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Veja quem presidirá o tribunal

Joaquim Barbosa. Foto: Supremo Tribunal Federal

 

Rio de Janeiro, Brasil, 5/11/2012 – Considerado uma espécie de herói popular devido à sua atuação em um dos maiores julgamentos por corrupção no Brasil, o juiz Joaquim Barbosa será um marco na história nacional a partir do dia 22, quando passará a ser o primeiro presidente negro do Supremo Tribunal Federal (STF). Barbosa é o relator do julgamento sobre um suposto esquema de desvio de fundos públicos para comprar votos no parlamento, no qual aparecem envolvidos dirigentes do PT e ex-ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

No Brasil, onde 50,6% de seus 194 milhões de habitantes se dizem descendentes de africanos, nunca antes o máximo tribunal do país foi presidido por um negro. “É um fato duplamente importante: por ser negro e por ser o negro que é”, disse à IPS o analista em legislação e relações Carlos Alberto Medeiros. Como mulato que é, Medeiros sabe da dificuldade que é chegar a altos cargos em qualquer instância institucional deste país, onde, como diz Barbosa, “os negros são excluídos historicamente”.

Por isso, a chegada de Barbosa a este cargo, que, como a maioria dos afrodescendentes, foi pobre e enfrentou severas dificuldades para chegar à educação superior, “é um fato simbólico em um momento em que a sociedade brasileira vive mudanças nas relações sociais e se vê outros negros e mulatos assumindo posições importantes”, ressaltou Medeiros. Mudanças sociais que também levaram pela primeira vez à Presidência do Brasil, e por duas vezes consecutivas, um operário metalúrgico que foi dirigente sindical, como no caso de Lula, e uma mulher, sua sucessora, Dilma Rousseff.

Barbosa, designado membro do STF por Lula, fala vários idiomas, se formou advogado na Universidade de Brasília e possui títulos de pós-graduação em cursos feitos no Brasil, na França e nos Estados Unidos. Fora do âmbito jurídico, também é conhecido como virtuoso intérprete de piano e violino. O futuro presidente do STF, de 58 anos, é filho de um operário e vem de uma família humilde e numerosa radicada em um pequeno povoado no interior de Minas Gerais, de onde percorreu um longo caminho cheio de obstáculos até chegar ao meritório cargo que o espera. Para pagar os estudos trabalhou limpando chão nos tribunais, os mesmos que depois pisou como advogado e juiz.

Já sendo uma figura de destaque no mundo das leis, muitas vezes foi confundido, apenas por causa da cor da pele, com o manobrista do restaurante em que costumava almoçar. Hoje, como relator do julgamento do Mensalão, Barbosa chegará à presidência do STF – um mecanismo tradicional de rotação entre seus membros por ordem de idade – em um momento considerado histórico em um país em que prevalece a impunidade. Este magistrado é considerado “rigoroso e imparcial” nas votações que podem impor longas penas de prisão a pessoas importantes do PT e do círculo de pessoas próximas ao ex-presidente Lula.

Ivanir dos Santos, diretor do Centro de Populações Marginalizadas (Ceaps), destaca que o mais importante não é apenas sua carreira profissional, mas seu compromisso com as ações raciais afirmativas. Conta em seu currículo com uma vasta obra escrita sobre cotas raciais e foi determinante em votações também históricas a favor de vereditos sobre esse tipo de legislação para compensar séculos de injustiça em um país que somente em 1888 aboliu a escravidão.

“Não é apenas um negro no STF, mas um negro com consciência do que aflige aos de mesma origem como um todo e que, embora não seja uma pessoa de carreira do movimento de afrodescendentes, tem sensibilidade e um compromisso com isso”, destacou Santos à IPS. Este ativista pelos direitos dos afrodescendentes inclusive atribui à sua organização ter contribuído com a carreira de Barbosa. Entre outras coisas, com uma bolsa para que o magistrado fosse fazer especialização nos Estados Unidos.

Andrei Koerner, docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp) e especialista no sistema judiciário brasileiro, considera “muito relevante” a decisão de Lula de ter levado para o STF um negro, e, com isso, “prestigiar profissionais com histórias pessoais diferentes das dos que até então eram escolhidos para os cargos superiores do país”. Em entrevista à IPS, o professor destacou que a orientação de Lula continua com Dilma Rousseff, não apenas em nomeações pessoais, como no caso do atual gabinete, com alta porcentagem de mulheres, mas também em políticas de cotas para os empregados públicos e na expansão de programas sociais.

Dilma promulgou em agosto uma lei que reserva metade das vagas nas universidades públicas para estudantes negros, indígenas e pobres que estudaram o primário e o secundário em escolas públicas. A presidente impulsionou essa lei com o objetivo, segundo disse, de saldar uma dívida histórica com os jovens mais pobres do país, entre eles os negros e mulatos que, apesar de serem maioria, sempre ficam entre os piores índices socioeconômicos.

No entanto, Koerner não considera a ascensão de Barbosa como um fato determinante na democratização dos espaços de poder no país. “O Poder Judiciário é muito isolado, e as escolhas e promoções passam por dinâmicas políticas internas que conhecemos pouco”, explicou. “A democratização implicaria mudanças na efetiva participação de representantes populares em instâncias deliberativas do Judiciário, o que está longe de ocorrer”, acrescentou.

Nas carreiras de direito nas universidades públicas a proporção de afrodescendentes é mínima e diminui ainda mais nos cargos jurídicos importantes, como os tribunais. “No sistema judicial, o negro é minoria. Por isso a presença de Barbosa para a presidência do STF, como figura simbólica e por sua capacidade e formação intelectual, estimulará outros negros a ocuparem espaços importantes da sociedade”, afirmou Santos. “Como disse Barack Obama (presidente dos Estados Unidos), é como dizer simbolicamente que “nós, os negros, podemos”, opinou. Envolverde/IPS