Acabamos de deixar para trás a primeira década do terceiro milênio – o início mais do que simbólico de uma nova era. Conflitos entre Ocidente e Oriente, onda de privatizações, uma crise financeira mundial de dimensões graves, popularização da internet e um planeta conectado 24 horas por dia marcaram o começo de um mundo pós-moderno, premeditado por autores como George Orwell e Aldous Huxley – ainda nos anos 1930 e 1940 –, entre outros nomes que tentaram imaginar como seria uma sociedade cada vez mais interligada pela tecnologia e baseada em novos valores.
Na última década, o sinal de alerta do meio ambiente foi definitivamente acionado – e legitimado, em 2007, pelo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que apontou a ação do homem como principal responsável pelo aquecimento global. A devastação incidente sobre o planeta há pelo menos três décadas se tornou evidente. E a atual relação entre pessoas e o seu habitat, insustentável. A forma como vivemos hoje reflete precisamente esse quadro.
“Posso ter mais vida no meu tempo ou mais tempo na minha vida. Quando tenho mais vida no meu tempo, consumo toda a minha cota em um curto período e depois pago a conta lá na frente – é o que estamos fazendo com o planeta e com a capacidade de autorregeneração da biosfera. Enquanto ela suportar, continuaremos festejando o crescimento da economia mundial”, avalia Homero Santos, professor da Fundação Dom Cabral, membro-fundador da Comissão de Estudos de Sustentabilidade para as Empresas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e vice-presidente do Conselho Deliberativo do Núcleo de Estudos do Futuro (NEF) da PUC-SP.
Porém, segundo o especialista, um ponto positivo nesse contexto é a crescente percepção das pessoas de que “algo está acontecendo”, sentimento que traz embutida a necessidade de mudança.
Para Gary Gardner, pesquisador sênior do Worldwatch Institute – organização criada por Lester Brown e autora do renomado relatório State of the World –, há uma percepção maior sobre os desafios ambientais. Mas a ação sobre eles geralmente requer um processo de conscientização conduzido por muitos anos para resultar em transformações efetivas. Além disto, são grandes os dilemas a enfrentar: um deles está em ultrapassar as barreiras criadas para dificultar esta transição.
“Existem forças trabalhando para confundir o público e manter a consciência ambiental e as medidas para proteger o meio ambiente longe da expansão. A indústria de combustíveis fósseis nos Estados Unidos, por exemplo, é ativa na arte de semear dúvidas sobre a realidade das mudanças climáticas. Em vez de aceitar a necessidade do desenvolvimento de sociedades de baixo carbono e se adaptar, ela parece querer preservar o status quo”, avalia Gardner.
Entre altos e baixos, o fato é que muita coisa mudou. Em conversa com especialistas nacionais, internacionais e dez empresas representando os principais setores da economia, Ideia Sustentável buscou traçar um panorama da evolução do conceito no Brasil e sua relação com as mudanças no mundo.
Da exceção à regra
A evolução da sustentabilidade no mundo dos negócios avançou significativamente nos últimos anos – e as empresas que integram a agenda verde em sua estratégia aos poucos deixam de ser uma exceção.
De acordo com o estudo Corporate Sustainability: a Progress Report (Sustentabilidade Corporativa: um Relatório em Progresso), da consultoria global KPMG, nos últimos três anos o conceito tomou impulso no setor privado: 62% das companhias consultadas já possuem uma estratégia relacionada ao tema – contra pouco mais de metade contabilizada em fevereiro de 2008 – e 11% estão em processo de desenvolvimento desses planos. Apenas 5% não planejam a integração da sustentabilidae neste momento, enquanto o restante das corporações afirma que adotará planos para internalizar a ideia em futuro breve. Ainda segundo a pesquisa, mais da metade dessas estratégias (56%) foi planejada nos últimos três anos.
A interação entre os setores também é uma questão que avança: o antigo e singelo ditado “uma andorinha só não faz verão” se aplica bem nesse caso, pois sem o diálogo e a busca de soluções conjuntas a união harmoniosa entre meio ambiente, economia e sociedade mostra-se meramente utópica.
“Nunca houve um trabalho conjunto da iniciativa privada e governos como agora, buscando soluções para problemas que o setor público não poderia resolver sozinho. Mas ainda há muito a se avançar. Não existem planos em que os dois setores se comprometam a realizar ações práticas. Ainda estamos na esfera da discussão”, constata Marise Barroso, presidente da Amanco.
