Arquivo

Variação climática alimenta febre chikungunya no Caribe

A epidemia de chikungunya no Caribe é atribuída, em parte, ao descarte indiscriminado de lixo, como nessa rua em Curepe, Trinidad. Isso gera as condições propícias para a reprodução do mosquito vetor da enfermidade. Foto: Jewel Fraser/IPS
A epidemia de chikungunya no Caribe é atribuída, em parte, ao descarte indiscriminado de lixo, como nessa rua em Curepe, Trinidad. Isso gera as condições propícias para a reprodução do mosquito vetor da enfermidade. Foto: Jewel Fraser/IPS

 

Porto Espanha, Trinidad e Tobago, 26/2/2015 – Quando Jenny Gittens foi dormir em sua casa na capital de Trinidad e Tobago estava bem. Mas uma hora depois acordou com “câimbra e rigidez” atrás do joelho. Rapidamente a dor se espalhou e os dois joelhos doíam, e depois já não conseguia se movimentar, sentiu uma rigidez nos dedos, dores no peito e teve febre.

Duas semanas de dor atroz, foi assim que Gittens descreveu sua experiência com a febre chikungunya. “Se tivesse que escolher entre isso e o parto, escolheria o parto”, contou à IPS esta mulher de 61 anos, mãe de dois filhos. Em poucos dias surgiu uma brotoeja que durou vários dias e dores na clavícula que a deixaram dobrada. “Não podia me endireitar. Não podia virar. Foi uma dor insuportável”, acrescentou.

Não está confirmado que seu caso tenha sido chikungunya, mas os sintomas parecem com os dessa doença viral, transmitida ao ser humano por um mosquito infectado e cujo nome procede de uma língua africana e significa “dobrado de dor”.

Segundo a Agência de Saúde Pública do Caribe (Carpha), até o dia 7 deste mês, foram registrados 4.485 casos confirmados e prováveis de chikungunya e cerca de 87 mil suspeitos nos 24 Estados membros desse organismo. Em todo o continente americano, salvo nos Estados Unidos, houve mais de 800 mil casos suspeitos. Também, foram registrados 21 mil casos prováveis e confirmados, aqui incluindo o país norte-americano.

A enfermidade pode ser transmitida por dois mosquitos, e no Caribe o contágio ocorre por meio do Aedes aegypti, afirmou o médico Dave Chadee, entomologista e professor de saúde ambiental da Universidade das Índias Ocidentais, em San Augustine, Trinidad. Esse mal é conhecido há tempos na Ásia e na África, mas sua chegada ao Caribe ocorreu nos últimos 15 meses e se converteu em um problema grave de saúde, tanto na área insular quanto na continental. Presume-se que foi trazida à região por um visitante asiático.

O professor Chadee explicou à IPS que, quando o mosquito chupa o sangue de uma pessoa infectada, ingere o vírus que se multiplica em seu sistema digestivo, vai para o sistema circulatório e da glândula salivar passa para a próxima pessoa picada. Numerosos fatores contribuíram para a rápida transmissão do vírus no Caribe, afirmou o especialista.

A variação climática contribuiu para as altas temperaturas, bem como as fortes chuvas e as inundações em várias partes da região. As últimas foram as do Natal de dezembro de 2013, no Caribe oriental. Ocorre aumento do vírus na estação úmida “porque há recipientes com água e mais vetores, e as pessoas cuidam menos do ambiente por causa do clima”, disse Chadee.

“No Caribe há poucas áreas onde não existem mosquitos”, pontuou Christian Hendrickson, entomologista e consultor de doenças transmitidas por vetores da Carpha. “O Aedes aegypti está muito domesticado e se reproduz onde houver pessoas que criem as condições propícias”, ressaltou. “Em geral, as temperaturas mais altas favorecem o desenvolvimento do mosquito, e a chuva facilita sua reprodução. As fortes precipitações provavelmente gerem mais mosquitos”, afirmou à IPS. A propagação da doença na região foi “bastante rápida”, acrescentou.

Entretanto, “a transmissão da febre chikungunya chegou ao seu nível mais baixo na estação de maior propagação devido à redução das chuvas, mas pode mudar quando estas voltarem, entre maio e junho, pois as condições se tornarão favoráveis ao vetor”, explicou o consultor.

Para mitigar a propagação do vírus “o que se pode, e se deve fazer, é manter os mosquitos em sua menor expressão para reduzir de forma drástica a possibilidade de transmissão da febre chikungunya e da dengue”, ressaltou Hendrickson. Os programas nacionais para controle de vetores e as pessoas têm a possibilidade de reduzir e eliminar os locais de reprodução de mosquitos para evitar que ocorra uma epidemia como a do ano passado, acrescentou.

Por sua vez, Chadee disse que, “como aceitamos que há uma grande variabilidade climática e sabemos que depois da estação úmida se segue uma seca, o controle do vetor pode ser feito de forma intensiva no período de transmissão”. A estratégia de tratamento pré-estacional requer matar os ovos antes que a larva se multiplique rapidamente, em geral, nas duas semanas imediatamente após o início da estação chuvosa.

“Assim, a população de mosquitos se mantém baixa e se quebra o intenso período de transmissão”, resumiu Chadee, que contou ter trabalhado com a febre chikungunya em ilhas do Oceano Índico, onde essa estratégia teve sucesso.

Hendrickson alertou que “muitos programas dependem do uso de inseticida para matar a larva e o mosquito adulto, mas seu uso prolongado acabou diminuindo sua efetividade”. Ele é mais favorável a eliminar os locais de reprodução do mosquito, como forma de mitigar a propagação do vírus.

Quanto à possibilidade de a doença se tornar endêmica no Caribe, Chadee afirmou que “é cedo para afirmar isso. Temos somente um ano de experiência com a febre chikungunya. Teremos que esperar muitos anos mais antes de estabelecer um padrão epidemiológico”. Envolverde/IPS