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“A identidade não tem fronteiras”

Jovens de distintos países árabes. Foto: Christian Papesch/IPS

Nova York, Estados Unidos, 22/9/2011 – Os atentados de 11 de setembro de 2001 afetaram profundamente as relações entre os Estados Unidos e a Europa, por um lado, e Norte da África e Oriente Médio, por outro. Há pessoas que consideram que é ora de estender pontes entre os dois mundos. Exatamente dez anos depois dos ataques contra Nova York e Washington, seis mulheres e seis homens de Argélia, Egito, Kuwait e vários outros países árabes começaram uma viagem de duas semanas pelos Estados Unidos e pela Europa. Os jovens fazem parte do Programa de Fraternidade (Fellowship Program) da Aliança das Civilizações da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado no ano passado.

“O 11 de Setembro me afetou como saudita tanto quanto aos norte-americanos pelas ações de certas pessoas e pelas reações da maioria dos governos”, afirmou Sofana Dahlan, fundadora do Tashkeil, um centro multidisciplinar de cultura e desenho na Arábia Saudita, e uma das participantes do Programa. “As pontes que ligavam nossas culturas foram demolidas. É hora de, junto com o povo dos Estados Unidos, as reconstruirmos e recriarmos novas formas de trocar e aceitar as ideias dos outros”, disse à IPS.

Este é o objetivo da Aliança, fundada em 2005 como plataforma para o diálogo e a cooperação, que pretende evitar demonizar e estereotipar as duas partes. “Foi criada após os atentados de 11 de Setembro”, disse Jean-Christophe Bas, assessor de associação e desenvolvimento estratégico da iniciativa. “O objetivo foi criar compreensão e confiança entre o Ocidente e o mundo islâmico”, afirmou. “A razão por trás do medo, das tensões e dos conflitos entre as culturas, na maioria dos casos, é pura ignorância. Pelo fato de as pessoas não se conhecerem”, acrescentou.

Conhecer a cultura do outro, não por meio da mídia, mas do diálogo direto com dirigentes políticos também é um objetivo fundamental do programa. Vinte e quatro mulheres e homens com idades entre 26 e 38 anos, considerados líderes emergentes em suas áreas de atuação integram o Programa, 12 dos Estados Unidos e da Europa e 12 do norte da África e do Oriente Médio. Algumas das pessoas que estiveram em Nova York na semana passada, e seguiram rumo a Washington, Filadélfia, Londres, Paris e Bruxelas, nunca antes estiveram nos Estados Unidos. No entanto, Anas Dharweesh, da Síria, sentiu familiaridade neste país.

“Na verdade, foi muito familiar para mim”, afirmou a diretora de projetos do Shabab, ramo executivo do Fundo para o Desenvolvimento da Síria. “A cultura norte-americana se espalhou pelo mundo. Se alguém quer ver os Estados Unidos, isto está a dois metros dela. Tem a televisão, qualquer filme de Hollywood, as comédias e músicas”, acrescentou. Contudo, algumas áreas de Nova York que visitaram não costumam aparecer nos meios de comunicação.

“Ontem fui ao Bronx, e foi revelador”, disse à IPS a advogada libanesa Dala Ghandour, que já esteve antes nos Estados Unidos. “Não sabia que o país mais rico do mundo tem esse tipo de pobreza. Me surpreendeu a brecha entre os muito ricos e os muito pobres. É uma tendência que se vê em todo o mundo. Há gente que fica muito rica enquanto outra fica muito pobre. É um enorme perigo em todo o mundo porque pode levar ao terrorismo”, acrescentou Dala.

Outra experiência que os 12 participantes do Programa não podem obter na mídia é o contato pessoal e a oportunidade de conhecer pessoalmente comunidades locais e dirigentes, apertar-lhes a mão, fazer perguntas e interagir. “Nada pode substituir a oportunidade de falar e ver por si mesmo outro mundo”, explicou Bas. “Podem conversar com quem for que consideram importante e possa lhes dar um sentido para sua visão da sociedade, de seus valores e suas crenças. Este é o princípio do Programa”, acrescentou.

A estadia incluía uma reunião com Jeffrey Sachs, do Instituto da Terra, da Universidade de Columbia, bem como uma visita à sede das Nações Unidas. “Sempre se tende a pensar que essas pessoas vivem em edifícios e não são de fato seres humanos, sendo contatadas apenas por e-mail”, disse Sarah Zaaimi, jornalista marroquina e autora do blog premiado Words for Change (Palavras para a Mudança). “Porém, o objetivo do Programa é que os dirigentes entrem em contato com uma geração jovem porque é algo que não acontece na vida cotidiana. Não imagina o quanto é difícil o acesso a eles em nossos países”, disse Zaaimi à IPS.

O Programa não é apenas uma oportunidade para conhecer os Estados Unidos e a Europa, mas também para dirigentes jovens do Oriente Médio. “Inclusive a interação com meus companheiros me dá nova percepção da vida e de suas culturas”, disse Sofana Dahlan. “Não somos todos iguais. Não podem nos tratar igual só porque somos árabes ou muçulmanos. Temos de nos concentrar nas pessoas e não em estereotipar o Ocidente ou o Oriente”, acrescentou.

Tempos de mudanças políticas, reformas e revoluções, especialmente no norte da África, a interação entre líderes emergentes, dirigentes do âmbito internacional e outros podem ser chave para criar novas sociedades estáveis. Alguns dos beneficiários do Programa tiveram uma participação ativa na chamada Primavera Árabe, que eles não chamam dessa forma. “Só o fato de dizer que somos árabes é um estereótipo”, explicou Sarah Zaaimi. “As identidades não têm fronteiras. São esferas muito complexas que não se pode dividir. São construções feitas pelos políticos. Não pelos seres humanos”, acrescentou. Envolverde/IPS