Paralelamente, como destaca Rosangela Coelho, diretora corporativa de Comunicação e Sustentabilidade da Embraco, a consciência de que uma organização não é um agente isolado – e as relações com seus públicos de interesse poderiam estar frágeis – cresceu significativamente na última década. “Globalmente, iniciou-se um grande debate sobre ética – tanto ligado ao tema financeiro quanto a outras questões – e isso trouxe à tona a necessidade de as empresas reverem seus sistemas de compliance (cumprimento da legislação em vigor), a forma como estavam gerindo seus negócios, e adotarem códigos básicos de ética.”
Segundo o estudo da KPMG, a redução de custos também está se tornando uma importante razão para a implementação de práticas sustentáveis – regulamentações, questões de reputação e gestão do risco enquadram-se entre os principais fatores de estímulo às companhias para decidir por essas estratégias. A pesquisa mostra que 61% das entrevistadas concordam que os benefícios da inserção do conceito nos negócios supera seus custos. E muito do que parecia distante, há dez anos, hoje já representa uma realidade para as empresas.
O relatório State of Green Business 2011 (O Estado dos Negócios Verdes), produzido pelo GreenBiz Group, principal grupo de mídia especializado em sustentabilidade dos Estados Unidos, destacou algumas das principais metas e conquistas estabelecidas durante o último ano, um retrato do nível alcançado no trajeto para a economia verde. O objetivo de ser uma empresa com o status de “resíduo zero”, por exemplo, esteve entre as metas e conquistas de diversas corporações globais que mantêm algumas unidades fabris – ou praticamente todas – de forma ambientalmente responsável.
A transparência em relação a produtos também avançou – o estudo aponta que a revelação de ingredientes tóxicos em bens de consumo cresceu, durante 2010, elevando a posição do tema na agenda de corporações, ativistas e reguladores. Substâncias nocivas à saúde começaram a “aparecer” em cada vez mais nichos – de alimentos e cosméticos a brinquedos.
Outra tendência revelada entre as organizações, também relativa à transparência, foi o hábito de relatar. Segundo o estudo da KPMG, pelo menos uma em cada três empresas (36%) emitiu ao menos um relatório público sobre seu desempenho em sustentabilidade, enquanto outras 19% o farão em breve. E o Brasil definitivamente se destacou nesse âmbito.
Estudo realizado pela Futerra, a SustAinability e a KPMG, por encomenda da Global Reporting Initiative (GRI) – Reporting Change: Readers & Reporters Survey 2010 (Mudança em Relatórios: Pesquisa Leitores e Produtores) – indica que, das cinco mil empresas participantes, cerca de 3,7 mil eram brasileiras, o que representa mais de 70% da amostra; além disso, as companhias nacionais também se saíram muito bem na recente premiação GRI Readers’ Choice Awards. Entre os principais desafios relacionados ao tema estão a busca por dados confiáveis e parâmetros relevantes, e a comunicação efetiva com os públicos de interesse já que, atualmente, a maior parte dos leitores afirma não utilizar os relatórios como um meio para se aproximar das corporações.
Segundo João Batista Menezes, diretor-adjunto de Sustentabilidade, Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Alcoa, o setor de mineração, por exemplo, avançou bastante no quesito transparência, estabelecendo um diálogo para além do “tipicamente reativo”. “As empresas perceberam que devem trabalhar diariamente na obtenção da licença social de operação. Essa renovação cotidiana passa pela manutenção de canais de diálogo abertos, transparentes e permanentes com seus públicos de interesse. Sem essa premissa, torna-se inviável hoje um empreendimento de mineração sustentável”, avalia.
Joel Makower, presidente do GreenBiz Group, mantém otimismo e pessimismo caminhando lado a lado no balanço da primeira década do Século 21. “Por um lado, algumas das maiores empresas do mundo estão envolvidas profundamente com o tema, fazendo grandes mudanças na forma como operam. Ao mesmo tempo, estão lidando apenas com uma pequena fração de seus impactos e representam somente uma parcela do mercado global.”
Assim, para Makower, a pergunta permanece: toda essa atividade é suficiente para estancar a maré de mudanças ambientais negativas ou o que tem sido feito é muito pouco e tarde demais?
Enquanto isso, no Brasil…
Durante esses dez anos, muitas iniciativas e movimentos se destacaram para impulsionar o mercado para uma economia mais verde, enquanto fatos positivos e negativos envolvendo meio ambiente, ética, entre outras questões, legitimaram a necessidade de empresas mais comprometidas e responsáveis em seus atos. Aos poucos, essas duas forças propulsoras começaram a gerar uma mudança no mercado brasileiro.
