Nairóbi, Quênia, 29/7/2011 – No caminho fronteiriço entre Quênia e Somália jazem os cadáveres de meninas e meninos que sucumbiram à fome e às penúrias da viagem, desde suas aldeias, arruinadas pela seca, e o território queniano. A história dessas crianças que morreram entre Dolbey, o último centro povoado no sul somaliano antes de entrar no Quênia, ainda não foi contada, afirmam trabalhadores humanitários.
Ahmed Khalif trabalha para uma organização não governamental do Quênia e cruza frequentemente a fronteira entre os dois países para ajudar a população somaliana. Ele viu muitos pequenos corpos na beira do caminho. “Qualquer um que seguir essa rota pode contar terríveis histórias de cadáveres, na maioria de crianças. Suas mães também vão morrendo. Não se trata de mães desalmadas que abandonam seus filhos, mas de mães que tentam sobreviver para honrar a vida”, descreve Khalif.
Ele viu inúmeras pessoas, na maioria mulheres e crianças, tentando cruzar a fronteira. Mas quando os filhos já estão tão fracos que não podem caminhar, simplesmente caem no meio da estrada, enquanto suas mães e demais familiares meio mortos de fome seguem caminhando com a esperança de conseguir ajuda.
“É duro ver crianças à beira da morte, a pele macilenta pela desidratação extrema, os corpos demasiadamente pequenos para sua altura, os lábios ressecados. Não falam, apenas caem”. Elas “têm os olhos afundados nas órbitas, mas continuam te olhando. É muito perturbador. Alguém pode pensar que os demais não têm sentimentos por tê-las abandonado, mas estão na mesma condição. Somente a vontade de chegar ao acampamento de Dadaab os mantêm em pé”, conta Khalif.
Os que morrem dessa forma não são enterrados “Quem tem energia para fazer isso? Apenas podem continuar caminhando até o acampamento, onde encontram sepultura, se morrem ali”, acrescenta Khalif se referindo ao improvisado cemitério de Dadaab. Os menores somalianos que sobrevivem e chegam ao campo de refugiados sofreram penúrias em um grau difícil de imaginar, caminhando pelo menos dez dias sob calor intenso em terra de ninguém, infestada de hienas.
O grupo extremista Al Shabaab, presente em boa parte do sul da Somália, “continua dificultando o acesso das pessoas ao Quênia e a Dadaab, evitando que os somalianos procedentes de áreas sob seu controle cheguem a Dobley”, conta Khalif. E isto acontece apesar de Dobley estar agora em poder de forças do governo nacional, que expulsaram do povoado os rebeldes do Al Shabaab há três meses.
Então, em lugar de percorrer os 15 quilômetros entre Dobley e o Quênia, muitos precisam dar uma volta e caminhar entre quatro e nove dias para cruzar a fronteira. Este trajeto não só é mais longo, mas também mais perigoso. Grupos de criminosos roubam os escassos pertences dos refugiados e violentam as mulheres.
Dadaab, uma aldeia semiárida no leste do Quênia, na Província Nordeste, abriga mais de 380 mil pessoas e acaba de se converter no maior acampamento de refugiados do mundo. A vida ali não é fácil, sobretudo para as crianças. Diariamente chegam cerca de 1.300 somalianos e morrem quatro crianças, segundo agências da Organização das Nações Unidas (ONU), as quais asseguram que são necessários mais de US$ 300 milhões a cada seis meses para salvar a população infantil afetada pela seca.
“As crianças são muito pequenas e pesam muito pouco para sua idade. Sua condição supera a desnutrição aguda. Esta seca está liquidando avanços na luta contra a mortalidade infantil”, afirma Oliver Yambi, representante no Quênia do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). As agências da ONU estão encontrando proporções de desnutrição aguda de até 35% das crianças, caracterizada por perda extrema de peso e altura muito pequena para a idade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que quando a desnutrição aguda ultrapassa 15% do coletivo humano significa que foi cruzado a limite crítico ou de emergência. Porcentagens superiores apresentam um estado avançado de desnutrição aguda do qual dificilmente as crianças sairão com vida, pois têm dez vezes mais probabilidade de morrer antes de completar os cinco anos.
Segundo o Unicef, a quantidade de menores de cinco anos com desnutrição aguda aumentou na Somália, de 476 mil em janeiro, para 554.550 em julho. E suas mães não estão em melhor estado. “As crianças não são as únicas que morrem em Dadaab. A mortalidade materna é muito elevada. Estimamos que morrem pelo menos 298 mães para cada cem mil nascidos vivos.
“Os números crescem pela anemia extrema bem como pela relação entre quantidade de pacientes por enfermeira”, disse uma fonte da organização humanitária Oxfam. “Em média, há um posto sanitário para cada 1.700 refugiados, que continuam aumentando”, acrescentou. Dos refugiados no Chifre da África, 80% são mulheres.
A ONU afirmou, em comunicado divulgado no dia 27, que a fome pode causar complicações na gravidez e no parto e elevar o risco de mortes maternas e doenças do recém-nascido. Os especialistas alertam que “eliminar a desnutrição das mães pode reduzir em até um terço as deficiências de seus filhos”.
Os escritórios do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na Somália, Etiópia, Quênia e Djibuti estão adotando medidas de emergência para distribuir suprimentos sanitários e equipamentos médicos entre as populações afetadas. “Isto ajudará a proporcionar tratamentos para salvar vidas de mães e filhos, facilitando partos mais seguros”, diz o comunicado. Envolverde/IPS