Política deve se inspirar no modelo dos programas de permanência adotados pelas universidades federais.
A UNEafro-Brasil exigiu do Ministério da Educação (MEC) a criação de um Material Didático Público que contemple o conteúdo cobrado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A proposta foi elaborada por professores, coordenadores e estudantes de cursinhos comunitários reunidos na 4ª Assembleia Geral da organização, realizada entre os dias 29 e 31, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP).
Os 120 representantes dos 42 núcleos de base do movimento assumiram o compromisso de fortalecer a campanha nacional pela destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a Educação. Parte desses recursos seriam aplicados na “Política de Permanência de Negros e Pobres da Pré-Escola ao Ensino Médio”. Segundo os proponentes, essa política deve se inspirar no modelo dos programas de permanência adotados pelas universidades federais, que – por meio de bolsas-auxílio – garantem moradia, alimentação e transporte aos estudantes.
A medida foi pensada com o objetivo de “evitar a evasão escolar, sobretudo dos estudantes que pertencem a famílias alocadas abaixo da linha da pobreza”, conforme relatado na ata da Assembleia. “A principal motivação para o não acesso ou a evasão escolar é justamente a necessidade do jovem de ajudar na subsistência da família, ou seja, o abandono da escola e a busca de trabalho e renda”, analisa Iraci Aparecida, coordenadora de núcleo na Zona Leste de São Paulo.
Pobreza e racismo
O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 16 milhões de pessoas vivem com menos de R$ 70 por mês. Nos dados relacionados à educação, a situação não é diferente. Estima-se que 14 milhões de brasileiros ainda não foram alfabetizados. “Há uma compreensão de que investir em educação é primordial para o combate à miséria, uma vez que a pobreza está umbilicalmente relacionada ao não acesso à educação”, defende Afonso Luis Fernandes, coordenador de núcleo no Jardim Miriam, Zona Sul de São Paulo. “Sabe-se também que dois terços da população brasileira estacionada na faixa da miserabilidade é negra e que o analfabetismo, a evasão escolar e o não acesso à universidade atingem a população mais pobre e, especialmente a população negra”, completa.
Nas discussões que trataram da evasão, foi levantada a necessidade de haver uma integração entre as áreas de assistência social, saúde e Justiça, como forma de garantir a segurança e integridade dos atores envolvidos no processo educacional. “É fundamental para que possamos encarar os problemas de falta de atratividade e degradação do ambiente escolar, fragilidades familiares, consumo de drogas e envolvimento com o crime organizado, além de garantir melhorias de infraestrutura e merecido aumento real de salários e plano de carreira para funcionários e professores”, defende Afonso.
Material didático
A proposta de elaboração de um material didático preparatório para o Enem, que a UNEafro pretende apresentar ao ministro da Educação, Fernando Haddad, prevê a disponibilização do conteúdo para livre reprodução, podendo ser utilizado por cursinhos comunitários e populares de todo o país, como argumenta Pâmela Neves Braga, coordenadora de núcleo no bairro de Coutos, subúrbio da Salvador (BA).
“Há, em todo o país, uma infinidade de iniciativas similares à nossa atuação. Apesar das possíveis diferenças na maneira de enxergar os desafios, método e finalidade política, há sem dúvida uma necessidade comum em todas as experiências: o Material Didático.” O projeto ainda sugere a impressão e distribuição do mesmo material para os estudantes matriculados no 3º ano do Ensino Médio da rede oficial de ensino ou nas redes de Cursinhos Comunitários e Populares devidamente cadastradas no MEC.
Lei 10.639/03
Apesar de ter sido aprovada há oito anos, a Lei 10.639/03 ainda não foi implementada. O movimento negro tem denunciado o descaso dos sucessivos governos, nos níveis federal, estaduais e municipais. “A aprovação dessa Lei é uma das poucas vitórias institucionais do movimento negro nos últimos anos. No entanto, o sentimento é de que ganhamos, mas não levamos! A lei não se efetiva, em parte por falta de vontade política dos governos e em outra pelas ‘desculpas’ de falta de verba pública”, lamenta Douglas Belchior, coordenador de núcleo em Poá, na Grande São Paulo.
“Exigimos que, independente do aumento do percentual do PIB para a Educação, que os gestores públicos sejam obrigados a investir ao menos 10% dos recursos do setor na efetivação da lei 10.639”, acrescenta. Se aprovado o projeto, os Estados e Municípios deverão apresentar um planejamento detalhado, anualmente, informando o destino dos investimentos. A fiscalização ficaria sob responsabilidade de setores competentes do Estado e organizações da sociedade civil organizada.
Formação política
Para debater o tema “Educação, Combate ao Racismo e Luta Política: Cursinhos Comunitários Podem Ajudar?”, foram convidadas Mariza Feffermam, do Tribunal Popular, e Sueli Domingues, da diretoria do Sinsprev-SP. O professor Jaime Amparo, doutorando em antropologia pela Universidade do Texas (Estados Unidos), demonstrou como o racismo estruturou a acumulação primitiva de capital no Brasil. “Ainda não compreendemos o que foi a travessia do Atlântico. As chagas desse empreendimento ainda estão abertas”, pontuou Amparo.
“A Assembleia reafirmou o compromisso do movimento no combate ao racismo e às desigualdades geradas por esse modelo de desenvolvimento que privilegia o capital financeiro, o agronegócio e as multinacionais, em detrimento dos trabalhadores.” Com essas palavras, a UNEafro elegeu a prática da formação política como prioridade em seus Núcleos de Base, a partir de três eixos fundamentais: Relações Raciais, Questão de Gênero e Luta de Classes. O movimento acredita que isso dará subsídios para a militância reivindicar com maior firmeza suas bandeiras de luta. Entre elas, a implantação do campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Zona Leste da capital.
Jornada Nacional de Lutas
A UNEafro participará da Jornada Nacional de Lutas, junto aos diversos movimentos populares do Brasil, de 21 a 27 de agosto, quando ocorrerão atos de protesto e de formação em torno de inúmeras reivindicações. Entre elas, a Campanha contra Agrotóxicos, 10% do PIB para a Educação, Energia, Luta pela Terra, Transportes Públicos, Redução da Jornada de Trabalho, e Reformas Tributária e Política.
“De nossa parte, a contribuição para a Jornada de Lutas se dará, principalmente, no tema da Educação, Cotas nas Universidades, e Campanha contra o Genocídio da População Negra”, anuncia Heber Fagundes, coordenador de núcleo na Brasilândia, Zona Norte de São Paulo. A UNEafro ainda somará seus esforços junto ao conjunto de movimentos populares também em São Paulo “para a realização de uma grande manifestação que, assim como em todo o país, colocará em pauta os assuntos de interesse do povo brasileiro”, finaliza.
* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.