De acordo com o grupo Global Witness, regras para participação no programa da ONG que promove corte sustentável de árvores são inadequadas e permitem que companhias exerçam atividades destrutivas para o meio ambiente.
Por trás da bandeira da proteção ambiental e da sustentabilidade, algumas empresas e grupos ambientalistas podem estar permitindo e estimulando práticas predatórias e prejudiciais ao meio ambiente. Pelo menos é o que aponta um novo documento do grupo investigativo Global Witness, que indica que o WWF pode estar ligado a firmas que realizam atividades desmatadoras. Segundo o estudo, florestas e serviços ecossistêmicos estão virando presa fácil para essas empresas.
De acordo com a pesquisa “Favorecendo os Desmatadores” (o título original “Pandering to the loggers” faz uma sátira com a palavra pandering – favorecer –, e panda, o símbolo da WWF), a Rede Global de Floresta e Comércio (GFTN em inglês), programa da ONG ambientalista WWF que apoia o comércio de madeira legal e sustentável, tem padrões de filiação pouquíssimos rigorosos, permitindo que empresas suspeitas de realizar desmatamento ilegal, ameaçar espécies e desrespeitar direitos humanos utilizem seu selo de sustentabilidade.
“Há poucos padrões mínimos exigidos para que as companhias se juntem à GFTN. Significa que mesmo companhias envolvidas em atividades altamente destrutivas, como derrubar florestas naturais para criar plantações ou comprar produtos de madeira de fontes ilegais, podem se unir e se beneficiar”, sugere o relatório.
“As regras da GFTN são menos rigorosas do que as leis dos EUA e da UE que proíbem a importação de madeira ilegal. Quando um programa emblemático criado em nome da sustentabilidade e da conservação tolera que uma de suas empresas-membro destrua o habitat do orangotango, é que algo vai realmente mal”, lamentou Tom Picken, líder da campanha de florestas do Global Witness, em um comunicado à imprensa.
O documento, que aponta diversas companhias suspeitas que são ou foram filiadas à rede, é baseado em estudos de caso de três firmas ligadas ao programa: a madeireira malaia Ta Ann Holdings Berhad, que desmata cerca de 20 campos de futebol por dia no Bornéu; a fornecedora para construções britânica Jewson, que em dez anos de união com a WWF não eliminou a madeira de origem ilegal; e a madeireira teuto-suíça Danzer Group, que está envolvida na violação de direitos humanos na República Democrática do Congo.
Para se ter uma ideia, o estudo diz que “os mapas do WWF sugerem que os orangotangos se tornaram extintos entre 1989 e 2004 em uma área de 135 mil hectares onde a Ta Ann foi licenciada ou contratada para derrubar árvores durante pelo menos parte desse período”. Em relação à aquisição de madeira ilegal, a pesquisa afirma que “as regras de filiação da GFTN se mostraram ineficientes em parar essas compras”.
O relatório ainda sugere que “mesmo se as atuais regras da GFTN fossem implementadas em toda a sua extensão […] não há nada que evite uma companhia de se juntar à GFTN, obtendo um marketing de alto valor por um baixo custo através da associação com o nome do WWF e sua marca do panda, e então renunciar ou encerrar sua filiação silenciosamente sem cumprir os compromissos que firmou”.
A resposta às acusações foi publicada no próprio documento, e o WWF justificou que “a GFTN não faz quaisquer reivindicações de sustentabilidade, nem endossa companhias, suas políticas ou seus produtos. O WWF desafia as companhias a aspirarem à liderança em questões ambientais. A GFTN é o programa da WWF que trabalha com empresas comprometidas a fazer mudanças em suas operações florestais e/ou nas práticas de terceirização”.
Mesmo assim, a ONG explicou que “a GFNT fez uma grande contribuição para a conservação através de sua capacidade de se envolver com a indústria. Os participantes assumem compromissos claros que demonstram que rejeitam madeira ilegal ou suspeita. Participantes do comércio relatam uma base anual, e os locais são inspecionados anualmente se necessário”. Com relação à Danzer, o WWF assegurou que “enquanto a WWF-drc continuar a investigar o caso, nenhum acordo adicional será feito [com a filial]”.
Já em relação à Ta Ann, a ONG garantiu que “o pedido do ramo de operações florestais da Ta Ann ainda não foi aceito, e, portanto, a companhia nunca foi listada, aprovada ou considerada como uma participante da GFTN”, mas que “o primeiro ano de trabalho com as fábricas da Ta Ann resultou em melhorias no perfil de seus fornecedores. Tal acontece com todos os participantes, pactos de longo prazo que concordem com o plano de ação serão fundamentais para a ininterrupção da participação”.
De acordo com o estudo, “as aparentes contradições e confusões que circundam a Ta Ann significam uma preocupante falta de consistência e comunicação dentro da GFTN, agravada por uma falta de transparência”.
Apesar das críticas da pesquisa à falta de transparência do programa, a WWF se negou a fornecer informações sobre, por exemplo, a quantidade de hectares que a Danzer Group desmata ou quanto de madeira a firma produz, alegando que “o WWF não está legalmente permitido a divulgar essa informação devido a um acordo de confidencialidade. A GFTN melhorou a transparência do progresso dos participantes e está comprometida a fazer melhorias contínuas”.
A isso, o líder da campanha de florestas do Global Witness respondeu que “através de subsídios do governo, os contribuintes estão pagando uma grande parte do orçamento anual de US$ 7 milhões deste programa, e têm, portanto, direito de saber que seu dinheiro não está sendo empregado no ‘greenwashing’ de práticas irregulares”.
Piken declarou ainda que “o WWF deveria se desvincular publicamente de qualquer empresa que utilize madeira de origem ilegal ou pouco ética. É revoltante que um dos grupos de conservação mais reputados do mundo considere aceitável se beneficiar economicamente destas empresas”.
Ele concluiu que “esta investigação levanta perguntas importantes sobre a estratégia e eficácia subjacentes desses programas de voluntariado. Para proteger as florestas que restam no mundo e evitar o engano aos clientes, as iniciativas deveriam centrar-se na redução da demanda global, e não em certificar o corte de árvores em áreas cada vez mais extensas”.
Infelizmente, o WWF não é a única ONG ambientalista a ser acusada de compactuar com empresas que prejudicam o meio ambiente. A Conservação Internacional (CI), e a Nature Conservancy (TNC), por exemplo, também foram denunciadas por se associarem a companhias como a Bunge, a Exxon Mobil e a Shell, firmas que têm históricos de impacto ambiental.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.