De acordo com Alexandre Di Ciero, gerente executivo de Sustentabilidade da Suzano, na década de 1990, as empresas despertaram para o investimento social privado, “profissionalizando” sua atuação social e investindo em projetos com planejamento e avaliação em busca de resultados transformadores.
“Foi nessa época que surgiram organizações como o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), para discutir os tipos de investimento e como aperfeiçoá-los, e várias companhias criaram suas fundações e institutos, para centralizar e organizar esse investimento – que logo começou a influenciar outras áreas e a “provocar” a alta gestão sobre o tema. Não é à toa que, também nos anos 1990, surge o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, propondo uma visão mais abrangente do papel das companhias”, destaca.
Visando a levar esse novo olhar à alta cúpula das corporações, algo essencial para uma evolução efetiva na forma de fazer negócios, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa criou uma comissão de estudos de sustentabilidade e produziu um guia para orientar os conselheiros nesse movimento interno. “A sustentabilidade só se estabelece na empresa se tiver o patrocínio da governança”, destaca Homero Santos, do IBGC.
Nesse sentido, a educação de colaboradores para identificação de oportunidades tornou-se fundamental para o engajamento coletivo em todas as ações da empresa. “O funcionário que se identifica com a corporação tem maior aderência aos objetivos dela. Para que isto aconteça, é necessário que oportunidades verdes sejam bem trabalhadas e desenvolvidas em conjunto”, destaca Walter Duran, diretor de Sustentabilidade da Philips do Brasil.
Os compromissos para promover questões como a ética, pactos contra o trabalho escravo e infantil também ascenderam no decorrer da primeira década do Século 21 – por exemplo, o Pacto Global, da ONU. A criação de índices como o Dow Jones e as certificações ampliaram a discussão da sustentabilidade, estabelecendo padrões socioambientais que aos poucos foram internalizados no mercado.
“Essas iniciativas mostram que os últimos dez anos foram essenciais para a consolidação desse movimento de cobrança das empresas por sua atuação em responsabilidade socioambiental”, avalia Ana Paula Grether, coordenadora do Relatório de Sustentabilidade da Petrobras e representante da indústria na delegação brasileira na ISO 26000.
Compromissos voluntários como os Princípios do Equador e do GHG Protocol (Greenhouse Gás Protocol Initiative), para direcionamento de políticas de risco, sustentabilidade, construção de crédito e financiamento para novos projetos, foram determinantes para a evolução do setor bancário, pois permitiram a implantação de decisões que afetam o mercado como um todo e criam mecanismos e produtos. Além disso, índices como os da GRI (Global Reporting Initiative) possibilitaram a comparação de dados e a definição de metas – para todos os setores.
“O surgimento de índices nas Bolsas e diretrizes de reporte criaram benchmark para as empresas. Elas passaram a aprender a partir de comparações de práticas com base em um framework único”, aponta Denise Hills, superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco.
Entre as iniciativas de referência para futuras ações, o trabalho em conjunto realizado por empresas do mesmo setor foi lembrado pelos especialistas – a união de três grandes redes de varejo no episódio da “Farra do Boi”, boicotando a compra de carne bovina resultante de desmatamento na Amazônia, resume uma maneira de ação que deve se tornar tendência nos próximos anos.
“Esse tipo de medida restritiva, que aumenta o custo, quando não é seguida pelos concorrentes acaba ficando inviável para uma empresa isolada. O varejo teve a inteligência de integrar um movimento setorial determinante, emblemático, que deve ser tomado como referência para outras questões da sustentabilidade. Imagine se grandes construtoras, por exemplo, fizessem um pacto de só comprar madeira certificada?”, instiga Homero Santos.
O especialista também indica, entre os fatos mais marcantes da última década, a saída da Petrobras do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBovespa), consequência da ressonância de interesses comuns da sociedade e das empresas. “A medida ditada pela Bolsa de Valores mostrou que cada companhia deve ser realmente responsável por suas ações organizacionais”, ressalta.
Para Cláudio Boechat, professor da Fundação Dom Cabral e membro do Núcleo Andrade Gutierrez de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa, outros dois momentos que merecem destaque como propulsores da sustentabilidade na década são a Conferência de Copenhague (COP-15), em 2009, e a participação de Marina Silva na discussão política brasileira, que trouxe o tema para a pauta cotidiana. “Em Copenhague, o Brasil se posicionou mundialmente e, com Marina Silva, tanto na fase de ministra (2002-2008) como por meio de sua presença na última eleição presidencial (2010), o conceito ganhou evidência”.
No final da década, dois avanços fizeram com que o governo brasileiro levasse essa discussão mais adiante, tanto dentro do país quanto aos olhos do mundo: a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o mapeamento das emissões de gases de efeito estufa provenientes da queima de florestas.
