Xangai, China, 29/2/2012 – Nenhum caminho leva ao condado chinês de Motuo, na Região Autônoma do Tibete, onde também não há posto dos correios nem jornais. O único vínculo de seus dez mil habitantes com o exterior é uma emissora de rádio. A Rádio do Condado de Motuo (MCRS) transmite todos os dias em tibetano pela frequência modulada 106.9 megahertz, se constituindo na janela para o mundo da chamada “ilha sobre uma meseta”, habitada por membros das minorias étnicas monpa ou lhoba.
“É uma das principais formas de mantermos contato com o exterior e saber o que acontece no resto da China”, contou Ai, de origem tibetana e técnico da emissora. “A MCRS é o principal canal para que as pessoas que não falam mandarim se inteirem do que acontece fora do condado”, acrescentou o técnico, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado.
Fundada em 1982, a MCRS, que conta com permissão do Estado, é uma das várias emissoras locais que difundem notícias e entretenimento para as minorias em sua própria língua. As emissoras estatais locais transmitem para cinco das 46 minorias étnicas de China. Localizado em um rincão do sudeste da Região Autônoma do Tibete, o condado de Motuo, que significa “lótus escondido e misterioso”, em tibetano, permanece quase meio ano isolado pelo gelo e pela neve.
Além de traduzir programas de notícias e entretenimento das emissoras nacionais (Rádio Nacional da China, Rádio Internacional da China e Televisão Central da China), a MCRS tem produções próprias com temas que interessam à comunidade rural de Motuo. “Por estar tão isolada, os programas de rádio ajudam a preencher o vazio de conhecimento dos agricultores locais”, explicou Ai. A agricultura é a principal fonte de sustentação do povoado. “Os programas são principalmente informativos. Por exemplo, explica-se aos camponeses como consertar sua máquina. Eles estão desejosos de adquirir maior capacidade técnica”, acrescentou.
Para os agricultores das montanhas isoladas, a rádio oferece entretenimento diário e é um meio de comunicação barato e portátil. Embora conte com apoio do governo há 20 anos, é um desafio manter a emissora funcionando. “As condições em que opera são ruins, temos apenas cinco ou seis pessoas, e poucos recebem capacitação”, destacou Gao Jianling, diretor da MCRS. A localização geográfica de Motuo faz com que seja difícil produzir e distribuir outros meios de comunicação, como jornais, “e ainda não temos condições para criar nossos próprios programas”, acrescentou Gao.
Como todos os meios de comunicação da China, as rádios estão sob controle do governante Partido Comunista. O não cumprimento das normas fixadas pela Administração Estatal de Rádio, Cinema e Televisão significa duros castigos. Por exemplo, é proibido falar sobre democracia, o líder espiritual tibetano Dalai Lama, a independência de Taiwan, e se referir às manifestações de 1989 na Praça Tiananmen, duramente reprimidas.
A ativista uigur Mehbube Ablesh, de 29 anos, foi afastada de seu cargo na Emissora Popular de Xinjiang em 2008 e detida por criticar o governo local. Não se soube mais de Mehbube, segundo a Rádio Free Asia (RFA), que tem apoio do governo dos Estados Unidos e transmite notícias para nove países asiáticos onde os meios de comunicação são censurados. Apesar disso, organizações e grupos de ativistas se servem do rádio para distribuir notas às comunidades oprimidas da China. Meios como a RFA ou TibetOnline.tv, bloqueados na China mas acessíveis por meio de servidores proxy (intermediários), transmitem boletins em tibetano e uigur.
O Movimento pela Independência do Turquistão Oriental, uma organização separatista da região que agora pertence à província de Xinjiang, abriga duas emissoras de rádio em seu site, também bloqueado. Os tibetanos “não têm acesso a notícias do que ocorre em outras partes do Tibete, que nem mesmo conhecem, até que sejam transmitidas por nós”, disse à IPS o diretor-executivo da RFA, Dan Southerland, por telefone, dos Estados Unidos.
A RFA transmite em três dialetos, tibetanos, uke, amdo e kham, e, apesar de dizer que não pode saber quantos ouvintes tem nessa região autônoma, Southerland afirmou que é uma “quantidade significativa”. A maioria ouve a transmissão via satélite, apesar dos esforços do governo para bloquear o sinal. “Tentamos levar às pessoas o que acontece e que a informação seja fidedigna, o que é muito difícil”, esclareceu. “Nossas fontes estão bastante assustadas, nos falam por dois minutos e desligam. Um monge foi detido apenas por dizer que ouvia a RFA”, acrescentou.
“O que falta na cobertura da mídia estatal é que não se pode falar da cultura tibetana sem mencionar o budismo ou Dalai Lama”, ressaltou Southerland. “É uma campanha (do governo chinês). Os monges são obrigados a renunciar a ele. Informamos sobre o Dalai Lama. Quando viaja, procuramos estar aí. Os ouvintes nos dizem ‘nos deem mais dele, queremos ouvir sua voz’. É muito comovente”, admitiu. A internet é um espaço em que os setores marginalizados da cultura chinesa majoritária começam a transmitir.
“Nossa emissora oficiou de grupo de estudo para nossa audiência”, disse Xiaodai, um uigur de Ürümqi, na província de Xinjiang, que pediu para não ter seu sobrenome divulgado. Em 2008, sua organização não governamental fundou a Emissão Amor Gay do Colorido Xinjiang sem aprovação do governo, em resposta ao conservadorismo da mídia estatal. Embora a emissora funcionasse na base do trabalho voluntário, transmitiu por quase um ano programas diários sobre temática homossexual entre 22h e 23h, mas, com os distúrbios que aconteceram em Xinjiang em julho de 2009, Pequim cortou o acesso à internet na região e a rádio acabou. Envolverde/IPS.
* Com a colaboração de Qiu Cheng.
** Este artigo contou com o apoio da Unesco (www.unesco.org/new/es/unesco).