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Valores de gênero para uma ONU mais efetiva

Mulheres mexicanas protestam contra os feminicídios.Foto: Daniela Pastrana/IPS

Nova York, Estados Unidos, 22/2/2012 – Cada vez mais resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecem a importância do gênero nos processos de paz. As resoluções 1325, 1820, 1888, 1889 e 1960 observam que as mulheres continuam marginalizadas nas negociações de paz e que seu potencial não é utilizado plenamente no planejamento de tarefas humanitárias, nas operações de manutenção e construção da paz, na governança e na reconstrução.

Reclamam que as mulheres participem em todos os níveis da tomada de decisões, que sejam protegidas mulheres e meninas da violência, que sejam promovidos seus direitos, bem com suas responsabilidades e a implementação de leis neste sentido. E também que se inclua uma perspectiva de gênero nas operações de paz.

O direito internacional humanitário e as leis sobre direitos humanos justificam estas demandas.

Porém, qual é a verdadeira natureza deste potencial feminino? Se a guerra continua sendo um jogo de homens, o que têm em particular as mulheres para contribuírem com valores às negociações de paz? E quais seriam as implicações para o trabalho da ONU se isto se articulasse claramente e se considerasse ao tomar decisões?

A resposta pode estar, pelo menos em parte, nos valores e na pesquisa sobre estes. Um estudo de 2005 apresentou conclusões relevantes de uma avaliação transcultural realizada em cerca de 70 países sobre as diferenças de sexo em dez valores básicos. Os homens qualificaram valores como o poder, o estímulo, o hedonismo, o êxito e a independência como mais importantes do que outros como a benevolência e o universalismo. Com as mulheres ocorreu o contrário.

Embora as diferenças sejam pequenas e se afirme que o sexo é menos determinante do que a idade ou a cultura, colocam em relevo o papel crucial das mulheres em muitos processos, entre eles os relacionados com a paz. A paz pareceria ser o resultado natural das expressões de benevolência e universalismo. A benevolência tem a ver com preservar e potencializar o bem-estar daqueles com quem se mantém um contato pessoal frequente, e o universalismo se refere à compreensão, valorização, tolerância e proteção do bem-estar de todas as pessoas e da natureza.

Por outro lado, os conflitos costumam ser um conduto para a reafirmação do poder, embora sejam em defesa do que se vê como justiça ou direitos humanos. O poder se relaciona essencialmente com o status social e o prestígio, e com o controle ou o domínio sobre as pessoas ou os recursos. O uso da força para a distribuição do poder é o subjacente jogo da guerra, e aparentemente também o principal domínio dos homens, pois os conflitos armados são historicamente realizados por homens.

Por estas diferenças, parece haver uma ancoragem mais profunda do papel das mulheres na prevenção ou resolução de conflitos, legitimando sua posição de maior fortaleza. Naturalmente, as conclusões da pesquisa nos propõem que as mulheres monopolizem a benevolência e o universalismo. Simplesmente ocorre que elas priorizam esses valores mais do que os homens.

No entanto, o estudo sugere melhor cultivo e aplicação da competência das mulheres em relação à paz, já que elas prestam mais atenção às habilidades associadas. Estas competências incluem criar relações e alimentar um sentido de cooperação, bem como promover o valor da negociação, o acordo e a aceitação acima do confronto. Assim, os valores específicos do gênero também têm significado no desenvolvimento de qualidades e comportamentos que têm relevância direta para a criação, a manutenção e a recuperação da paz.

Daí que os valores e as habilidades das mulheres, sem dúvida, mereçam muito mais espaço e apoio na agenda internacional da paz que as atividades tradicionais pautadas pelos homens. O argumento não só deve ser que as mulheres têm o direito humano a estarem equitativamente representadas como, também, de que o que elas levam especificamente à mesa de negociações, à conferência, à aula e ao mundo tem que estar integrado equitativamente a fim de se conseguir os objetivos de paz.

É crucial não cair na armadilha de promover uma série de valores ou um enfoque de gênero como superior ao outro. Não ganharemos nada de modo sustentável a menos que valorizemos as características e fortalezas específicas, e a aplicação adequada do enfoque a cada lado da divisão de gênero. A participação de todos os atores na elaboração e implementação de estruturas sociais para a paz é a única opção real com viabilidade no longo prazo.

Portanto, o enfoque deve ser articulado e deve ser incorporado às vantagens e aos talentos respectivos de homens e mulheres, fazendo com que sirvam com base de um tecido mais forte de metodologias para a paz que, em última instância, transcendam o gênero. O mundo não faz nenhum favor a si mesmo não reconhecendo e integrando os valores inatos e as competências específicas das mulheres. A ONU pode ser um modelo para valorizar esta força para a paz e superar este descuido.

Ao fazê-lo, se estará armando com uma ciência provada, além de soldados, armas e outros equipamentos. Tais iniciativas devem garantir de modo proativo a participação das mulheres em cada aspecto do trabalho para a paz, desde análise das causas básicas dos conflitos no âmbito comunitário, ao desenho e implantação conjunta de estratégias, até cadeiras nas reuniões do Conselho de Segurança e de sua própria Secretaria.

Em um momento em que a ONU deve otimizar seus recursos, pode usar com mais profundidade e criatividade os bens que tem à sua disposição, valorizando e incorporando fontes já existentes de conhecimentos e habilidades baseadas no gênero. Definitivamente, a igualdade de gênero forjará configurações mais fortes, melhor equipadas e equilibradas para a paz em todo o mundo. Envolverde/IPS

* Alisa Clarke é presidente do Global Vision Intitute.