“A política sobre resíduos será de grande ajuda para eliminar os lixões que emitem metano, e o rastreamento das florestas evidencia que temos uma ampla capacidade de redução dos gases simplesmente acabando com o desmatamento, que além de prejudicar a imagem do Brasil também prejudica a imagem das corporações que aqui atuam”, pontua Fernando Von Zuben, diretor de Meio Aambiente da Tetra Pak.
A esperança é verde… e amarela?
A sustentabilidade traz uma visão de fazer negócios que foi se perdendo com a ascensão do modelo de gestão norte-americano e a revolução industrial: a de fornecimento de serviços. “Na Lei das Sociedades Anônimas há um parágrafo indicando que o acionista deve eleger a sua diretoria e organizar a gestão da sua empresa para atender aos interesses da sociedade e não ao seu, particular. A empresa não existe para gerar lucro, e sim para fornecer algo útil à sociedade e ser remunerada por isso. A lógica de fazer sempre mais com menos, concentrando riqueza para o investidor, está com os dias contados”, destaca Santos.
Essa volta às origens demanda um processo complexo de mudança na estrutura de um modelo de produção e consumo já arraigado na sociedade ao longo de décadas. Nesse cenário, o Brasil desponta como um dos favoritos para retornar às origens de negócios benéficos à sociedade.
De acordo com Marcelo Cardoso, vice-presidente de Desenvolvimento Organizacional e Sustentabilidade da Natura, de forma geral o tema entrou na agenda das empresas, mas para a grande maioria delas é uma conversa à parte. Primeiro cuida-se dos negócios e depois da sustentabilidade. No Brasil, porém, aquelas que adotam uma estratégia verde começam a surpreender em termos de inovação. “Existem menos companhias que assumiram essa agenda no país em relação às da Europa, mas aquelas que a seguem fazem isso de forma séria e trazem avanços sobre o que se vê naquele continente, onde a agenda está mais internalizada”, avalia.
Carlos Nomoto, superintendente de Desenvolvimento do Grupo Santander, cita a própria Natura como referência nesse processo. “Natura e Ambev são dois bons exemplos de que as empresas de capital nacional não ficam nem um pouco para atrás. A primeira, por colocar a sustentabilidade não só como diferencial, mas como eixo principal na estruturação de seus produtos. E a segunda pelo projeto do Banco Cyan, um movimento pioneiro relacionado a um fator fundamental para o seu negócio, a água”, ressalta.
Sem dúvida – aponta Boechat – temas relacionados à gestão ambiental amadureceram no Brasil devido a exigências legais e também a questões internacionais. O controle das emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, está na mira de atuação de diversas empresas. Porém, o especialista ressalva: “não detecto nenhum tema em que as empresas, de uma forma geral no país, consigam ter avançado a um estágio de excelência mundial”, avalia.
Partindo de um olhar de dentro para fora, assim como em outros países, a mudança pode não estar chegando tão rápido quanto o necessário no Brasil. Ou até seguindo na direção contrária.
Em artigo de 2010, intitulado The Green Business Decade in Review (A Década dos Negócios Verdes em Retrospectiva), Makower, do Green Biz, destaca que a maioria dos indicadores ambientais no mundo continua seguindo na direção errada, e onde o progresso é evidente não está ocorrendo na escala e velocidade necessárias para lidar com os desafios. Para o especialista, a história “é assustadora” nas economias emergentes de crescimento rápido – China, Índia, Sudeste Asiático, América Latina e outros – em termos de tendências de consumo e emissões.
Entretanto, existem soluções para controlar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa que podem ser adotadas daqui para a frente graças à evolução de diversas tecnologias, além do estabelecimento de matrizes mais limpas no Brasil. “Na questão de transporte e energia, temos uma matriz extremante eficiente e com qualidade ambiental. Agora necessitamos investir em energia eólica e solar, para não ficarmos para trás, e também no manejo florestal, que é um grande gargalo ambiental brasileiro”, ressalta Von Zuben, da Tetra Pak.
Em relação ao paradoxo que envolve o consumo – a crescente preocupação dos indivíduos com temas ambientais caminhando paralelamente ao aumento expressivo da quantidade de produtos consumidos, como aponta o State of the World 2010 –, o Brasil também não está de fora. A ascensão das classes C, D e E no país desenha um novo quadro para essa questão, que influenciará completamente o rumo da economia. Se os cidadãos dessas classes forem inspirados por antigos padrões de consumo, o futuro representa preocupação.
