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Votar no Zimbábue é um perigo para os opositores

Uma nova lei dá extraordinário poder à polícia, e muitos dizem que Mugabe a usa para intimidar a oposição. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 23/5/2013 – Há um mês, Gibson Severe e sua mulher, Merjury Severe, simpatizantes da oposição no Zimbábue e originários do distrito de Hurungwe, se escondem na capital do país. Como eles, muitos outros seguidores do opositor Movimento para a Mudança Democrática (MDC) foram obrigados a abandonar suas casas nesse distrito, depois de serem ameaçados por milícias que estariam vinculadas à governante União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica (Zanu-PF).

“Já passou um mês desde que deixamos Hurungwe, depois que a milícia de Jochomondo, vinculada à Zanu-PF, cercou nossa casa nos acusando de instigar a população a se registrar para votar no MDC”, contou Severe à IPS. Desde o ano passado, essa milícia aterroriza os moradores do distrito, um baluarte do Zanu-PF, tornando quase impossível os partidos de oposição realizarem campanha.

Severe disse à IPS que as eleições nesse país da África austral sempre são afetadas pelas ameaças e pela violência. Esta não é a primeira vez que somos vítimas de intimidação. “Na campanha presidencial de 2008 apanhamos por sermos simpatizantes do MDC”, afirmou. As próximas eleições presidenciais no país estão previstas para o final deste ano, mas ainda sem data exata. O presidente, Robert Mugabe, de 89 anos, está no cargo há 33. Seu governo se caracteriza pela corrupção, opressão, posse de terras e uma economia cambaleante.

O primeiro-ministro, Morgan Tsvangirai, informou que a data das eleições será fixada após o processo de inscrição dos eleitores. Para isso foi lançado um registro móvel, com escritórios temporários de inscrição em várias partes do país. Esta operação terminou no dia 19 deste mês, mas os zimbabuenses ainda podem se inscrever diretamente no Registro Geral de eleitores. Todo o processo de inscrição se caracterizou pela lentidão burocrática e por intimidações de grupos violentos, supostamente vinculados ao Zanu-PF.

Pedzisai Ruhanya, diretor do independente Instituto da Democracia no Zimbábue, contou à IPS que o processo foi caótico. “A experiência do registro móvel de eleitores não foi adequada. Foi caótica e se caracterizou pela manipulação política”, pontuou. As milícias vinculadas à Zanu-PF, que chamam a si mesmas como Al Shabaab, da mesma forma que o grupo radical islâmico somaliano, estariam ameaçando também o eleitorado na província de Midlands.

“O sistema móvel de registro irritou os sequazes da Zanu-PF, que dirigiram sua fúria contra os professores das comunidades rurais, dizendo para não votarem nos setores do MDC”, disse à IPS um funcionário de Midlands. O partido opositor se dividiu em 2006 em duas facções: o MDC-T, liderado por Tsvangirai, e o MDC-N, encabeçado por Welshman Ncube.

Funcionários de Marondera, capital da província de Mashonalandia Oriental, disseram que os aldeões foram obrigados pelas milícias a participarem do registro. “Os moradores sofreram abusos por parte de milicianos da Zanu-PF, que cantavam músicas de guerra de libertação e palavras de ordem do partido, e os obrigaram a se registrarem para votar”, contaram à IPS.

Policiais das localidades de Bindura e Mazowe, na província de Mashonalandia Central, disseram que a população ainda vive com medo de que se repita a violência das últimas eleições. Muitos moradores não se animam nem mesmo a expressar publicamente qual partido apoiam. “Ninguém usa camisetas do MDC-T aqui depois das violentas eleições de 2008, que deixaram milhares de feridos”, disse à IPS um alto funcionário policial.

Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional denunciaram que a campanha presidencial de 2008 aconteceu em “um contexto de inúmeros casos de assassinatos, torturas e ataques contra supostos partidários da oposição”. Por seu lado, a Human Rights Watch afirmou, no informe Corrida Contra o Tempo: a Necessidade de Reformas Legais e Institucionais com Vistas à Eleição no Zimbábue, deste ano, que mais de 200 pessoas morreram na violência de 2008.

Até agora não houve nenhuma prisão pelos casos denunciados de intimidação. O porta-voz da Zanu-PF, Rugare Gumbo, minimizou as denúncias. “Não há grupos terroristas vinculados ao nosso partido. Por que haveríamos de submeter a população quando é bem sabido que o MDC perdeu eleitores para a Zanu-PF?”, argumentou à IPS. Porém, o analista político Rejoice Ngwenya afirmou que o registro móvel foi deficiente. “Foi desarticulado e débil, talvez de forma deliberada. Não há educação sobre o voto no Zimbábue. A Comissão Eleitoral não tem capacidade nem vontade política” para informar a população, disse à IPS.

“As organizações da sociedade civil e os partidos políticos se esforçam ao máximo, apesar dos obstáculos da Lei de Ordem Pública e Segurança”, acrescentou Ngwenya. Esta lei dá um poder extraordinário à polícia, e muitos dizem que Mugabe a utiliza para intimidar a oposição. Grupos locais de direitos humanos também questionaram o processo de registro móvel.

“Apoiamos a iniciativa, mas estamos preocupados com a forma como se desenvolveu nas áreas rurais, onde integrantes da Zanu-PF distribuíram formulários de adesão ao partido, dizendo que eram necessários para o registro”, contou à IPS o diretor da organização local Informação e Educação Juvenil para uma Mudança de Comportamento, David Chidende. Ele também denunciou que foram instalados vários centros de registro nos redutos da Zanu-PF e poucos nas áreas dominadas pelo MDC. Envolverde/IPS