Virada na Espanha

Barcelona, Espanha, dezembro/2011 – Entre os múltiplos ângulos que as eleições na Espanha merecem, destaca-se sobre todos a espetacular derrota do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), mais do que a clara vitória do Partido Popular (PP).

Atualizado em 02/12/2011 às 10:12, por Ana Maria.

Barcelona, Espanha, dezembro/2011 – Entre os múltiplos ângulos que as eleições na Espanha merecem, destaca-se sobre todos a espetacular derrota do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), mais do que a clara vitória do Partido Popular (PP). Os socialistas foram sepultados em níveis que não se tem lembrança desde o renascimento da democracia espanhola em 1976, quando tiveram que lutar, quase saindo da clandestinidade, diante da União de Centro Democrático (UCD), a coalizão de centro-direita com restos do franquismo, que também foi inventada e dirigida por Adolfo Suárez. Do partido de Felipe González, que apenas sobreviveu durante os dois mandatos de Rodríguez Zapatero (antes de tudo pelos erros do PP), não resta praticamente mais do que uma recordação.

Por que ocorreu este desastre e de quebra a vitória estelar do PP? O PP conquistou todas as cinquenta províncias, menos meia dúzia. Este voto dos cidadãos é o reflexo do castigo infligido por dois motivos principais.

O primeiro é a rejeição à social-democracia que não pôde enfrentar a crise generalizada de toda a Europa, paradoxalmente quando na última década havia adotado medidas neoliberais. O segundo é a percepção generalizada de que o PSOE fez uma segunda gestão errônea e tardia para corrigir a catástrofe financeira.

Internamente, duvida-se do próprio futuro imediato do Partido, que ficará órfão de liderança e que se verá voltado para uma urgente refundação interna. Para esse projeto terá que lutar também com o contundente efeito dominó que acontece na Europa com a derrota sucessiva de partidos socialistas, trabalhistas e “progressistas”. Desde o Reino Unido, com a deterioração do partido de Blair e o erro de sua “terceira via”, até a defenestração de Papandreu na Grécia, caíram quase todos os governos que são membros da Internacional Socialista, chave da fundação e do desenvolvimento da União Europeia. De uma maioria de esquerda no Conselho e no Parlamento europeus há pouco mais de uma década, hoje restam de pé apenas Dinamarca e a minúscula Eslovênia.

Agora, como já estão experimentando as formações de centro-direita no Reino Unido, Alemanha, França e Itália, a tarefa que se espera de Mariano Rajoy é impressionante. A Europa (e o mundo) passou de uma estrutura em que o Estado tinha como função primordial dominar o mercado a ter alguns países dominados pelos mercados, sem que se saiba se existe uma crise no sistema capitalista, ou uma doença inata do capitalismo, enquanto as fórmulas revolucionárias do passado não representam a alternativa.

No contexto interno, outros sinais da mudança são intrigantes. Embora se possa dizer que o mapa político pode ter passado de um bipartidarismo para um monopartidarismo em amadurecimento, em algumas comunidades da chamada periferia, o panorama é mais complicado. No novo País Basco que apenas está saindo do desaparecimento da ETA, a última eleição em nível estatal revela a subida da coalizão Amaiur, radicalmente independentista, que engloba setores que até ontem apoiavam as teses criminosas terroristas ou apoiavam a ETA com o silêncio. O aviso que Bildu, sua outra transformação, lançou com sua vitória nas recentes eleições municipais agora foram replicadas por este resultado; se seus votos se unirem ao mais moderado PNV, em eleições estritamente bascas, a independência teria se imposto. O PSOE e o PP, que paradoxalmente agora governam em colaboração na estrutura autônoma, ficariam fora de jogo. Também foram castigados por exercerem o poder.

Diferente é o cenário na Catalunha, onde o desenho é mais próximo do tripartidarismo, com três formações hegemônicas (socialistas, populares e os componentes da coalizão democrata-cristã-liberal Convergencia i Unió-CiU). A novidade é que a CiU superou pela primeira vez os socialistas nas eleições gerais. Mas seu apoio eleitoral não é suficiente, unido ao dos independentistas do Esquerra, para formar uma frente que optasse pela separação da Espanha. Com a maioria absoluta do PP evapora a anterior fortaleza da CiU, como a do PNV, já que historicamente negociavam seu apoio parlamentar aos dois grandes partidos órfãos do domínio total no Congresso. Internamente, ao se verem libertos dessa tentação, ficam com plena autonomia para reforçar suas teses “soberanas” e apresentar-se como protetores da independência.

É evidente que o tsunami do PP também foi a causa da passagem de votos “naturais” do PSOE para a Izquierda Unida, os comunistas reciclados, que quintuplicaram suas cadeiras desde que nas eleições anteriores nem mesmo puderem contar com um grupo parlamentar próprio.

Resulta enigmático saber se no futuro o PSOE vai recuperar esse apoio. Igual pergunta apresenta a oscilação espetacular do milhão de eleitores ao PSOE, que nas duas votações anteriores apoiaram Zapatero e agora deram as costas a Rubalcaba. A crise e o pânico do desemprego os forçaram a mudar com armas e bagagens para apoiar um partido com o qual não comungam ideologicamente. O preocupante é que a melhoria não depende apenas dos esforços dos espanhóis, mas de toda a Europa e com ela de todo o mundo industrializado e financeiramente quebrado. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami.


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