Arquivo

Viagem ao centro dos saberes e da tradição ancestral

O indígena peruano Juan Chávez troca conhecimentos com um delegado africano na cúpula de Darwin. Foto: Milagros Salazar/IPS

Darwin, Austrália, 31/5/2013 – Um dia, esta cidade do norte australiano juntou-os para trocarem experiências. São indígenas shipibos da Amazônia peruana, empenhados em se contraporem ao desmatamento indiscriminado, e delegados da comunidade togolesa Ando-Kpomey, com terras afetadas por recorrentes incêndios de pastagens. “Sem a floresta nós não somos nada. É como perder a vida”, disse Juan Chávez, um shipibo da região oriental peruana de Ucayali, em conversa com a IPS durante um intervalo em sua participação na Conferência Mundial da Rede Indígena (WIN), que terminou no dia 29, em Darwin, na Austrália.

Chávez é um dos trabalham nos últimos 15 anos para que seis comunidades desse povo originário não se deixem seduzir pelo corte ilegal de árvores em troca de dinheiro e recuperem a tradição shipibo de conservar as florestas. Para isso elaboraram planos de desenvolvimento comunitário, resgatando os conhecimentos tradicionais na gestão do território, da água e de todos os recursos florestais, com apoio da não governamental Associação para a Pesquisa e o Desenvolvimento Integral (Aider).

Os 1.200 representantes aborígines procedentes de aproximadamente 50 países centraram sua atenção, no dia 28, nos casos de resgate de culturas e conhecimentos ancestrais, com a premissa de que “não é apenas a modernidade que permite um desenvolvimento sustentável, pois também é preciso olhar para as origens”, destacou Chávez. Algumas dessas experiências, como a do próprio Chávez, foram premiadas pela Iniciativa Equatorial, que a Organização das Nações Unidas (ONU) realiza para impulsionar este tipo de prática, a fim de que sejam consideradas pelos governos.

“Não somos uns pobretões; também propomos soluções”, afirmou o líder indígena equatoriano Manuel Tacuis, do Equador, durante sua exposição em uma das sessões da WIN. A delegação desse país é uma das mais numerosas da América Latina, juntamente com a do Brasil. A troca de experiências entre os povos indígenas e as comunidades locais dos diversos continentes ficava cada vez mais clara conforme avançava o encontro em Darwin. A rotina e os desafios nas zonas rurais dos africanos não estão muito longe do que se vive na Amazônia latino-americana.

Os moradores da comunidade Ando-Kpomey, de Togo, há mais de dez anos começaram a reflorestar suas terras devido à queima de pastagens que os caçadores realizavam. Koku Agbee Koto, um ávido representante de 35 anos desta comunidade, afirmou à IPS que finalmente se conseguiu diminuir significativamente esta prática ruim. Até o momento foram recuperados mais de cem hectares para benefício de aproximadamente 2.500 habitantes, contou.

O representante africano e o indígena peruano concordam que hoje em dia já não são suficientes os conhecimentos tradicionais para gerenciar o território e se adaptar à mudança climática. “Temos que valorizar as duas culturas, a indígena e a científica”, pontuou Chávez, após admitir que ainda há resistência em seu povo para reconhecer a contribuição da ciência. Os indígenas e demais participantes da WIN se apresentam como fiadores dessa abertura.

Bata observar o africano Koto, que não deixa de tomar nota de cada experiência de seus pares no mundo, se esforça para pedir, em inglês, mais informação, contatos telefônicos, e emails, bem como para falar “um pouquinho” de espanhol com Chávez, enquanto se mostra fluente no idioma francês quando se encontra com os representantes de seu continente. O que chamou a atenção de Koto foi o sucesso de um projeto de ecoturismo da comunidade Anja Miray, em Madagascar. Ele sente que pode reproduzi-lo em seu povoado.

Essa experiência, que também foi premiada pela Iniciativa Equatorial, tem dois acertos fundamentais: a geração de renda para benefício de idosos, crianças e setores vulneráveis, por meio de serviços básicos e inclusive bolsas de estudo, e também a recuperação das florestas, que, por sua vez, permite enfrentar a desertificação.

Víctor Samuel Rahaovalahy, líder de Anja Miray que opera sob uma associação do mesmo nome, disse à IPS que ainda devem ser encontradas outras maneiras de gerar maiores rendas e formas mais eficazes para enfrentar a mudança climática. “Precisamos de mais capacitação, não apenas para minha comunidade, mas também para outras próximas. É necessário coordenar todos para lutar contra a desertificação”, observou Rahaovalahy, ressaltando que os povos e os governos devem trabalhar mais juntos para conseguir resultados.

Cada povo vive seu tempo e seu processo. Nem todos os participantes tinham claro como enfrentar situações adversas em seus territórios e fazer frente a desafios maiores, como as consequências da mudança climática. O povo sami, da Suécia, vive invernos terríveis que podem durar até oito meses, mas ainda não têm uma maneira organizada para enfrentar estas repentinas mudanças do clima, apesar dos conhecimentos ancestrais, disse à IPS a bióloga Berit Inga, descendente dessa etnia.

Inga assegurou que hoje em dia os samis estão mais preocupados com questões imediatas, como o impacto da atividade de mineração. Em qualquer caso, todos concordam que não é possível trabalhar de maneira isolada nas soluções. A diretora da Iniciativa Equatorial, a norte-americana Eileen de Ravin, afirmou à IPS que estas experiências locais devem ser recolhidas pelos governos para a geração de políticas públicas que valorizem o conhecimento indígena e comunitário.

Na última década foram apresentadas para o concurso da Iniciativa cerca de 2.500 experiências indígenas e locais, das quais 152 foram premiadas. Precisamente, os representantes desses casos de sucesso conversaram com seus pares no último dia da WIN para definir os planos futuros da rede indígena mundial. Envolverde/IPS