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A vida libanesa entre pobreza, guerra e videogames

O estudante de engenharia Ahmad (direita) conversa com um amigo. É um jovem afortunado no bairro de Bab al Tabbaneh porque pode ir à escola graças a uma bolsa. Foto: Oriol Andrés Gallart/IPS
O estudante de engenharia Ahmad (direita) conversa com um amigo. É um jovem afortunado no bairro de Bab al Tabbaneh porque pode ir à escola graças a uma bolsa. Foto: Oriol Andrés Gallart/IPS

 

Trípoli, Líbano, 13/1/2015 – “As pessoas se acostumam com a guerra. No último combate, as crianças saiam para brincar. Imagine um garoto de sete anos se esquivando das balas apenas para jogar videogame?”, perguntou Mohammad Darwish, dono de um cibercafé em Bab al Tabbaneh, um bairro de Trípoli. A jovem clientela de Darwish está resignada à persistência de conflitos armados, afirmou, sentado atrás do balcão de seu cibercafé, localizado em uma das principais ruas de Tabbaneh.

Apesar de sua pouca idade, a clientela está segura de que os enfrentamentos, algo rotineiro nessa área durante os últimos seis anos, recrudescerão cedo ou tarde. Mesmo quando reina a calma, os prédios com marcas de bala em Tabbaneh recordam os combates passados.

O último foco de violência foi registrado em outubro. Os choques entre o exército e combatentes sunitas paralisaram Trípoli durante três dias e destruíram parte da histórica cidade velha. O saldo foi de oito civis, 11 soldados e 22 guerrilheiros mortos. Agora os militares estão no controle em Tabbaneh, com soldados e tanques em cada esquina. Curiosamente, as lojas e casas exibem bandeiras e cartazes do grupo extremista Estado Islâmico (EI).

“Eu apoio o EI e o Jabhat al Nusra (JN)”, o ramo associado à rede extremista Al Qaeda, disse, com um sorriso, Hassan, de 19 anos e desempregado. O grupo islâmico dará às pessoas o direito de “ter um posto de trabalho, viver em paz segundo os preceitos islâmicos e se movimentar livremente”, afirmou.

É provável que Tabbaneh seja o bairro mais difícil para criar um filho ou uma filha em toda Trípoli. Trata-se de uma das áreas mais pobres e marginalizadas da segunda maior cidade do Líbano, que fica a apenas 80 quilômetros ao norte de Beirute. A negligência de vários governos centrais deixou a cidade de maioria sunita na pobreza, no desemprego e na exclusão social.

Cerca de 76% dos habitantes de Tabbaneh vivem abaixo da linha da pobreza, segundo o estudo A Pobreza Urbana em Trípoli, publicado em 2012 pela Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental, da Organização das Nações Unidas (ONU). Estas circunstâncias, agravadas pela exploração política do sectarismo dentro de uma sociedade muito conservadora, exacerbaram a violência, principalmente entre Tabbaneh e o bairro de Jabal Mohsen.

Os dois bairros são separados apenas por uma estrada, mas, enquanto os habitantes de Bab Al Tabbaneh são em sua maioria sunitas, como os principais grupos rebeldes da Síria, a maioria dos moradores de Jabal Mohsen são alauítas, ramo islâmico ao qual pertence o presidente sírio, Bashar al Assad.

Esse sectarismo gerou uma rivalidade que remonta à ocupação síria do Líbano, entre 1976 e 2005. A violência voltou em 2008 e se intensificou após o início da guerra civil síria, em 2011. Nos últimos três anos, mais de 20 séries de combates aconteceram em Tripoli, principalmente entre combatentes de Tabbaneh e Mohsen.

Um cartaz em Bab al Tabbaneh recorda uma criança abatida durante os enfrentamentos na vizinhança. Foto: Oriol Andrés Gallart/IPS
Um cartaz em Bab al Tabbaneh recorda uma criança abatida durante os enfrentamentos na vizinhança. Foto: Oriol Andrés Gallart/IPS

 

“Lutamos para defender nosso povo, para conseguir a paz”, afirmou Khaled, de 19 anos, empregado em uma padaria, que também pertence a um grupo armado local. Mas Ahmad, da mesma idade, é mais cético. “As pessoas lutam porque não têm dinheiro nem trabalho”, afirmou.

Ahmad estuda engenharia graças a uma bolsa concedida pela Ruwwad Al Tanmeya, uma organização não governamental da região que promove o ativismo juvenil, a participação cívica e a educação. Como seu pai foi militar, o Estado pagou a maior parte de suas despesas escolares quando era mais jovem e teve a possibilidade de estudar em escolas particulares fora de Tabbaneh.

Hoda al Rifai, integrante da Ruwwad, concorda com Ahmad. “Muitas famílias não têm renda. Cada vez que começa um conflito, os combatentes recebem um pagamento. E estes combatentes também dão dinheiro às crianças para que cumpram tarefas específicas. Dessa forma podem ganhar até US$ 3 por dia, e isso é melhor do que ir à escola. Seus pais também pensam dessa forma”, explicou. Os estereótipos também complicam a vida dos jovens de Tabbaneh, como ocorre quando buscam trabalho fora do bairro, e afetam sua personalidade, acrescentou.

“Quando começamos, os jovens não tinham confiança em si mesmos. Os meios de comunicação não produzem uma imagem desses bairros como locais onde se pode encontrar jovens brilhantes, dispostos a estudar. Só destacam os enfrentamentos e todo tipo de coisas negativas”, apontou Rifai.

“Não há membros do JN ou do EI aqui”, assegurou Darwish. Para muitos, as bandeiras do EI exibidas em Tabbaneh são uma forma de mostrar seu descontentamento pelo suposto abandono ao qual o governo submete a comunidade sunita, e especificamente o bairro em questão.

“Este não é um conflito religioso, mas político. Quando os políticos querem enviar uma mensagem aos demais, pagam pelos enfrentamentos aqui”, acrescentou a tia de Darwish, de 49 anos, vestida completamente de preto. “Nesta cidade pode-se dar US$ 20 a um menino para que comece uma guerra”, destacou Darwish.

Entretanto, vários estudos concluíram que apenas uma pequena porcentagem dos cerca de 80 mil habitantes de Tabbaneh participam dos combates, e Sarah al Charif, a diretora da Ruwwad no Líbano, destacou as melhoras observadas nos jovens que participam dos projetos da ONG. “Tomam consciência de seus interesses, valores e da dor compartilhada. Adquirem uma mente mais aberta, especialmente as jovens”, acrescentou.

Para Sarah, além do investimento público e das oportunidades de emprego, toda solução deve incluir a sensibilização e a educação. “Em primeiro lugar, os cidadãos devem compreender o motivo dos enfrentamentos”, ressaltou Rifai. Envolverde/IPS