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Volta às aulas sem Gadafi

Alegria no início do novo ano letivo. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

Trípoli, Líbia, 8/9/2011 – O novo ano letivo começa na Líbia sem os onipresentes retratos do líder da Revolução, o coronel Muammar Gadafi, mas tampouco com livros novos, que ainda não estão prontos. “Sabemos que os desafios que temos pela frente são enormes, mas nunca estive tão feliz em um começo de ano escolar”, disse à IPS a professora Ahlam Saadi. “Não vejo a hora de começar a lecionar em liberdade”, acrescentou esta mulher de 35 anos, de Trípoli.

Os funcionários da escola primária Shoala, no distrito de Dahra, que fica a cinco minutos da Praça dos Mártires, se saúdam emocionados. Os colegas se abraçam, muitos com lágrimas nos olhos. Os professores se reúnem para resolver problemas administrativos. Contudo, a primeira decisão foi tomada por unanimidade mesmo antes de entrarem na instituição. “Decidimos mudar o nome da escola para Ayman Tuman, em homenagem ao filho assassinado de nossa companheira”, disse Salwah Talah, quase sem voz após a manifestação de mulheres na noite anterior na Praça dos Mártires.

A professora de árabe apresenta Zeynab Tuman, a mãe do rapaz de 22 anos. “A Qatiba, milícia leal a Gadafi, atirou contra Ayman após a oração do dia 20 de fevereiro”, recordou Zeynab. “Também esteve aqui”, apontou. Tanto na escola como na cidade, Ayman é lembrado como o “primeiro mártir de Trípoli”. Apesar da trágica perda, esta professora de 50 anos disse que “não poderia estar mais feliz” com a mudança do nome da escola.

As 15 professoras, vestidas de negro e com véus coloridos, finalmente entraram no prédio. Falta pessoal docente, mas, segundo disseram, não retomarão as aulas este ano e, provavelmente, nunca o façam. Pelo menos não na escola Ayman Tuman. “Os professores da Educação para a Yamahiria, pela qual se doutrinou os estudantes nas últimas quatro décadas, obviamente não voltarão”, disse o diretor da escola, Jamal Tabi. “Nem é preciso dizer que eram leais a Gadafi e alguns inclusive uniram-se à Qatiba”, acrescentou. Yamahiria é um termo inventado por Gadafi que significava “república das massas”.

Jamal acompanhou a IPS pela escola. A mudança mais notória é a falta de retratos do ex-líder. “Era obrigatório colocá-los na frente da sala de aula, nunca no fundo”, contou o diretor. A bandeira tricolor dos rebeldes está por todos os lados. Elas também ajudam a tapar os buracos de balas nas janelas. Jamal se preparou para receber o general rebelde Ali Ashur, que visitou a escola escoltado por meia dúzia de homens armados. “Visitamos as escolas da cidade para garantir que a segurança não seja um problema”, disse o general à IPS. É paradoxal o fato de Ali Ashur, que veste uniforme de campanha, use no ombro a insígnia do regime de Gadafi. “Todos a usamos, até Bengasi nos fornecer novos uniformes”, explicou o militar.

Os símbolos do regime deposto foram retirados da escola Ayman Tuman, não há mais retratos de Gadafi nem bandeiras verdes de Yamahiria. As últimas cópias do Livro Verde foram entregues como lembranças a dois visitantes. O Livro Verde foi escrito por Gadafi e concentra seu pensamento sobre a forma de governo que ele chamava de Yamahiria. No entanto, será mais difícil realizar mudanças profundas. Os rebeldes ocuparam a capital há duas semanas e não houve tempo para adaptar os livros escolares aos novos tempos.

“Não há problemas com matérias como matemática ou química, mas temos de revisar os livros de história”, disse Jamal. Os novos, que estão sendo impressos em Bengasi, chegarão em menos de um mês, acrescentou. Diversos locais da escola, inclusive a biblioteca, foram saqueados pelas forças de Gadafi antes da queda de Trípoli. “Suspeitavam que muitos de nossos professores tinham vínculos com os rebeldes e buscavam documentos incriminadores”, disse à IPS Kamila Ashur, de 45 anos, em meio aos escombros acumulados na porta principal.

Kamila não pôde continuar trabalhando porque precisou se esconder ao ser perseguida pela polícia em seu distrito de Suq al-Yuma, na zona noroeste de Trípoli. Perguntada como explicaria aos seus alunos quem foi Gadafi, respondeu com raiva: “falarei a eles sobre seu horrível regime, as detenções, as torturas. Direi que suas ideias não eram boas para nenhum ser humano”, acrescentou, agitando uma bandeira improvisada com a meia-lua e uma estrela desenhadas com líquido de corretor branco. “Não ensino apenas história. Também a faço”, acrescentou a professora. Envolverde/IPS