La Paz, Bolívia, 26/10/2011 – Com gestos de vitória e antecipando novas campanhas em defesa de territórios ancestrais, os indígenas das zonas tropicais da Bolívia comemoraram a promulgação da lei que proíbe a construção de uma estrada, cujo questionamento desgastou o apoio popular ao presidente Evo Morales.
De acordo com o clima frio de La Paz, na noite do dia 24, Morales apresentava um semblante sisudo na hora de colocar sua assinatura para que entrasse em vigor a lei conseguida pelos indígenas após uma acidentada caminhada de 600 quilômetros durante 66 dias, reprimida pela polícia em um afastado povoado mas ovacionada por milhares de manifestantes ao chegar à capital do país.
“A ameaça é latente, mas resta a mensagem de que os povos originários influíram na defesa dos territórios”, disse à IPS o líder indígena e deputado Pedro Nuni, do governante Movimento para o Socialismo (MAS), embora discordando de seu partido nestes assuntos. “O governo sabe que não pode decidir o futuro de nossas terras sem nos consultar”, acrescentou.
Nuni não escondeu sua satisfação por ter alcançado, segundo suas palavras, atendimento em 95% das 16 reivindicações apresentadas pelo movimento de protesto, entre as quais destacou a exigência de cancelar o projeto de uma estrada cortando o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), uma área protegida onde moram os povos chimán, yuracaré e moxeño.
A lei aprovada rapidamente pela Assembleia Legislativa Plurinacional e sob a pressão de uma vigília dos aborígines caminhantes instalada em suas portas, ratificou o valor patrimonial, sociocultural e natural do território localizado na área central da Bolívia.
Este território foi entregue para uso de seus habitantes há 21 anos, após uma marcha que redescobriu os esquecidos habitantes da zona amazônica, que depois seriam gestores da reforma constitucional, que em seguida se constituiu em plataforma política de Morales, o primeiro presidente indígena da história deste país, onde a maioria da população é dessa origem.
Desta vez, os homens, mulheres e crianças da selva não marcharam sozinhos. À coluna uniram-se indígenas de altiplanos, vales e do chaco, todos convencidos de que as 22 terras comunitárias de origem corre o mesmo perigo que o Tipnis, porque nelas há petróleo, madeira, florestas, minerais e outros recursos não renováveis cobiçados pelas companhias multinacionais.
A ambientalista Carmen Capriles, incentivadora da Campanha Salvemos Madidi, expôs à IPS uma leitura sociológica ao descrever a união e o reconhecimento mútuo de identidades diferenciadas entre os próprios aborígines e os descendentes europeus e o senso comum de pertencer a um verdadeiro Estado Plurinacional, como estabelece a Constituição. Contudo, acrescentou, esse Estado Plurinacional não é exatamente o do discurso governamental, mas o real que foi selado em meio à repressão, na estrada, na selva e na montanha.
Capriles também ressalta o reencontro dos indígenas de zonas rurais pobres com os habitantes urbanos em condições semelhantes, com os quais consolidaram uma aliança natural para assumir uma defesa concertada da natureza. Morales defendia a conservação de áreas ricas em flora e fauna, mas esse pensamento ficou desfeito após sua frustrada tentativa de construir uma estrada atravessando uma área protegida.
O deputado indígena Nuni atribuiu o sucesso da mobilização, que reuniu mais de mil caminhantes, às “lideranças coletivas” e às “organizações intermediárias”, nas quais deposita a força para a defesa da Mãe Terra e as zonas reconhecidas como próprias dos povos indígenas. O presidente da Subcentral do Tipnis, Fernando Vargas, defendeu o direito dos habitantes da área de utilizarem os recursos naturais e, com isso, expressou sua interpretação ao termo “intangível”, que segundo outros analistas impede o aproveitamento das riquezas existentes no parque.
Porém, a mensagem de Vargas teve outra projeção quando convocou o presidente Morales para construir um país sustentado na conservação da natureza. A mensagem tinha implícita uma previsão sobre as futuras batalhas dos povos indígenas pela preservação de suas terras.
Capriles afirmou que a solução para o conflito do Tipnis fica como um problema isolado e deixa em situação de vulnerabilidade outras áreas protegidas e terras comunitárias de origem, que compreendem zonas como os parques Madidi e Pilón Lajas, no norte do departamento de La Paz, áreas próximas a recentes descobertas de reservas de petróleo.
A construção de uma represa e o projeto hidrelétrico na região conhecida com El Bala, em meio a estes parques protegidos, provocaria a inundação de aproximadamente 300 mil hectares e o desaparecimento do território ocupado pela terra comunitária do povo leco. “Não nos tratem como inimigos entre habitantes do leste e do oeste. Continuemos com o processo de mudança sem destruir as terras comunitárias de origem e com respeito aos direitos dos povos”, disse Vargas.
O líder da Confederação de Indígenas do Oriente Boliviano e condutor da marcha, Adolfo Chávez, pediu para se deixar de lado a revanche e adotar a unidade em paz, e aos ministros de Morales pediu que evitem provocações que possam desatar a “ira popular”. Morales jogou toda a responsabilidade na suspensão definitiva da construção da estrada sobre os dirigentes indígenas, aos quais encarregou a tarefa de explicar a medida a outros habitantes do Tipnis, que, segundo o presidente, pediram a construção da estrada. Envolverde/IPS