Mesmo vizinhos a uma das maiores hidrelétricas do Brasil, Tucuruí, famílias sofrem sem energia no campo.
Uma audiência pública realizada na tarde de 4 de agosto, em Marabá (PA), solicitada pelos movimentos sociais do campo e organizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), trouxe à tona uma série de deficiências na distribuição de energia elétrica pelo programa “Luz para Todos” aos assentamentos do sudeste paraense.
Mesmo sendo assentamentos situados em Municípios vizinhos a uma das maiores hidrelétricas do Brasil, Tucuruí, muitas das famílias sofrem sem energia elétrica no campo.
No assentamento 26 de Março, localizado em Marabá, de 206 lotes, 168 não possuem energia e os que foram contemplados pelo Programa recebem energia apenas duas vezes por semana.
“É uma energia que não nos possibilita realizar nossos empreendimentos de produção no campo”, reclama o assentado Ariosvaldo André dos Santos.
No assentamento 17 de Abril, em Eldorado dos Carajás, a situação é semelhante, há uma demanda de ligação de energia para 150 lotes.
“Energia é necessidade e qualidade de vida, para se tirar uma água da cacimba eu não preciso de lata nas costas, com a energia eu bombeio ela, isso vale para tantas outras atividades realizadas no campo”, diz o assentado Luiz Lima.
Para ambos os assentados, a energia viabiliza a permanência das famílias no campo, “nenhum colono quer ficar na roça sem energia”, aponta Lima. Santos complementa que “isso leva muitos, sem condições de sobreviver em seus lotes, a venderem suas parcelas, o que é lamentável para a reforma agrária”.
Celpa sucateada
A Centrais Elétricas do Pará (Celpa), privatizada há 13 anos pelo então governador Almir Gabriel (PSDB), é responsável pelo fornecimento de serviços de energia no Estado do Pará. Segundo informações do seu próprio departamento de engenharia, apenas 12 mil moradias no campo foram contempladas, este ano, pelo programa “Luz para Todos”.
No entanto, seus engenheiros, que a representaram na audiência pública, disseram ser a empresa “apenas executora, e não gestora do programa. Sem poder de decisão”.
Sendo a terceira prorrogação do projeto, após decreto assinado pelo governo federal em 8 de junho, a Celpa teria até 2014 para sanar o problema da falta de energia nos assentamentos.
Na área rural, 311 mil ligações foram feitas, segundo a Celpa, desde a implantação do Programa no Estado paraense, em quatro anos, restando 21% ainda dos lotes sem energia elétrica.
Porém, embora a Celpa tenha tentado na audiência pública se descomprometer com o problema, dados apontam que empresa está na última colocação no ranking de qualidade entre as 64 distribuidoras de energia do Brasil.
Seus principais problemas levantados na audiência pública seriam a falta constante de energia elétrica, equipamentos sucateados, falta de equipamentos apropriados para os trabalhadores desempenharem suas tarefas, demissão em massa, terceirização de atividades-fim, falta de treinamento, acidentes, adoecimento de trabalhadores, sobrecarga de trabalho, reclamação da população, e prejuízos para a economia do Estado.
Para Daiane Carla, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), “esta é uma forma do capital ir se apropriando de um bem do povo, pois a energia é gerada, no entanto a Celpa não repassa”.
Cobrança desproporcional
No entanto, as famílias que receberam o benefício, reclamam de tarifas caras.
“É uma contradição no Estado do Pará, com a Hidrelétrica de Tucuruí no quintal de casa, se pagar a décima oitava tarifa mais cara no Brasil”, protesta Daiane Carla.
No Estado paraense, as famílias pagam em torno de R$ 0,50 o quilowatt da energia, enquanto a mineradora Vale paga R$ 0,03 e a empresa Alumar R$ 0,04 pelo mesmo quilowatt.
“Dessa forma, quem é onerada é a população, isto está muito visível”, diz Daiane Carla.
Situação que deve perdurar e aumentar segundo a militante do MAB. “Até 2019, há estimativas de que a conta de energia subirá quase 200% nessa região.”
Isso porque, futuramente, duas modificações na distribuição de energia elétrica do Pará devem onerar ainda mais as famílias, além de alterar seus modos de vida.
Primeiro, é a implantação do cartão pré-pago da energia, assim como funciona na telefonia. “Na Ilha de Marajó, já é assim, você compra a energia antes e se a sua cota acabar é necessário comprar outro cartão. Ou seja, você está lá assistindo seu futebol e a energia acaba, vai ser necessário um novo cartão para obter sua energia.”
Esse serviço já foi aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Celpa deve estender isso para todo o Estado do Pará.
Outra medida mais nefasta ainda para a população, na visão da integrante da coordenação nacional do MAB, vai ser a cobrança de preços diferenciados conforme o horário de utilização.
“Essa medida, que será também implantada em breve, tornará a energia muito cara nos horários de pico, das 18h às 21h, sendo a madrugada o horário mais barato para sua utilização, o que mudará, sobretudo, a rotina das mulheres do campo, que começarão seus afazeres de madrugada, pois será inviável pagar a conta de energia.”
Coincidentemente, a audiência pública acabou após uma queda de energia, faltando luz para dar continuidade às atividades.
* De Marabá (PA).
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.