Nações Unidas, 21/8/2013 – Michel Yotodia assumiu a Presidência da República Centro-Africana no dia 18, mas a Séléka, a aliança de grupos rebeldes que encabeçou e o ajudou a derrubar o governo em 23 de março, continua saqueando e matando civis. Esse país, um dos mais pobres do mundo, sofre uma crise humanitária que se aprofunda desde o mês passado pelos ataques da Séléka, que se multiplicaram nos arredores de Bangui, a capital.
A comunidade internacional conseguiu restabelecer parcialmente a ordem nessa cidade, após convencer Yotodia a se chamar presidente interino e criar um conselho de transição para realizar eleições nos próximos 18 meses. Contudo, alguns elementos descontrolados da coalizão rebelde se retiraram para as províncias, onde continuaram com suas atividades de vandalismo. O resultado foi um aumento sem precedentes da violência contra a população civil, especialmente no norte do país.
As comunidades pegaram em armas contra os grupos armados rebeldes, o que piorou as represálias e a vingança. As próprias divisões internas dentro da Séléka também exacerbaram a crise e houve vários enfrentamentos. O conflito chegou até o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), e no dia 14 Valerie Amos, secretária-geral adjunta para assuntos humanitários, alertou: “A República Centro-Africana ainda não fracassou como Estado, mas isso pode chegar a ocorrer se não forem tomadas medidas rapidamente”.
Organizações não governamentais e agências da ONU foram obrigadas a reduzir seu pessoal no país quando começaram os confrontos. Seu pessoal e a população civil se converteram no alvo dos ataques da Séléka. “Saquearam e roubaram a tal ponto que temos de começar do zero, e levamos muito tempo para mobilizar recursos para isso”, lamentou à IPS Amy Martin, diretora do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCAH).
Fora de Bangui, os rebeldes atuam impunemente, pois o Estado de direito desapareceu junto com as autoridades. As sedes judiciais e do governo não estão a salvo dos ataques, e os policiais se passam por civis por medo de agressões por parte da Séléka. Várias aldeias se tornaram povoados fantasmas depois da passagem dos rebeldes. Escolas, hospitais e casas estão desertos. As poucas pessoas que ficaram se escondem no morro, vivem em más condições de higiene e são vulneráveis a doenças como a malária.
As crescentes tensões no norte obrigaram cerca de quatro mil pessoas a abandonarem suas casas na fronteira com o Chade. No total, o conflito já fez com que cerca de 206 mil civis abandonassem seus lares. O último informe da OCAH considera que 1,6 milhão de pessoas, dos 5,1 milhões que vivem no país, são “vulneráveis”. Na sessão do Conselho de Segurança dedicada à República Centro-Africana, o secretário-geral adjunto para direitos humanos, Ivan Šimonovi?, denunciou várias violações, entre elas execuções sumárias, detenções arbitrárias, torturas, desaparecimentos, diversas formas de violência de gênero e recrutamento de crianças-soldados.
Muitas organizações não governamentais se refugiaram em Bangui, embora algumas, como a Médicos Sem Fronteiras (MSF) e a Cruz Vermelha, nunca tenham partido totalmente, apesar de reduzirem seu pessoal quando a violência aumentou. Agora recuperam seus locais e mandam novos trabalhadores ao campo. Os trabalhadores da ONU também voltaram às suas tarefas desde o dia 10, embora sua capacidade total possa ser recuperada somente quando houver fundo suficiente e todo o país estiver seguro.
Sempre foi difícil arrecadar fundos para a República Centro-Africana, inclusive antes do golpe de estado de 23 de março. Por ter sido colônia da França, esse país é considerado um “problema francês”, disse à IPS Lewis Mudge, pesquisador da Human Rights Watch. Além de seu baixo perfil internacional, vários doadores estrangeiros retiraram a ajuda a este país por medo de que o dinheiro acabasse em mãos erradas. As perdas se concentraram em questões de desenvolvimento, um setor considerado menos “urgente” do que a ajuda humanitária.
“Neste momento alcançamos uma intensidade muito alta em matéria de violações de direitos humanos, mas não temos como nos sustentar”, disse Joseph Bindoumi, presidente da Liga para a Defesa dos Direitos Humanos, prejudicada pelos cortes. Os doadores tradicionais da República Centro-Africana não se retiraram, nem reduziram sua ajuda, ressaltou Martin à IPS. O que ocorreu é que suas doações estancaram quando a demanda aumentou. Conseguiu-se 32% dos US$ 195 milhões necessários para paliar a crise, embora mal distribuídos. Os itens abrigos de emergência e pronta recuperação não receberam nem um centavo, e água, saneamento e higiene concentraram 8% da quantia necessária.
“O assunto mais grave continua sendo a segurança”, destacou Bindoumi, lamentando que a insegurança dificulte o trabalho de sua organização para oferecer assistência humanitária fora de Bangui. A segurança do país foi encomendada à União Africana até 19 de julho, quando a comunidade internacional decidiu reforçar a força de paz da Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana, encabeçada pela África. Foram enviados 3.600 soldados, um terço dos quais funcionarão como polícia civil e o restante, militar. Mas “a cifra de 3.600 não é nem de perto suficiente”, advertiu Mudge.
Com cerca de 20 mil combatentes da Séléka espalhados por todo o país, os efetivos da ONU deverão se organizar de forma estratégica e ter um mandato sólido para conseguir algo. Do contrário será uma “perseguição de gato e rato” que nunca acabará. Mas este país não pode esperar muito mais, opinou Mudge, reconhecendo que “uma reduzida força de paz também pode fazer uma diferença”. Apenas 60 soldados da missão da República Democrática do Congo, por exemplo, melhoraram a segurança no povoado de Kaga-Bondoro, no norte, em comparação com seus vizinhos. Envolverde/IPS