de iniciar a primeira pesquisa nacional das famílias dos desaparecidos da guerra. O estudo e suas recomendações serão entregues ao governo no ano que vem. Mas ainda há confusão sobre o número de desaparecidos, que para alguns chega a 40 mil. O CICR registrou mais de 16 mil casos de pessoas desaparecidas desde a década de 1990.

“A guerra terminou, mas para nós a batalha continua”, disse Dominic Estanislao, um jovem da localidade de Mankulam, 60 quilômetros ao norte de Madhu.

À primeira vista, a região de Vanni, nome popular das províncias do norte, parece muito longe da guerra. Estradas novas substituem os caminhos pouco transitáveis por causa dos buracos crateras deixados pelos projéteis em sua passagem. No começo deste mês, foi inaugurada uma nova ferrovia que une o norte de Jaffna ao resto do país.

Mas perguntas angustiantes sobre a volta para casa dos desaparecidos ou de onde sairá a próxima refeição continuam sem respostas. Muitos, com Estanislao e Fernando, rezam para que a visita do papa acelere o processo para sanar a situação. Enquanto isso, a igreja de Madhu continuará dando esperanças a milhares de pessoas que ainda vivem com as feridas da guerra. Envolverde/IPS