Nações Unidas, 13/7/2011 – Uma mulher com independência econômica e capacidade para tomar decisões sobre sua própria vida tem menos probabilidade de se casar apenas por dinheiro e de incorrer em condutas de risco para a saúde, afirmou Unity Dow em entrevista à IPS. Nascida em Botsuana, esta advogada e ativista pelos direitos humanos foi a primeira mulher a exercer a função de juíza em seu país. Agora, cumpre seu segundo mandato como integrante da Comissão Internacional de Juristas, e preside seu Comitê Executivo. A IPS conversou com Dow por ocasião do informe “O progresso das mulheres no mundo: em busca da justiça”, apresentado pela ONU Mulheres em Nova York.
IPS: Sua história figura de modo destacado no primeiro informe da história do ONU Mulheres. Qual mensagem a senhora acredita que transmite às mulheres de todo o mundo.
UNITY DOW: Penso que é importante que as pessoas que a lerem vejam que, definitivamente, não sou única ou especial. E também, suponho, que se deem conta de que o motivo pelo qual eu consegui o que conquistei tem a ver com minha família – pais e irmãos –, que é forte e me apoia, que sempre esteve em cada sessão do tribunal, quando eu chorava e também quanto estava feliz com o resultado. Não foi uma viagem individual. Precisa-se da família para se ter sucesso.
IPS: A senhora trabalhou junto com a ONU Mulheres. O que espera desta agência para os próximos anos, ou décadas?
UD: Não creio que se possa subestimar a criação desta nova agência, pelo impulso, pela força e pelo poder que dá às mulheres. E isto mesmo antes de falarmos sobre quanto dinheiro tem ou sobre quem a lidera; e penso que a entidade é muito, muito afortunada por ter a líder que tem (a ex-presidente chilena Michelle Bachelet). Espero que a agência gere uma nova energia em torno dos assuntos femininos. O tipo de energia que conseguimos em torno da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, de 1995, em Pequim, que de algum modo começou a se apagar, espero que agora volte a ter força. E também que obrigue os governos a terem programas específicos para as mulheres, porque agora há uma agência desse nível responsável, que fará perguntas e se comprometerá com os governos, e isto é bom.
IPS: A questão central do informe é a justiça, e a senhora dedica sua vida ao sistema judicial. Por que acredita que os sistemas judicial e legal são tão importantes para o poder da mulher?
UD: Porque o sistema legal não trata apenas de criar marcos, mas também de apresentar soluções. Se há uma lei que diz que não se pode discriminar as mulheres, isso não mudará com o passar do tempo, mas o fato de a lei existir faz com que, com o tempo, mudem as atitudes, porque cria uma norma e destroi outra negativa que estava em vigor. E, em segundo lugar, se falamos sobre a violência contra as mulheres, sobre o poder econômico, sobre qualquer coisa, é preciso um sistema judicial ao qual elas possam recorrer para fazer valer seus direitos. Assim, é o básico.
IPS: A senhora foi juíza do Supremo Tribunal, mas se retirou e começou a exercer a advocacia de maneira independente. Acredita que é uma maneira mais efetiva de chegar às mulheres, ou foi apenas uma decisão pessoal?
UD: Fui juíza por 11 anos e meio e aprendi muito. Mas também sentia que não controlava minha vida, porque você se senta ali e espera que os casos cheguem. Quando fui designada, era a primeira mulher juíza e o argumento foi: “Veja, precisamos de mulheres nos poderes de tomada de decisões; você não pode rejeitar este posto”. Entendi isso e penso que foi bom ter aceitado. Depois de um tempo, percebi que, de todo modo, é necessário gente que apresente as demandas corretas nos tribunais. São necessários juízes bem formados, e também advogados bem formados e sensíveis às questões de gênero que possam apresentá-las. E eu não sentia que isso estivesse acontecendo, e por essa razão renunciei para fazer o tipo de trabalho que fazia antes.
IPS: A senhora também é novelista. Acaba de me mostrar seu último livro, “Saturday is for Funerals” (Sábado é para os Funerais). Trata-se da aids, que é um problema muito sério em Botsuana. Acredita que é um assunto específico das mulheres? Como afetará um maior poder feminino diante da situação dessa doença?
UD: Não é um assunto das mulheres, mas de gênero. Quando os pais morrem, deixando filhos pequenos, alguma mulher aparece e cuida deles. Assim são as coisas: as mulheres cuidam dos filhos de familiares que morreram. Também é uma questão de gênero, porque, se as mulheres não têm poder econômico, é mais provável que participem de condutas de risco e, portanto, contraiam o vírus HIV, causador da aids. Também é um assunto de gênero porque quando a pessoa morre jovem, deixando filhos, há todo tipo de questões relativas à herança e todo tipo de leis que entram em jogo para definir quem tem direito a herdar e o que herdar. Em quase todo o mundo, e também em Botsuana, as cuidadoras profissionais (enfermeiras, trabalhadoras sociais) são mulheres. Assim, se estas profissionais em particular se veem sobrecarregadas pelo HIV/aids, isto se torna um assunto de gênero. Se uma mulher tem mais poder, se ganha o suficiente para viver bem, se tem capacidade para tomar decisões sobre sua própria vida, é menos provável que se case somente por dinheiro, que participe dessas atividades de risco ou que seja abandonada pelo marido e tenha de cuidar sozinha dos filhos. A educação dá mais poder às mulheres: com ela são mais capazes de negociar uma relação, de terminar relações ruins e de não transigir. Envolverde/IPS