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Uma receita para os sem-teto do Camboja

Restaurante Romdeng, da organização Mith Samlanh. Foto: Simba Shani Kamaria Russeau/IPS
Restaurante Romdeng, da organização Mith Samlanh. Foto: Simba Shani Kamaria Russeau/IPS

 

Phnom Penh, Camboja, 12/9/2013 – Seus pais morreram quando tinha apenas quatro anos, e o cambojano Samlain Chey, hoje com 22, terminou vivendo nas ruas junto ao rio perto do Palácio Real de Phnom Penh. Até que conheceu um trabalhador social da Mith Samlanh que mudou seu destino. A Mith Samlanh, que significa “amigos”, é uma organização local que facilita a reintegração de jovens às suas famílias, à escola pública, ao trabalho e à cultura. E tem formas inovadoras para fazer isso. A entidade recolhe os sem-teto e os capacita como chefes em seus restaurantes-escola Romdeng e Friends.

Além do que estes restaurantes significam para as pessoas sem lar, também têm importância por sua comida. Ambos ganharam o reconhecimento local e internacional por sua gastronomia jemer contemporânea e tradicional. Samlain tinha 15 anos quando o encontraram e lhe deram um lar e um futuro. “Tive moradia enquanto estudava a cozinha tradicional jemer e a indústria da hospitalidade e dos serviços”, contou à IPS. “Depois de um mês de aulas eu queria ser o chefe principal e abrir meu próprio restaurante”, afirmou.

Ao completar a formação de três anos, Samlain foi convidado para ser professor. Como ex-morador de rua, agora sente que tem a oportunidade de ajudar outros como ele. “É difícil viver nas ruas: não se come o suficiente, não há segurança, começamos a usar drogas e ninguém parece se importar com nosso futuro”, explicou. “Estou feliz trabalhando aqui porque também posso compartilhar minha história, que dá aos alunos a confiança que precisam para não se entregarem”, acrescentou.

Dos 15 milhões de cambojanos, 44,3% têm menos de 18 anos. Segundo estatísticas oficiais, 35% vivem na pobreza, com renda abaixo de US$ 0,45 por dia e por pessoa. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indica que entre dez mil e 20 mil meninos e meninas trabalham nas ruas de Phnom Penh. Bopha, de 17 anos é uma delas. Não teve onde viver até os 14 anos. Seus pais tinham dificuldades para manter uma família de oito integrantes vendendo bolo junto à estrada na capital, contou a jovem.

“Minha vida foi muito difícil porque às vezes não ganhávamos o suficiente para comprar comida e eu não podia ir à escola”, detalhou Bopha à IPS. “As coisas mudaram quando um trabalhador social da Mith Samlanh começou a nos visitar na rua para oferecer comida. Me perguntou se gostaria de aprender computação e cozinha tradicional. No começo duvidei, porque temia ir e não poder ajudar minha família a vender bolos”, afirmou. Mas depois ela aceitou o convite.

Encontrar trabalho é complicado. A economia não consegue absorver as quase 400 mil pessoas que anualmente entram para o mercado de trabalho. Segundo o Ministério do Trabalho, entre 200 mil e 300 mil jovens emigram anualmente em busca de empregos pouco qualificados, porque em seu país carecem de formação adequada e de oportunidades. “As crianças de rua perderam seu direito à educação”, disse à IPS Menghourng Ngo, encarregado de comunicações do restaurante Friends.

“Aos que têm entre três e 14 anos oferecemos educação informal para que se integrem facilmente à escola. Os jovens entre 15 e 24 anos estão mais interessados em emprego, por isso oferecemos capacitação vocacional em nosso centro”, continuou Ngo. “Nossa formação se centra em desenvolver a confiança, o respeito a si mesmo, uma higiene adequada e habilidades para o negócio gastronômico. Ao completá-la, os ajudamos a encontrar trabalho. Nossa nacionalidade é jemer, por isso o programa também inculca um sentido de orgulho por nossa cultura”, acrescentou.

A numerosa população jovem e seus muitos problemas chamaram a atenção dos políticos. Cerca de 50% das pessoas aptas a votarem têm menos de 25 anos, e a cobrança por mais emprego juvenil teve um efeito eleitoral positivo para o Partido de Resgate Nacional do Camboja nas eleições do mês passado. Muitos acreditam que a perda de 22 cadeiras sofrida pelo governante Partido Popular do Camboja, do primeiro-ministro Hun Sen, constitui uma mensagem do ressentimento juvenil, que pode aprofundar-se se a qualidade de vida desse setor da população não melhorar.

“Meu sonho é ver minha família com um bom nível de vida. Gostaria de ser dona de uma casa e abrir meu próprio negócio algum dia para compartilhar a gastronomia jemer com a comunidade internacional”, disse Bopha. “Desde que vim para a Mith Samlanh estou mais entusiasmada com meu futuro. Foi muito importante ter acesso aos seus cursos vocacionais, porque agora tenho as ferramentas para tornar meu sonho realidade”, resumiu a jovem. Envolverde/IPS