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Vigência do êxito de Adolfo Suárez

Adolfo Suárez. Foto: http://www.retoricas.com/
Adolfo Suárez. Foto: http://www.retoricas.com/

Miami, Estados Unidos, abril/2014 – Durante a longa década que durou a enfermidade que cobrou a vida de Adolfo Suárez, no dia 23 de março, a Espanha passou por dificuldades econômicas, políticas e sociais sérias. Os sintomas negativos ainda subsistem e fazem duvidar frequentemente da viabilidade do se alcançou desde o final do franquismo.

O certo é que em apenas cinco anos do protagonismo de Suárez como chefe de governo da Espanha (julho/1976 a fevereiro/1981), a velocidade dos acontecimentos foi verdadeiramente impressionante.

Ainda hoje em dia, a chamada “transição espanhola” para a democracia deixa admirados os especialistas e é estudada em universidades de meio mundo.

Essa transição (que terminou, por assim dizer, “de golpe” com a intentona do tenente-coronel Antonio Tejero no dia 23 de fevereiro de 1981) teve, pelo menos, seis protagonistas, cada um insubstituível em seu especial papel.

São eles: o rei Juan Carlos I, Adolfo Suárez, Manuel Fraga Iribarne (líder da Aliança Popular, que adestrou a ultradireita), Santiago Carrillo (cabeça do Partido Comunista), Felipe González (líder do Partido Socialista) e o general Manuel Gutiérrez Mellado (militar escolhido por Suárez para controlar as Forças Armadas).

Agora somente sobrevivem o rei (ainda em exercício) e González, aposentado.

Mas, em sentido estritamente ativo, o mais insubstituível foi Suárez. Ele sempre quis ser lembrado como “um bom servidor do Estado e dos espanhóis, qualquer que fosse sua ideologia”. Em todo caso, reúne um consenso generalizado.

Seu papel como motor da transição espanhola da ditadura (1939-1975) para a democracia foi decisivo. Teve a sorte de servir como eixo de uma série de coincidências que necessitavam da ação de uma figura central, que se arriscasse a atuar.

Aposto forte, mas, nos momentos decisivos, contou com a colaboração e os meios imprescindíveis para gerar a mudança.

Em primeiro lugar, deve-se destacar o acerto do rei ao se dar conta de que a continuidade do sistema franquista não era viável, e que a reforma para outra maneira de governar era impossível, caso se submetesse à inércia da conduta de alguns dirigentes que não mostravam a visão e a coragem necessárias para romper as amarras com as limitações impostas pelo regime então existente.

Então, Juan Carlos prescindiu do transitório primeiro-ministro, Carlos Arias Navarro, obstáculo do regime franquista, apostando em Suárez.

Em segundo lugar, Suárez e o rei conviviam com alguns setores que, embora de certa maneira ainda atuassem no interior do regime, consideraram que era possível uma evolução prática para algo diferente.

Suárez contou com três correntes de opinião insubstituíveis, a primeira delas a de que aqueles com raízes franquistas comprovavam que o futuro não incluía a continuidade do sistema.

A segunda era a que, com certos vínculos na Espanha conservadora, instalara-se na Europa reconstruída depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Democracia Cristã, crucial na consolidação da democracia na Itália e na Alemanha, as potências vencidas do Eixo.

A outra é a que começou a infiltrar-se com vistos social-democratas, que depois se uniriam com vistas nitidamente socialistas, quando a resistência interior conseguiu tomar as rédeas do partido no exílio, graças ao ativo trabalho de Felipe González.

As três correntes, com os liberais e conservadores moderados, constituíram a União de Centro Democrático (UCD), que não sobreviveu ao desaparecimento da liderança de Suárez.

Nesse contexto, se deveria conseguir a inserção de outros dois setores.

O primeiro foi o dos comunistas, uma vez que se descartou o projeto errôneo de deixá-los fora.

A aceitação da monarquia como fórmula constitucional por parte de Santiago Carrillo foi fundamental. Foi a final adição aos Pactos de Moncloa, acordo para aprovar a Constituição.

Por fim, os setores mais reacionários à transição, o núcleo duro dos militares, também tiveram que aderir a contragosto às reformas de Gutiérrez Mellado.

A prova do sucesso dessa atuação que levou Suárez a vencer as eleições preparatórias da democracia, em 1977, e as primeiras eleições já com uma nova Constituição de 1978, em 1979, é simplesmente o que ocorreu em 23 de fevereiro de 1981: o falido golpe de Estado de Tejero.

Foi a reação desesperada do sistema que via que sua vida acabara. Quem pagou preço mais alto pela velocidade desses acontecimentos foi precisamente Suárez, que se viu obrigado a se demitir dias antes do golpe, precisamente para evitar o que intuía que estava sendo preparado, e cuja história integral ainda não se conhece.

Talvez seja preciso esperar que todos os protagonistas daqueles momentos desapareçam para que se conheça toda a verdade. No momento, nos resta a lembrança dos que sabendo de sua responsabilidade histórica souberam se corrigir e agir, como foi o caso exemplar de Suárez. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).