A escuta, o mundo corporativo e a sustentabilidade.
Sentado numa poltrona de avião, voltando de Santarém para São Paulo, esforcei-me para lembrar de algum colega, amigo ou conhecido que, ao longo dos meus quarenta anos de vida profissional, teria ascendido a escada organizacional de grandes organizações essencialmente por sua capacidade de escuta.
Confesso que depois de três horas e meia de vôo e muita concentração e esforço mental, não consegui me lembrar de ninguém, nem recordar uma história nesse sentido que tivessem me contado. Não duvido de que existam casos assim, mas devem ser raríssimos.
Pois é, mesmo os menos cínicos entre nós concordariam que os critérios que, crescentemente, determinam a ascensão nas grandes organizações estão muito mais focados na fala, na facilidade de apresentação de ideias, no uso do famigerado PowerPoint, além – é claro – da rapidez na capacidade decisória, na entrega de liderança e, sobretudo, na execução dos planos de ação. Depois da publicação, em 2005, do livro Winning, do “uber-executivo” Jack Welch, CEO da GE, foram raras as organizações globais que não adotaram o conceito de “4E’s&1P”, ou seja, (1) Edge – ação visionária, (2) Energy – ser fascinado pelo trabalho, (3) Energize – liderança motivadora, (4) Execution – fazer a coisa certa, e (P) Passion – ter paixão pelo trabalho e negócio.
Esse e outros sistemas similares, que privilegiam a execução, compensam e premiam os resultados, geram a falsa sensação de controle sobre tudo e todos e, mais do que isso, nos tornam pretensiosos – em muitos casos, arrogantes. Chegamos a acreditar que realmente podemos ensinar algo para os outros. Talvez por essa razão seja comum deparar com o greenwashing* nas grandes organizações, influenciados também por um mundo que namora a estética e casa, frequentemente, com a forma acima da substância.
Francamente, minha experiência profissional indica que, para germinar qualquer compromisso com a sustentabilidade, é preciso, primeiro, humildade. Relaxe: sabemos muito pouco. Em seguida, é fundamental se equipar da capacidade de escuta – e, olhe lá, não é simplesmente ouvir para, de pronto, sair falando. É escutar com todos os sentidos, exaurir com perguntas até se certificar da “verdade” do outro.
Acredito que, depois de escutar, tirar as dúvidas, entender e refletir sobre aquilo que foi posto, é preciso energia e convicção para construir, em conjunto com os atores sociais envolvidos, as possíveis soluções para, somente depois disso, passar à execução dos planos de ação. Aqui vale uma pausa para emendar uma pergunta: Será que nossos valores e nossa cultura organizacional incentivam e permitem isso? Qual seria a sua resposta?
Ainda sentado naquela mesma poltrona do avião também lembrei que a viagem rumo à sustentabilidade não permite que seus primeiros êxitos o transformem naquele que ensina, leciona sobre o tema. Cuidado, no limite, simplesmente demonstra que aprendemos com ela diariamente.
Sobreviver num mundo de corporações sob forte controle social – órgão imaginário que tomou assento nos boards – reclama um ato de coragem no sentido de incorporar, nos sistemas de avaliação de desempenho e na cadeia de valores de qualquer organização, a capacidade de escuta – seja do outro, seja do próprio meio ambiente. Isto sem falar na crescente necessidade para aceitar pontos de vista, abordagens e ideologias diferentes das nossas.
Postergar esta decisão é ceifar, num ambiente onde a informação é disponível e a comunicação rápida e eficiente, a possibilidade de entender o que é necessário ser preservado e o que tem de ser mudado, antes de qualquer ação. Em última instância, é dizer não à sustentabilidade.
Vamos lá, um passo à frente!
* Trata-se da combinação de duas palavras: green (verde) e whitewash, uma espécie de tinta branca barata, aplicada na fachada de casas; o termo, portanto, transmite a ideia de propaganda corporativa que tenta mascarar um desempenho ambiental fraco.
** Franklin L. Feder é presidente da Alcoa América Latina e Caribe.
*** Publicado originalmente no site da revista Ideia Sustentável.