Uma economista traduz o BNDES
Doutora em Economia pela UFRJ, da qual é professora desde 1994, Jennifer Hermann traz à tona ara o Canal Ibase um pouco do mistério que ronda o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ela foi consultora do órgão e é uma referência em macroeconomia e teoria financeira.
Doutora em Economia pela UFRJ, da qual é professora desde 1994, Jennifer Hermann traz à tona ara o Canal Ibase um pouco do mistério que ronda o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ela foi consultora do órgão e é uma referência em macroeconomia e teoria financeira. A professora, que vem estudando o papel dos bancos públicos, explica as diferenças entre o BNDES, a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Brasil (BB). E informa que o banco, que é o termômetro do modelo de desenvolvimento do país, apresenta uma leve tendência de desconcentração regional nos anos 2000.
Canal Ibase: O BNDES deve manter qual postura na hora de conter as incertezas dos mercados, já que um banco público deve dar publicidade a seus dados?
Jennifer Hermann: Depende da causa das incertezas. Atualmente, no Brasil, as maiores incertezas dizem respeito ao fraco crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e à resistência à baixa da inflação. Nenhum dos casos tem relação com a suposta falta de publicidade dos dados do BNDES. Nos dois, a postura mais apropriada neste momento seria o banco manter o apoio financeiro aos investimentos, especialmente àqueles do setor de infraestrutura, cuja restrição de oferta está na raiz dos dois problemas: o fraco crescimento do PIB e a persistência da inflação, esta, amplamente reconhecida hoje no Brasil como “inflação de oferta”.
CI: Quais são as diferenças fundamentais entre o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
JH: São muitas as diferenças entre os três bancos, mas três me parecem mais importantes do ponto de vista prático. Uma se refere à estrutura de capital (a forma pela qual um banco ou uma empresa se financia): o BNDES e a CEF são de capital inteiramente estatal e o BB é uma empresa de capital aberto, na qual a União é a acionista controladora. Esta condição do BB o obriga a gerar lucro para os acionistas e, por isto, limita sua capacidade de atuação como banco público, tanto na função anticíclica, quanto no apoio a setores com maior dificuldade de financiamento. Outra diferença importante se refere ao risco sistêmico que estes bancos representam na economia brasileira, ou seja, risco para o restante do mercado financeiro. O BB e a CEF operam com contas correntes, isto é, captam depósitos à vista do público (pessoa física e pessoa jurídica), enquanto o BNDES, não. Isto faz com que eventuais problemas no BB e na CEF tenham maior repercussão no mercado e na economia do que teriam no caso do BNDES. Mas deve ficar claro que, no momento, nenhum dos três bancos apresenta qualquer risco neste sentido. Ao contrário, os índices de inadimplência nestes bancos estão menores que na maioria dos bancos privados. Outra diferença se refere à estrutura de funding (fonte de recursos) destes bancos: a do BNDES é bem mais estável e segura, de prazo mais longo, porque apoia-se, predominantemente, nos recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador e em recursos próprios, enquanto BB e CEF contam com uma parcela maior de captação no mercado. Por todas essas razões, o BNDES está em melhor posição para atuar em apoio ao desenvolvimento econômico e também na função anticíclica, ou seja, a de estimular a economia em períodos de fraco crescimento.
CI: Por que o BNDES não intensifica a relação com os bancos públicos estaduais, a fim de melhor direcionar seus investimentos?
JH: Não tenho como responder isto. Só os gestores do próprio banco poderiam fazê-lo.
CI: Há um contraste entre os investimentos do banco no Sudeste em relação às demais regiões do país. A senhora percebe uma tendência de mudança nesse sentido?
JH: Dados dos anos 2000 (disponíveis no sítio do Banco) mostram que há uma leve tendência de desconcentração regional dos desembolsos (empréstimos) do BNDES.
CI: Por que os investimentos de infraestrutura são feitos basicamente com as empresas, digamos, oligopolistas?
JH: Isto reflete a própria estrutura do setor de infraestrutura, não só no Brasil, mas em qualquer parte do mundo, no qual predominam grandes empresas. Não é possível, nos dias de hoje, financiar o setor de infraestrutura sem operar com grandes empresas. Isto não impede que um banco público apoie também pequenas empresas que operem em outros setores da economia.
* Publicado originalmente no site Canal Ibase.




