Rio de Janeiro, Brasil, 20/9/2011 – O mais jovem país do mundo, Sudão do Sul, busca apoio do Brasil (primeiro Estado que reconheceu sua soberania) para estruturar sua diplomacia e ajudar a desmontar tensões e conflitos persistentes. O Sudão do Sul pretende abrir uma embaixada em Brasília no ano que vem, a primeira no Cone Sul-AmericanoO Brasil poderia ser um “sócio de confiança” para abrir negociações entre o norte e o sul e apoiar a estruturação da diplomacia do novo Estado africano, disse à IPS o responsável da América do Sul do recém-criado Ministério de Assuntos Estrangeiros e de Cooperação Internacional do Sudão do Sul, James Padiet Angok.
“O Brasil foi o primeiro país do mundo a estabelecer relações com o Sudão do Sul, no mesmo dia de sua independência”, disse Angok em entrevista concedida à IPS por ocasião do II Curso para Diplomatas Africanos oferecido pela chancelaria brasileira no Rio de Janeiro. Do curso, que começou no dia 12 e vai o dia 23, participam representantes de África do Sul, Angola, Botsuana, Gana, Namíbia, Nigéria, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
IPS: Como avança a construção da política externa do novo país?
JAMES PADIET ANGOK: Desde nossa independência, em 9 de julho, começamos a desenhar nossa política externa e a determinar em quais países podemos abrir embaixadas. Estabelecemos várias fases: este ano vamos abrir embaixadas nos 21 países onde já tínhamos escritórios e missões diplomáticas, como Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Quênia, África do Sul e Uganda, entre outros. Nesta primeira fase, estamos enviando nossos diplomatas aos escritórios já estabelecidos. Ainda não temos missões na América do Sul. Na segunda fase, vamos elevar o número para 36 embaixadas, e aí entra o Brasil, em 2012. Agregaremos também novas legações em países como Suíça, Holanda e França, na Europa, e Índia, Indonésia, China, Japão e Malásia, na Ásia.
IPS: O senhor participa do II Curso para Diplomatas Africanos oferecido pela chancelaria brasileira no Rio de Janeiro. Por que o interesse? O que pensa que pode dar aos países africanos?
JPO: Somos três participando do curso, e um de nós dará um seminário. Queremos mostrar ao Brasil o contexto com o qual chegamos à nossa independência, conhecer como este país conduz sua diplomacia e encontrar formas de cooperar. Uma das coisas mais importantes que podemos aprender com o Brasil é como preservar a diplomacia da política partidária. O Brasil teve êxito nisso e mantém a tradição de sua política externa. Também nos interessa aprender a parte prática da diplomacia, especialmente em matéria de guerra e de paz, com a finalidade de resolver problemas mediante soluções negociadas, em lugar da violência.
IPS: Acredita que o Brasil pode ajudar a consolidar a diplomacia de seu país?
JPO: Temos interesse em como traduz seus valores no programa de treinamento e formação de diplomatas. Defendo o uso de uma diplomacia profissional, e é isso que vejo no Brasil, e é exatamente o que queremos para o Sudão do Sul. Estamos criando um novo instituto diplomático e descobrimos que o Brasil é um dos melhores em matéria de prática diplomática. Consegue lidar com inúmeros interesses políticos na diplomacia nacional sem que esta se incline pelas posições deste ou daquele partido. E se há uma mudança no governo, isso tampouco altera a política externa.
IPS: Por que aprender com um país em desenvolvimento em lugar de buscar apoio das nações ricas?
JPO: Vemos o Brasil como um país em desenvolvimento e a brecha entre nós não é tão grande. Apresenta-se com uma atitude humilde diante de nós, e assim podemos aprender mais do que com as nações desenvolvidas, que às vezes são muito petulantes. O Brasil é bem-vindo nos países africanos. As pessoas não sabem que o Brasil foi o primeiro país do mundo que estabeleceu relações com o Sudão do Sul, no mesmo dia de nossa independência. Isto é muito significativo.
IPS: O senhor não vê o interesse do Brasil e de suas empresas na África como uma invasão ou uma forma de imperialismo?
JPO: O Brasil é totalmente diferente, é bem-vindo e não se intromete em assuntos internos, não dita ordens a outros Estados. O Brasil só pode aconselhar, dizer como faz as coisas, mas não forçar ninguém, e este é o espírito que buscamos.
