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Viajar, um direito que pede visto e passagem

Desde o dia 14, o passaporte custa em Cuba 100 cuc, equivalente a pouco mais de US$ 100. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 16/1/2013 – A cubana María Lourdes tem dois passaportes, um da ilha e outro da Espanha, mas, até agora, viajar era apenas um sonho. “Com as novas regulamentações será mais fácil, pois como cidadã espanhola não preciso mais de visto para sair, embora para entrar nos Estados Unidos terei de fazê-lo de outro país”, afirmou.Com quase 50 anos, esta mulher, para poder viajar, além da abertura da política migratória que entrou em vigor no dia 14 em Cuba, deve esperar pelo financiamento de sua passagem por algum dos familiares que tem nos Estados Unidos ou na Espanha, a terra de seu avô e graças a quem pôde obter a cidadania espanhola.

“Meu primo me disse que nos dois países poderia trabalhar cuidando de idosos. Gostaria de sair para juntar algum dinheiro e voltar”, contou María Lourdes à IPS após dizer que é “muito pobre”. Porém, a forte crise econômica que afeta a Espanha desanima os cubanos com intenções de emigrar, inclusive mais qualificados do que María Lourdes.

É o caso de Teresa, economista que renunciou em 2012 à sua empresa, onde ocupava um cargo de direção, e também obteve a cidadania espanhola, para ela e seu filho. Agora já não está tão segura de ter feito o certo para melhorar sua situação econômica. “Noto que minha família já não está tão interessada em me receber, me aconselham a esperar um pouco, pelo menos até ver como ficarão as coisas por lá”, contou à IPS.

As histórias colhidas pela IPS se repetem, com mudança aqui e ali. Para outros, a nova política migratória em Cuba chega tarde, pois optaram há tempos pela residência definitiva no exterior. As novas medidas “representam uma retificação inevitável e uma melhora nas relações do país com seus emigrantes. Embora o caminho da normalização dos vínculos com o exílio-emigração ainda seja longo”, declarou à IPS o jornalista cubano Boris Caro, morador no Canadá há mais de um ano.

A reforma migratória, a mais esperada pela população cubana de 11,2 milhões de habitantes, inclui a eliminação da exigência de uma permissão de saída do país e deixa sem efeito a carta-convite do exterior exigida para obter essa permissão. Os dois documentos tornavam mais burocrática e encareciam em cerca de US$ 300 qualquer viagem por razões pessoais.

A partir do dia 14, basta o passaporte, que será expedido pelos escritórios que entregam a carteira de identidade e, naturalmente, o visto exigido pelo país de destino. Embora haja algumas nações que uma pessoa de nacionalidade cubana possa visitar sem visto, as de maior interesse, como Estados Unidos ou Espanha, para citar apenas dois, mantêm essa exigência, que dificulta a entrada.

Uma lista colocada em circulação por um leitor do jornal Juventud Rebelde inclui pontos tão remotos como Vanuatu, Palau ou Tuvalu para permanências não superiores a 30 dias sem necessidade de visto de entrada. O único país latino-americano que não exige esse documento é o Equador, para viagens que não ultrapassem 90 dias, enquanto alguns vizinhos do Caribe insular tampouco o exigem, para permanências entre 28 e 90 dias.

Na Argentina, por exemplo, o visto é exigido de todo estrangeiro, salvo os procedentes de países limítrofes, uma prova da reserva em hotel coincidindo com os dias de duração do bilhete de viagem, o itinerário e meios econômicos suficientes para se manter durante a permanência. Se o viajante pensa em se hospedar na casa de um argentino que o tenha convidado, este deve fazer uma carta junto a um cartório.

Em um comunicado, distribuído no dia 11 em Havana aos meios de comunicação estrangeiros, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Victoria Nuland, alertou que a política migratória de seu país não se modificará e que os “cidadãos cubanos ainda precisam do visto ou da permissão de entrada válidos” para entrar nos Estados Unidos. “Continuamos pedindo às pessoas que não realizem viagens perigosas pelo mar, colocando suas vidas em risco, e também destacamos o fato de que a maioria dos países do mundo exige que os cubanos obtenham vistos de entrada”, ressaltou. Os Estados Unidos são o principal receptor da emigração cubana.

O decreto-lei 302, que modifica a Lei de Migração de 1976 de Cuba, estabelece regulamentação especial para, entre outros, diplomados universitários e diretores que desempenhem atividades vitais para o desenvolvimento social, econômico e científico-técnico do país. A legislação esclarece que são normas destinadas a preservar a força de trabalho qualificada. Assim, as autorizações de viagens por motivos privados exigem análise de cada situação em particular para casos como os de atletas de alto rendimento, técnicos e treinadores, “vitais para o movimento esportivo cubano”, e técnicos de nível médio especializado, necessários para manter os serviços de saúde e a atividade científica e técnica.

Entretanto, disposições adicionais deixaram sem efeito uma resolução ministerial de 2004, que criava obstáculos à saída por motivos pessoais do profissional da saúde, segundo confirmou à IPS uma fonte oficial. Isto significa que o trabalhador deste setor terá o mesmo tratamento que os demais cubanos e poderá desfrutar livremente do direito de viajar por motivos pessoais.

Segundo o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação, o pessoal cubano da saúde somava em 2011 cerca de 265 mil pessoas, sendo 78 mil médicos. Cuba mantém atualmente mais de 38 mil colaboradores sanitários em 66 nações, principalmente na América Latina, África e Ásia. No que Havana denunciou como manobras para promover a fuga de profissionais, Washington colocou em vigor, em agosto de 2006, uma autorização especial de entrada (Cuban Medical Professional Parole) para receber médicos cubanos que cumprem missões em terceiros países e solicitam residência nos Estados Unidos. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Marcela Valente, da Argentina.