Subjugar a natureza só demonstra a nossa total independência das leis naturais
Nesse início de ano temos muitas e boas razões para comemorar o grande legado deixado por 2014. Seja ele de alcance global como a nova protelação do acordo climático mundial, aliás, o que é realmente desnecessário, diga-se de passagem, bem como alguns episódios locais que nos enchem de orgulho, tais como, a morte das centenas de irritantes e indesejáveis periquitos em Manaus, no coração da Amazônia Brasileira e o uso com enorme sucesso do “volume morto” em terras paulistas.
Esses fatos tem se multiplicado em profusão, graças a um novo fenômeno, um pouco mais recente na história da humanidade. Como é de conhecimento público, desde 2008 a maior parte da população em nosso planeta reside em cidades. Desde então, essa porcentagem só tem aumentado e mesmo a China, o país mais populoso do mundo, também passou a ser mais urbano que rural.
Essa é, sem dúvida, uma alegria para todos os urbanóides que precisam conviver cada vez menos com rios barulhentos, sujeira de terra (seca ou molhada) insetos, barulhos de animais diversos e árvores cheias de folhas e flores. E ainda muito menos com os chamados ciclos naturais, chuvas, ventos, clima. Provamos a capacidade de tornar irrelevantes essa discussão e esses acompanhamentos realizados por aqueles que, ou não tem muita coisa para fazer ou se entregaram ao fracasso e a incapacidade de se juntar aos bons que realmente sabem ganhar dinheiro. Afinal, batalhar pelo vil metal e adquirir produtos é realmente o que dá sentido a vida, não é mesmo?
COP 20 de Lima
Chega a ser risível, mas é na verdade bastante tedioso assistir a esse grupo de pessoas (representantes de países, cientistas e ambientalistas) que todos os anos reúnem-se quase em desespero para buscar caminhos que levem o mundo a se comprometer com o combate ao aquecimento global e implementem ações que revertam o processo de aumento médio da temperatura do planeta. A última reunião da COP (Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, das Nações Unidas, em sua sigla em inglês) foi realizada no final do ano em Lima, capital do Peru. E, como sempre tem ocorrido, as principais decisões foram postergadas para o ano seguinte, ou seja, para o próximo encontro climático a ser realizado em Paris no final deste ano.
Além dos seguidos fracassos, as COPs recebem uma atenção mínima da imprensa e das sociedades, numa clara demonstração de sua insignificância, pois a maioria está preocupada em acompanhar seus esportes favoritos, a trajetória de alguma subcelebridade e consumir sem preocupações. E não são mesmo essas as razões principais da nossa existência e da nossa felicidade? Pois mesmo que a temperatura aumente 2 graus, bastará aumentar o ar condicionado. Quanto à adaptação das espécies? Bem…cada um com seus problemas, não é verdade?
Os Periquitos de Manaus
E por falar em problemas, os moradores do Condomínio Residencial Ephigênio Salles de Manaus tiveram uma excelente ideia para acabar com a algazarra e sujeira dos pássaros que além de tudo ainda estragavam as Palmeiras Imperiais trazidas com tanto esforço para o interior da Floresta Amazônica. Colocaram ali várias telas que resolveram de maneira fácil e rápida o problema dos periquitos. Segundo especialistas as mortes podem ter sido causadas indiretamente pelas telas, alguns ficaram presos e outros mais expostos. Mas também foi ventilada a suspeita de envenenamento.
Foram lances geniais que deveriam servir de exemplo para a enorme sensibilidade humana e o total desprezo a esses descartáveis seres da natureza. Manaus, como muitos dos leitores já sabem é a capital do estado do Amazonas e situa-se, toda ela, no meio e cercada pela Floresta Amazônica. Esses moradores tomaram a brilhante decisão de, simplesmente, ignorar a riqueza da maior floresta tropical do mundo e importaram árvores exóticas para compor o paisagismo de seu condomínio. Fantástico, não é mesmo? A morte de centenas de aves intrometidas representa apenas uma consequência óbvia das excelentes ideias colocadas em prática anteriormente.
O Volume Morto de São Paulo
Mas temos mesmo que tirar o chapéu e reverenciar a “locomotiva do desenvolvimento brasileiro” que mais uma vez sai à frente e prova por A mais B, que até mesmo a água, insumo considerado por alguns, tão especial, em algo supérfluo. Pois é só ver que, nós paulistanos não precisamos de água para viver. Um volume morto de cor e sabor “diferente” é mais do que suficiente.
Como já provamos em São Paulo que preservação ambiental é uma balela, a nossa Assembleia Legislativa chegou a aprovar uma lei visionária que retirava ainda mais a proteção das parcas florestas paulistas e que posteriormente teve alguns de seus artigos vetados pelo governador Alckmin graças à movimentação de diversas organizações ambientalistas participantes do Observatório do Código Florestal. Mesmo com esses vetos os ambientalistas acreditam que a nova lei possui brechas suficientes para deixar desprotegidos os rios e cursos d´água. Mas também, por que se preocupar com isso? Se não precisamos de água, florestas então, só ocupam espaço útil que poderia ser destinado ao verdadeiro desenvolvimento.
São apenas alguns poucos dos muitos exemplos de como a humanidade está colocando todo o resto do planeta de joelhos. Para encerrar essa série de louvores a nossa espécie, vamos nos lembrar dos grandes predadores que ousaram desafiar o homem. Onde estão hoje leões, tigres, ursos, onças, lobos e tubarões? Acuados, presos, subjugados. Submetidos ao escárnio atrás de grades para provar a sua fragorosa derrota vivem dias de tristeza em zoológicos, quase sempre insalubres.
Rir para não chorar
Que as fortes ironias relatadas nessas reflexões contribuam para um ano novo em que deveremos pensar mais e melhor sobre o nosso futuro e de todos os seres que habitam o planeta! Os absurdos aqui descritos, infelizmente não são obra de ficção, mas registros das barbaridades que ainda cometemos em nome de um tal progresso!
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.