IPS: A emancipação do Sudão do Sul após cinco décadas de guerra custou a vida de dois milhões de pessoas, e ainda enfrenta problemas e tensões…
JPO: A construção de uma nação é um desafio. O Sudão do Sul teve de lutar por sua construção nacional, não foi possível consegui-la pela diplomacia e seguiu o caminho da violência. O resultado foi a separação do Sudão, mas esta não resolveu os problemas internos, que se mantêm tanto no norte quanto no sul. Pensamos que podemos avançar com ações diplomáticas. Temos tensões tribais, há muitos fatores, como a divisão de terras e as reservas de petróleo, que podem fazer a violência explodir novamente. Os desafios são enormes e a unidade de nosso povo ainda é muito difícil. No Sudão do Sul, há 61 grupos étnicos que falam outras tantas línguas. A melhor forma é aprender a avançar pelo diálogo e pela negociação. Isso é difícil. Em dez anos, a nova geração, que não esteve envolvida na violência, poderá enfrentar melhor os problemas. Muita gente da geração atual está traumatizada por longos anos de guerra.
IPS: A independência foi oficializada, mas sem que as fronteiras entre norte e sul estejam demarcadas. Como superar esse problema? O senhor defende uma fronteira flexível, em razão dos movimentos de tribos nômades?
JPO: As fronteiras são cruciais no processo pós-independência. Nossa fronteira mais extensa é com o Sudão, com cerca de dois mil quilômetros. É complexo pela questão do petróleo que se encontra nessa área de fronteira, e pelos problemas tribais. Quando um país se divide, se não forem determinados os limites não se sabe qual petróleo pertence a cada parte. A fronteira flexível é complicada e deve ser negociada ou não saberemos como repartir o petróleo de maneira justa. Se deixarmos isto sem resolver haverá mais conflitos. Isto é o que podemos aprender com o Brasil e pode ser de grande ajuda: como negociar. Sabemos que este país não toma partido facilmente. Temos a questão tribal, vinculada às guerras. Há tribos fronteiriças que lutaram com o povo do Sudão do Sul contra o regime de Cartum (capital do Sudão). Ao nos dividirmos, elas pertencem por definição ao norte, mas isso não é fácil para elas. Segundo estatísticas de 2010, a população do Sudão do Sul é de 8,5 milhões de pessoas, e no (disputado território) de Abyei há cerca de 600 mil. Elas são da etnia dinka, originalmente pertencem ao sul, mas de acordo com as fronteiras definidas no Acordo Amplo de Paz de 2005 pertencem ao norte. Elas devem realizar um referendo para decidir, mas este não aconteceu por dificuldades para determinar quem deve votar. Por isto, hoje vemos violência em Abyei. No Estado de Nilo Azul deverá haver uma consulta popular, aprovada pelo parlamento eleito, para determinar se o Acordo amplo lhes dá, ou não, os bons dividendos da paz. Se a resposta for não, podem recomendar o que se deve fazer. Mas a consulta não aconteceu por dificuldades com o censo. Tanto as pessoas de Nilo Azul como do Estado de Kordofán do Sul rejeitam os resultados dos censos. É preciso refazê-los e isso atrasa as consultas populares. É evidente que este assunto é crucial, porque pensam que pertencem mais ao sul do que ao norte. De modo que o dilema que têm agora é aonde pertencem. Isto exigirá muita diplomacia. Essas populações estão armadas há mais de duas décadas. Como dizer-lhes para deporem as armas e voltarem para casa? Está ficando difícil e gerando violência e novos choques.
IPS: Há risco de uma nova guerra civil?
JPO: O risco é real, mas somos nós do Sul que devemos controlar esse risco. Se hoje decidíssemos responder, haveria uma guerra, mas decidimos que agora não é o momento de nos envolvermos em uma nova guerra, nem de nos aventurarmos nos assuntos do Sudão. Todas estas questões devem ser solucionadas pela diplomacia.
IPS: Qual a realidade em matéria de serviços básicos à população?
JPO: Temos um grande problema de segurança alimentar. Não produzimos alimentos suficientes, por isso importamos de Uganda, Quênia e do próprio Sudão. Contudo,, nos últimos dias, o Sudão fechou sua fronteira. Agora não há comércio entre nós e o Sudão. A maior parte do petróleo está no sul, mas os oleodutos seguem para as refinarias no norte. Decidimos que não podíamos fechar esse fluxo. O comércio está interrompido, mas o oleoduto funciona porque, se for fechado, criaremos um grave problema para nosso orçamento, que depende em 99% da venda desse óleo. Cremos que podemos negociar e estabelecer acordos comerciais de maneira que eles reabram sua fronteira e nós consigamos alimentos. O petróleo vai do sul para o norte para ser refinado, mas o combustível não retorna para o sul, então temos de comprá-lo de Etiópia, Uganda e Quênia. Em Yuba (capital do Sudão do Sul) temos escassez de gasolina. De fato, há uma crise. No momento, dependemos de nossos vizinhos. E o Sudão é um vizinho muito importante e devemos negociar com ele. Acreditamos que o Brasil pode ajudar e se converter em um sócio de confiança que atue com neutralidade. É a maneira de tentá-lo. Envolverde/IPS