Uxbridge, Canadá, 19/8/2013 – Dois informes divulgados esta semana revelam a perigosa brecha que existe entre ciência e política e concluem que os eventos meteorológicos extremos duplicarão até 2020, aumentarão 400% até 2040 e continuarão piorando se não houver uma redução significativa das emissões de dióxido de carbono. A severa onda de calor que atingiu os Estados Unidos no ano passado é um exemplo desses eventos extremos.
Enquanto isso, uma análise mostra que o Canadá não pode cumprir seu fraco objetivo de redução de emissões contaminantes até 2020 e, no entanto, planeja triplicar suas maciças operações nas areias de alcatrão para as próximas décadas. O Canadá não tem nenhum plano crível para reduzir suas emissões, e praticamente nada fez em relação ao clima desde que o primeiro-ministro Stephen Harper chegou ao governo em 2006, afirmam ativistas.
“Será muito difícil para o governo canadense conseguir seus próprios objetivos de redução de emissões até 2020, mesmo sem uma expansão nas areias de alcatrão”, afirmou o cientista climático Danny Harvey, da Universidade de Toronto, em uma entrevista coletiva no dia 14.
Canadá, Estados Unidos e outros países se comprometeram a reduzir, até 2020, em 17% o total de suas emissões de dióxido de carbono em comparação com os registros de 2005, no contexto do Acordo de Copenhague. Os cientistas afirmam que essa meta é muito frágil e que fará com que as temperaturas mundiais aumentem pelo menos 3,5 graus, o que implica um nível muito perigoso de mudança climática.
Provavelmente, essas elevadas temperaturas produzirão ondas de calor extremo que matarão pessoas, animais e cultivos, e até 2100 cobrirão 85% da área terrestre do planeta no verão, informaram cientistas alemães e espanhóis no dia 14. “Isso é o que mostram nossos cálculos para um cenário de mudança climática” incontrolável, disse o coautor do informe, Dim Coumou, do alemão Instituto de Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático (PIK).
Embora resulte em uma comoção, já é muito tarde para impedir a duplicação das ondas de calor até 2020 e que quadrupliquem até 2040, conclui o estudo publicado na revista Environmental Research Letters. O motivo é que a queima de enormes quantidades de combustíveis fósseis nos últimos 50 anos acrescentou 40% mais dióxido de carbono na atmosfera.
Mesmo se hoje fosse colocado um ponto final em todas as fontes de emissões desse gás de efeito estufa, as temperaturas continuariam aumentando do atual 0,8 grau de aquecimento global para 1,1 e até 1,5 grau, devido a um atraso no sistema climático, segundo os cientistas. E essas temperaturas não baixarão por um período muito longo. Por isso que todos os países acordaram reduzir as emissões de dióxido de carbono na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em 2009 em Copenhague.
O Canadá aderiu ao compromisso dos Estados Unidos de reduzir 17% as emissões, mas pouco fez para reduzir as suas e, por outro lado, expandiu drasticamente o maior projeto energético do mundo: as areias de alcatrão de Alberta. A cada ano as areias queimam quase 40 milhões de metros cúbicos de gás natural, cerca de dois terços do que a Índia usa anualmente. Este gás é utilizado principalmente para esquentar a água empregada na extração do solo do betume de alcatrão, que é convertido em petróleo pesado.
Em 2011 foram usados 370 milhões de metros cúbicos de água doce. Isto é mais do que consomem os 2,8 milhões de habitantes da cidade de Toronto. As empresas petroleiras não pagam nada pela água embora esta se torne extremamente tóxica para ser devolvida a rios ou aquíferos. A maioria das análises mostra que o petróleo procedente das areias de alcatrão é o mais contaminante e o que deixa a maior pegada de carbono. Essas emissões aumentam na medida em que o betume fica mais difícil de ser extraído, e se prevê que duplicarão até 2020.
“Os políticos canadenses simplesmente não estão dizendo a verdade. Não é possível continuar expandindo as areias de alcatrão e cumprir a meta de redução” de emissões contaminantes, advertiu Mark Jaccard, economista especialista em energia da Universidade Simon Frasier e designado pelo governo de Harper para integrar a agora encerrada Mesa-Redonda Nacional sobre o Meio Ambiente e a Economia.
No Canadá não há regulamentações federais sobre emissões derivadas do petróleo e do gás. Em lugar de agir, o governo de Harper lançou uma campanha de relações públicas de US$ 16 milhões, nos Estados Unidos e no Canadá, para promover os benefícios econômicos do “desenvolvimento responsável de recursos” das areias de alcatrão. Os ativistas consideram que com isto se tentou dar uma fachada verde ao projeto.
Depois de 2020, serão necessários profundos cortes nas emissões para evitar que a maior parte do mundo sofra sob devastadoras ondas de calor antes do final do século, afirma o Instituto de Potsdam. Essas reduções “serão impossíveis de se conseguir se nos encerramos em 40 anos de maiores emissões das areias de alcatrão construindo mais oleodutos”, como o Keystone XL, opinou Harvey, da Universidade de Toronto, em uma entrevista coletiva na semana passada nessa cidade.
Os Estados Unidos estão no caminho de cumprir o compromisso de redução que assumiu em Copenhague. Porém, os abismais antecedentes ambientais do Canadá chamaram a atenção do governo de Barack Obama. O presidente norte-americano disse que somente aprovará o oleoduto Keystone XL se isso “não exacerbar significativamente o problema da contaminação com carbono”.
Para o muito adiado oleoduto se prevê que transportará 800 mil barris de petróleo pesado das areias de alcatrão de Alberta até refinarias localizadas na costa do Golfo do México nos Estados Unidos. O Keystone XL aumentará as emissões do Canadá ao permitir que as areias de alcatrão se expandam, pontuou Gillian McEachern, da Defesa Ambiental Canadá. E não há nem tecnologias nem políticas que permitam ao Canadá reduzir essas emissões antes de 2020, ressaltou.
Outros oleodutos propostos necessários para apoiar a expansão das areias de alcatrão esbarraram em uma forte oposição no Canadá, e está longe de ser um fato que suas obras se completem, destacou Jaccard. “Agora estamos em um ponto em que a única alternativa aceitável é o governo dos Estados Unidos rechaçar o Keystone XL”, acrescentou. Envolverde/IPS