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“Balcanize” e reinarás

Cairo, Egito, 17/05/2011 – Especialistas alertam sobre a possível “balcanização” da Líbia se as forças dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fornecerem ajuda militar direta aos rebeldes. O líder líbio, Muammar Gadafi, “defendia a ideia de que a União Africana deveria ser independente, em lugar de servir à União Europeia e aos Estados Unidos, promovendo o Banco Africano de Desenvolvimento e substituindo o franco como moeda africana”, explicou à IPS o analista Mahdi Darius Nazemroaya, do Centro para a Pesquisa sobre Globalização, especializado em Oriente Médio e Ásia central.

“Na realidade, a intervenção na Líbia é um ataque ao continente africano, busca cortar-lhe a cabeça. Não querem balcanizar apenas a Líbia, mas todo o continente”, disse Darius se referindo à fragmentação e aos enfrentamentos ocorridos nos Bálcãs após o colapso da antiga Iugoslávia na década de 1990.

Por sua vez, Kaye Stearman, coordenadora de mídia da Campanha Contra o Comércio de Armas, disse à IPS que “agora o Ocidente redescobre Gadafi como ditador e tirano. Estão preparados para adotar ações contra seu regime sob a Resolução 1973 da Organização das Nações Unidas (ONU), que, na realidade, é destinada principalmente à proteção de civis. A ironia é que a Otan agora usa armas da União Europeia (UE) para bombardear alguns arsenais que a UE havia vendido antes à Líbia”.

Em resposta, o ex-embaixador britânico em Trípoli, Richard Dalton, disse à IPS que a “Otan não tem interesse estratégico na Líbia”, e destacou que seu único objetivo é “a implementação da Resolução 1973”. Destacou que “a UE quer ver a estabilidade, a prosperidade e a boa governança em todos seus vizinhos”. Segundo a Resolução 1973, que autorizou uma ação para proteger os civis na Líbia, todos os Estados-membros da ONU devem garantir rígida execução do embargo de armas estabelecido nos parágrafos nove e dez da resolução anterior, a 1970.

Geograficamente, a Líbia é a principal passagem do Norte para o centro da África. Ativistas pelos direitos humanos alertaram que a entrega de armas à oposição pode agravar o conflito e levá-lo para além das fronteiras líbias. Isso também suporia uma direta violação do mandato da ONU, acrescentaram.

“Alguns países da UE também estudam fornecer armas aos rebeldes, o que poderia aumentar a instabilidade, com consequências de longo prazo e causando grande dano aos esforços de construção da paz”, disse Stearman. Como exemplo citou o caso dos combatentes islâmicos armados pelos Estados Unidos no Afeganistão nas décadas de 1980 e 1990, que prolongaram os conflitos, promoveram o extremismo e criaram uma sociedade dominada por senhores da guerra. Essas mesmas armas “depois foram utilizadas contra os Estados Unidos e as forças aliadas”, ressaltou.

Durante a Conferência de Potsdam, ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), União Soviética, Grã-Bretanha e Estados Unidos ficaram em ponto morto nas conversações sobre o destino das colônias italianas na Líbia. Washington queria a formação de um único protetorado da ONU, mas os soviéticos sugeriram criar vários: o de Tripolitânia sob seu comando, o de Fezzan administrado pela França e o de Cyrenaica pelos britânicos.

A mesma história se repete agora, com Estados Unidos e UE, que não buscam apenas dividir a Líbia em duas administrações, uma em Trípoli e outra na cidade de Bengasi, mas também eliminar um regime que era o principal competidor e promotor de uma África unida, disse Nazemroaya. Líbia e China estavam se convertendo rapidamente em fortes sócios em energia. Pequim era o terceiro maior comprador de petróleo líbio, e tinha mais de 50 projetos de investimento no país africano.

Pepe Escobar, jornalista do Asian Times, disse que a China foi golpeada pela instabilidade no Norte da África. Seus novos contratos com a Líbia somavam US$ 18 bilhões e caíram quase 53%. Essa era a política estratégica do Comando Africano dos Estados Unidos (Africom): minimizar a influência chinesa no continente africano. O Africom, com base central na cidade alemã de Stuttgart, é responsável por atividades militares norte-americanas em 53 nações africanas.

Washington queria uma base na África, e a internvenção na Líbia lhe forneceu a oportunidade, disse Escobar à IPS. “A participação do Africom é a estratégia do Pentágono para enfrentar os investimentos chineses na África”, acrescentou. Escobar disse que na cúpula da Otan realizada no ano passado, em Lisboa, a agenda dos governos “era a total dominação do Mediterrâneo”, e acrescentou que os acordos entre Gadafi e Pequim desagradaram Bruxelas, Paris, Londres e, naturalmente, Washington. Envolverde/IPS