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Venezuela vota e América Latina espirra

Caracas, Venezuela, 5/10/2012 – Nas eleições do dia 7 na Venezuela será decidido se continua ou se acaba uma época, a da revolução bolivariana de Hugo Chávez. O resultado terá impacto não apenas neste país, como no resto da América Latina. Na primeira década deste século, houve na América Latina “uma mudança de época não traumática, em ocasiões materializada em assembleias constituintes, que buscava dar respostas a reivindicações das maiorias populares e produzir mudanças políticas. Chávez é sua mais radical expressão”, afirmou Manuel Felipe Sierra, analista da esquerda tradicional e crítico do presidente venezuelano.

“Essa onda, cuja autoria Chávez reivindica embora tenha raízes e lideranças próprias em cada país, já passou e a maioria dos governos se encaminhou por uma via democrática mais convencional, com seu matiz de esquerda”, acrescentou Sierra à IPS. Bolívia e Equador são outras referências dessa mudança, que tem seu mecanismo político integrador na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), composta por oito países latino-americanos e caribenhos, entre os quais Cuba e Nicarágua também são protagonistas.

O movimento regional de reformas tem outra grande referência, menos ideológica e radical, no processo liderado por Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, que governou de 2003 a 2011 com um programa baseado no crescimento econômico com inclusão social e reafirmação democrática. A experiência brasileira teve adesão de governos autodefinidos tanto de esquerda quanto de direita, aos quais promete somar-se o candidato de oposição da Venezuela, Henrique Capriles, se chegar à Presidência.

Capriles, que se apresenta apoiado por uma variada plataforma de 29 agrupações que vão da direita à esquerda, se declara “admirador e imitador” de Lula e do modelo brasileiro. Como prova, mostrou o plano Fome Zero que aplicou quando governava o Estado de Miranda. A maioria das últimas pesquisas mostra Chávez como favorito para um terceiro mandato presidencial a partir de 10 de janeiro, mas em um cenário de crescimento de seu adversário que cria certa incerteza sobre o resultado das urnas.

Chávez impôs à sua diplomacia latino-americana um estilo de confronto com presidentes afiliados na direita política, que polarizaram países, governos e cúpulas, desde sua chegada ao governo pela primeira vez em fevereiro de 1999, segundo especialistas consultados pela IPS, inclusive vários próximos do mandatário.

“Tanto a exportação do modelo bolivariano, apoiado pelo uso abusivo da riqueza petroleira venezuelana, como o estilo de Chávez estão em seu ocaso, independente do que ocorrer nas eleições”, disse Sierra. “Além disso, há uma fadiga de Chávez na região por formas e maneiras que estressam, inclusive seus aliados, e que deixaram de ser produtivas para os interesses coletivos”, acrescentou.

Roy Chaderton, embaixador da Venezuela junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), considera que uma saída de Chávez do cenário “ameaçaria a independência latino-americana”, especialmente dos Estados Unidos, país ao qual o mandatário sempre se refere como “o império”. Segundo Chaderton, com o impulso venezuelano aconteceu na região o que definiu como “uma diversificação de dependências, que nos torna mais independentes de outros e mais interdependentes entre nós. Os latino-americanos criaram bicos de oxigênio que nos permitem respirar melhor e que se fecharão” se Chávez perder.

“Esta não é uma eleição qualquer, nem para a Venezuela nem para o continente, pela primazia ideológica e a polarização promovidas pelo presidente Chávez, e porque sua saída confirmaria a queda do experimento de neopopulismo de esquerda que buscou exportar”, afirmou Teresa Romero, especialista em relações internacionais. Romero analisou que, mesmo Chávez sendo reeleito, “o entorno regional variou”, evoluindo “para o centro”, e nele “o Brasil ganhou o papel de reitor, a partir de posições progressistas com menos estridências e mais eficiência”.

O presidente do norte-americano e independente Diálogo Interamericano, Michael Shifter, garantiu que uma eventual saída de Chávez do governo teria “um efeito enorme no panorama da política regional, porque tem sido a voz mais agressiva e polarizadora do hemisfério na última década”. Se houver uma mudança na Venezuela, “os conflitos ideológicos não desaparecerão, mas serão menos agudos e melhor canalizados”, opinou Shifter à IPS. Em sua opinião, Capriles manteria relações normais com governos como de Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Nicarágua, “mas, para dizer como esteve em moda nos anos 1990, serão menos carnais”.

Além da Alba, o governo de Chávez impulsionou a fundação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que reúne os 12 países da região, e a organização de assistência petroleira Petrocaribe. Também apostou na criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) para se contrapor à OEA, que considera dominada por Washington.

De fato, o governo iniciou em agosto seu processo de retirada do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, um inapelável tribunal que dirime denúncias de violações humanitárias dos Estados e faz parte do sistema da OEA. Uma medida cujo único antecedente foi a tentativa feita pelo Peru, há 20 anos, quando era governado por Alberto Fujimori (1990-2000).

Capriles adiantou que uma de suas primeiras medidas seria suspender esse processo de separação do Tribunal Interamericano e também retornar à Comunidade Andina, o mecanismo que articulou a integração regional da Venezuela desde a década de 1960 e do qual Chávez completou sua saída em 2011. Este bloco agora é formado por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.

Chávez se empenhou nos últimos seis anos para que a Venezuela fosse membro pleno do Mercosul, o que conseguiu em junho, após a suspensão temporária do Paraguai do grupo, também formado por Brasil, Argentina e Uruguai. “São mudanças de alianças de fundamentos políticos e ideológicos”, e não baseados em “razões econômicas ou de inserção geográfica”, disse Sierra. Em sua campanha eleitoral Capriles assegura que, caso chegue à Presidência, continuará em todos os blocos, inclusive a Alba.

No entanto, destaca que “acabará a regalia e nem um barril de petróleo sairá gratuitamente da Venezuela”, país onde o petróleo representa agora 93% das exportações, contra 70% em 1998. Com isso se refere a doações não reembolsáveis a países da região e de outros continentes e à entrega de petróleo com valores preferenciais em troca de produtos e serviços.

Ao perguntar quem perderia mais na região com uma eventual derrota de Chávez, os analistas coincidiram que os governos de Cuba e Nicarágua seriam os mais afetados, porque são os que mais dependem dos recursos venezuelanos. “Tampouco haverá festa em Argentina, Bolívia e Equador”, disse Shifter. Capriles promete que manterá boas relações com Cuba e que buscaria se reunir com o presidente desse país, Raúl Castro, depois de fazê-lo como a presidente Dilma Rousseff, sua prioridade, e com o colombiano Juan Manuel Santos. Contudo, acrescenta que deverão ser revistos os convênios atuais, pelos quais, segundo seus dados, Havana recebe anualmente entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões.

Chávez reitera, por sua vez, que, supondo que deixe a Presidência, “a escuridão voltará à sociedade latino-americana e ganhará o império” (Estados Unidos). Para Sierra, “a Venezuela tem um peso específico na região, como único país estruturalmente petroleiro latino-americano, embora outros tenham essa riqueza, e deve recuperar e normalizar esse papel, aconteça o que acontecer no dia 7”. Envolverde/IPS