Segundo Boechat, as empresas brasileiras trabalham com temas que significam um grande diferencial de avanço em relação às suas concorrentes mundiais, como o combate à pobreza e o atendimento das demandas dessas classes emergentes. “Existe uma curiosidade natural sobre como tornar os negócios mais inclusivos. A questão é fazer isto de forma ética e sustentável, revendo os padrões anteriores para evitarmos o enriquecimento material sem um nível de educação e comportamento coerentes com essa evolução”, propõe.
Como revela Makower, em artigo já citado, o senso de urgência ainda é pequeno. A maioria das pessoas – acredita – simplesmente está preocupada em sobreviver e possui pouco tempo ou interesse em proteger os bens comuns. E a nova geração, que ingressa no mercado com maior ética verde, ainda não tem poder para transformá-lo.
Para Gardner, do Worldwatch Institute, exigir que os consumidores sejam os principais agentes de mudança no negócio não leva às transformações necessárias para criar sociedades sustentáveis. “Algumas empresas, em colaboração com ONGs, têm ajudado os consumidores a ‘esverdear’ suas compras, mas os sistemas de certificação são frequentemente múltiplos e confusos. Em vez disso, muito mais precisa ser feito do lado da produção – de modo que todas as escolhas diante de um consumidor sejam sustentáveis. É necessário repensar o que os clientes precisam e como podem obter isso de forma sustentável, um senso escasso nos negócios de hoje.”
E para o futuro, o que podemos esperar?
O estado do mundo
Sempre fez parte do instinto humano buscar uma saída para as situações de perigo. Não seria diferente, portanto, no contexto das sociedades atuais. Diante da decadência de um sistema, outro começa a ser organizado, com base em novos valores. Para isso, dados que possibilitem identificar a evolução ou estagnação em diversas áreas são fundamentais.
Há quase 40 anos, Lester Brown, hoje consagrado pensador de sustentabilidade, fundava o Worldwatch Institute. Dez anos depois, a organização lançou um documento periódico que se tornaria essencial à análise da evolução do tema ao longo das últimas décadas – o relatório State of the World (Estado do Mundo) transformou-se em referência no panorama mundial da sustentabilidade, sempre focado em temas relevantes para a projeção de sociedades sustentáveis.
Na primeira edição do documento, Brown apontava: “Geralmente, os observadores concordam sobre as principais ações necessárias para colocar a sociedade em bases sustentáveis (…), mas persiste a confusão sobre como o mundo está fazendo para cumprir esses objetivos”. Passada uma década, o questionamento segue atual.
Considerando-se o State of the World desde o seu lançamento, chega-se a um quadro assustador de como o ambiente tem sido fortemente afetado pela ação humana. Segundo Gary Gardner, pesquisador sênior do Worldwatch Institute, a transição para uma economia sustentável não está acontecendo de forma rápida o suficiente a ponto de reduzir os danos causados ao meio ambiente durante os últimos 30 anos. Por outro lado, um número crescente de respostas inovadoras vindas de negócios, governos e setores econômicos já surgiram, em grande contraste com a situação constatada na primeira Conferência da Terra (Eco-92, Rio de Janeiro). Muito do que pode ser feito, no entanto, ainda não foi colocado em prática por falta de vontade e ímpeto para mudar.
“O Brasil tem sido bem-sucedido na transição de combustíveis fósseis, por exemplo, e o Japão reduziu a geração de resíduos em sua economia. A caixa de ferramentas de políticas para a sustentabilidade está cada vez mais completa – e poderia mudar rapidamente muitos setores da economia para um caminho sustentável –, ainda que muitos governos façam pouco uso delas, e outros tantos praticamente nenhum.”
Para o pesquisador, essa mudança tem acontecido em diferentes ritmos nos grupos sociais, sob diversas perspectivas, nem sempre encorajadoras. Entre os cientistas – aponta –, há um certo consenso sobre a gravidade da maioria dos desafios; entre os políticos, um amplo espectro – desde aqueles esclarecidos e progressistas até os completamente desinformados. Na comunidade de negócios, há também uma combinação de respostas. Embora o grupo pró-sustentabilidade siga crescendo, ainda existem empresas que trabalham contra a corrente.
A próxima edição do State of the World, com publicação em 2012, tratará da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), com o intuito de chamar a atenção para o evento – e fornecer informações e ideias no sentido de moldar seus resultados. “O grande desafio dessa conferência será os governos dizerem ‘sim’ ao sucesso – adotando muitas das políticas que obtiveram êxito nos países que já as realizaram”, avalia Gardner.
* Publicado originalmente no site da revista Ideia Sustentável.