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Violência na idade da inocência

Assunção, Paraguai, 5/5/2011 – A passo lento e vencendo enormes resistências, os países latino-americanos se esforçam para erradicar a violência, muitas vezes brutal, que sofrem crianças e adolescentes em seus lares, escolas, locais de trabalho ou centros de internação. Cinco anos depois da publicação do Informe Mundial sobre a Violência Contra Meninos e Meninas, da Organização das Nações Unidas, um novo estudo apresentado na semana passada no Paraguai, centrado desta vez na América do Sul, mostra que os progressos nessa área “foram lentos”.

O abandono, a exploração e os castigos corporais são alguns dos males que continuam sendo uma realidade cotidiana para muitos menores na região. No novo documento afirma-se que há seis milhões de crianças que sofrem ataques graves e que 80 mil morrem a cada ano por abusos cometidos por seus pais. Em países de língua inglesa do Caribe, quase 43% das meninas menores de 12 anos que tiveram relações sexuais admitiram que a primeira vez foi forçada.

“Os governos falam em proteger as crianças contra toda forma de violência, e as pobres e excluídas são as mais afetadas”, resume a pesquisa realizada na região por especialistas da Universidade de São Paulo (USP) com base em dados fornecidos por diversos países. Seus autores também manifestam preocupação pela “tendência crescente do assédio entre pares, agravado pelo uso da internet e pelo aumento dos maus-tratos emocionais” por pais e professores, que é “pouco visível mas muito prejudicial porque afeta a autoestima” dos menores.

O Mapeamento sobre a Implementação das Recomendações do Estudo Mundial sobre a Violência Contra Meninos e Meninas foi apresentado em uma reunião internacional de dois dias realizada na semana passada em Assunção. O encontro foi organizado pela paraguaia Secretaria Nacional da Infância e Adolescência e pelo Movimento Mundial pela Infância, formado por entidades que trabalham na área, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Associação Cristã de Moços, Aldeias Infantis SOS e Rede Andi, entre outras.

Para os autores do estudo, “a verdadeira magnitude desta situação ainda permanece encoberta” e notaram “uma alta tolerância social” com a violência que afeta a infância. O Primeiro Encontro Sul-Americano de Acompanhamento das Recomendações do Estudo Mundial sobre a Violência Contra Meninos e Meninas reuniu delegados governamentais e da sociedade civil, cerca de 60 adolescentes e especialistas.

“Nunca se acreditou que o estudo seria uma varinha mágica que mudaria a situação”, disse à IPS o relator sobre Direitos da Infância da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o especialista brasileiro Paulo Pinheiro. Autor do informe mundial de 2006, Pinheiro disse que pelo menos serviu “para aumentar a consciência global sobre a violência”. Ressaltou que a região avança na integração de políticas para a infância, mas lamentou “o enorme atraso na sanção de leis contra a violência”.

“Não há mais desculpas, a América Latina não pode decepcionar as crianças e os adolescentes”, acrescentou Pinheiro. Ele se referiu, assim, às recomendações do Informe sobre a necessidade de sancionar leis que proíbam o castigo físico e o tratamento humilhante contra menores, que até agora é cumprido por apenas 26 países no mundo, entre eles somente Costa Rica, Venezuela e Uruguai na América Latina.

“Os governos resistem a reconhecer as crianças como sujeitos de direitos”, desafiou Pinheiro. “Mas os países que sofreram ditaduras devem pôr fim à ditadura que continua ocorrendo dentro das famílias contra as crianças”, alertou durante o encontro.

A representante brasileira, Carmen Silveira de Oliveira, disse à IPS que no Brasil o projeto de lei proibindo castigo físico foi apresentado pela primeira vez em 2003, mas enfrentou uma forte resistência de legisladores de culto evangélico e de outros setores direitistas.

Agora, um novo projeto com mais apoios está a caminho de ser aprovado. Carmen Silveira explicou que a iniciativa não está focada na criminalização do agressor, mas no processo educativo que dê a pais e professores o acompanhamento necessário para uma mudança cultural.

Por sua vez, a ministra da Infância e Adolescência do Paraguai, Liz Torres, admitiu que, embora haja uma equipe elaborando um projeto de lei, “o tema será difícil” de ser alcançado na atual legislatura. “Em nosso país existe um olhar positivo sobre o castigo físico entendido como medida pedagógica”, afirmou.

Adolescentes de organizações de base disseram que esta prática é comum em muitos lugares da região. A salvadorenha Andrea Alfaro assegurou que “existe todo tipo de violência contra nós na escola, nas famílias, mas não é denunciada por medo”.

No encontro também se alertou para o risco de se avançar em políticas de segurança que se sustentem na chamada “mão dura” e que tendem a reduzir a idade de responsabilidade penal de menores em conflito com a lei, sem priorizar sua educação e a prevenção da violência entre eles.

A portuguesa Marta Santos Pais, representante do secretário-geral da Organização das Nações Unidas para a Violência contra as Crianças, disse na abertura do encontro que, apesar de a América do Sul avançar nestes temas e existirem boas práticas a serem copiadas, “devem ser acelerados os esforços. Há uma profunda brecha entre o compromisso das autoridades e as ações concretas e as crianças estão esperando. Não podemos demorar anos”.

Marta Santos ressaltou que “nenhum tipo de violência pode ser justificada e todo tipo de violência pode ser prevenida”, pedindo em seguida aos delegados governamentais que elaborem um mapa do caminho que lhes permita avançar no contexto das normas internacionais sobre direitos da infância.

A funcionária da ONU já havia apresentado três recomendações prioritárias para a região em um total de 12 estabelecidas no Informe Mundial. Estas são: coordenação em nível nacional de políticas públicas sobre infância, leis que garantam sua proteção e melhores dados estatísticos. Envolverde/IPS