Arquivo

“O impacto do Wikileaks será percebido em alguns anos”

[media-credit name=”Clarinha Glock/IPS” align=”alignleft” width=”250″][/media-credit]
Kristinn Hrafnsson junto a Natalia Viana, da agência de jornalismo investigativo Pública.
São Paulo, Brasil, 14/7/2011 – Mesmo antes de ser contratado como porta-voz do Wikileaks, em julho de 2010, o jornalista Kristinn Hrafnsson, de 49 anos, percebeu que a nova rede que surgia tinha o poder de provocar transformações com o simples ato de informar a sociedade, começando por seu próprio país, a Islândia. Foi em 2009, enquanto Hrafnsson e outros jornalistas islandeses sentiam o bloqueio à sua tentativa de obter e divulgar notícias sobre os “banksters” (gângsteres bancários) e o colapso econômico provocado no setor, quando recebeu a primeira comunicação do Wikileaks, transnacional e sem fins lucrativos, cujo propósito é tornar públicos documentos confidenciais de empresas e governos.

O Wikileaks e sua principal figura e criador, o australiano Julian Assange, divulgaram, então, uma lista de todos os envolvidos no escândalo dos bancos islandeses, “um tremendo esquema de fraude”, recorda Hrafnsson. “Houve um despertar dos jornalistas da Islândia, e ninguém duvidou da importância do que o Wikileaks estava fazendo”, disse. Esta certeza o mantém até hoje à frente da tarefa de divulgar o “fenômeno Wikileaks” em diferentes países nos quais a organização vai forjando alianças, enquanto Assange permanece em prisão domiciliar na Grã-Bretanha, à espera do resultado de um processo de extradição solicitada pela Suécia para julgá-lo por agressão sexual e violação.

Para Hrafnsson, além do impacto inicial de algumas revelações, os efeitos reais do Wikileaks somente poderão ser avaliados dentro de alguns anos. Foi o que disse à IPS durante sua viagem ao Brasil, onde participou do VI Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado de 30 de junho a 2 de julho em São Paulo, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Na oportunidade anunciou a divulgação de quase três mil documentos da diplomacia norte-americana referentes ao Brasil. Entre eles, 63 despachos do Departamento de Estado dirigidos aos seus diplomatas no Brasil, e 2.919 telegramas enviados a Washington entre 2002 e 2010 pela embaixada em Brasília e pelos consulados de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.

Publicados no dia 11 no site do Wikileaks, e desde junho no portal de sua associada no Brasil, a agência de jornalismo investigativo Pública, estes documentos fazem parte do pacote de 251.287 telegramas norte-americanos que vazaram para o Wikileaks, que começou a divulgá-los no dia 28 de novembro do ano passado. O Wikileaks “desafiou os meios tradicionais e tornou os jornalistas mais audazes, e eles voltaram a fazer perguntas difíceis”, disse Hrafnsson em sua exposição.

Pela primeira vez em muitos anos, diferentes meios de comunicação trabalharam em colaboração, recebendo e retransmitindo as notícias. Já há mais de 70 meios de comunicação analisando estes documentos, afirmou. Terminada a apresentação, Hrafnsson concedeu uma entrevista à IPS.

IPS: Como medir o impacto da divulgação de documentos confidenciais em diferentes países?

KRISTINN HRAFNSSON: Sempre soube que o material que tinha nas mãos causaria um grande efeito. Era difícil dizer de que tipo, como se concretizaria, mas foi extremamente importante ver que a informação que lançamos teve uma repercussão dramática sobre o que ocorria no Oriente Médio com a Primavera Árabe. Quando o material se fez sentir na Tunísia, no começo de dezembro, o presidente Zine El Abidine Ben Ali comandava, desde 1987, um regime muito corrupto. Isso não era surpresa para ninguém na Tunísia, onde já estavam indignados com a falta de liberdade e os problemas econômicos, enquanto o regime corrupto vivia no luxo. Porém, o alcance dessa corrupção e do nepotismo expostos nos telegramas alimentou ainda mais o público e lhe deu coragem para ir às ruas. E também causou impacto, na minha opinião, porque os cidadãos o conheceram na perspectiva alheia, em um informe detalhado enviado pelo Departamento de Estado. “Então eles sabem que tipo de ditador temos. E ainda assim o financiam”, pensaram.

O mesmo se aplica a Hosni Mubarak no Egito, acusado de ordenar torturas nas prisões de seu país. O Wikileaks não provocou a revolução na Tunísia, longe disso. O que a provocou foi o ato de um universitário que colocou fogo em seu corpo como protesto e morreu no dia 4 de janeiro. Dez dias depois, o governo caiu. Contudo, há outro fato: quando estas pessoas se uniram, deixaram de ter medo. Se organizaram em redes sociais, foi a primeira revolução pela internet. E isso se propagou para Egito, Iêmen e Síria. Portanto, vemos resultados em todos os lugares. É comum serem subestimados, apesar de serem tão importantes quanto a queda do Muro de Berlim. Estamos presenciando uma mudança fundamental no mundo árabe. E não são os fundamentalistas islâmicos que a promovem, nem os comunistas. Não tem nada a ver com as ideologias que todos temiam. Tem a ver com os direitos fundamentais básicos de liberdade, é por isso que as pessoas estão lutando. Querem bem-estar econômico, uma parte da riqueza do país e liberdade de expressão, de reunião. Querem democracia.

IPS: De algum modo o Wikileaks proporcionou apoio para perseverarem em suas revoluções?

KH: Absolutamente. Também vimos isso no Egito quando os Estados Unidos quiseram intervir em seus assuntos internos. O então presidente Hosni Mubarak estava em situação muito delicada e Washington pressionou para a escolha de um substituto. Nós divulgamos um comunicado afirmando que se tratava da mesma engrenagem de controle do país.

IPS: Como é a participação do Wikileaks neste processo de mudanças?

KH: Principalmente mediante o conceito geral de dar às pessoas informação a que têm direito, os registros históricos, o que é essencial. Estamos desmitificando os procedimentos diplomáticos. E estamos dando detalhes de uma guerra realizada secretamente. Até agora, só o que conseguíamos arrancar destas guerras era um jornalismo apático. Agora é diferente. Estamos incentivando um novo ideal. Espero que beneficiar as pessoas dessa região, como de outras, possa gerar mudanças. Não posso dar exemplos individuais, é difícil estabelecer uma relação de causa e efeito. Não vou tão longe. Entretanto, de um modo geral, os efeitos estão aí: mudam os sentimentos, a maneira de ver os fatos. E, de muitos modos, só vamos ter uma ideia deste impacto dentro de alguns anos, quando nos dermos conta do que o Wikileaks nos proporcionou. É mais fácil senti-lo do que colocá-lo com exatidão no preto e branco. Envolverde/IPS