Arquivo

“Outro caixão não devolve seres queridos”

Renny Cushing. Foto: Cortesia do entrevistado

Washington, Estados Unidos, 15/9/2011 – Enquanto a pena de morte é alvo de debate em muitos Estados norte-americanos, a voz dos familiares de vítimas de assassinato que se opõem à pena máxima acrescenta uma perspectiva profundamente pessoal à discussão. A IPS conversou com Renny Cushing, fundador e diretor-executivo da organização Famílias de Vítimas de Homicídio pelos Direitos Humanos. Sua campanha sem trégua começou após a morte de seu pai, em 1988.

Cushing foi um dos primeiros a reunir organizações abolicionistas com as vítimas de homicídio. Ele afirma que “outro caixão não devolve nossos seres queridos, apenas deixa outra família quebrada e na dor”. Além disso, é um dos autores de “Dignity Denied: The Experience of Murder Victims’Family Members Who Oppose the Death Penalty” (Dignidade negada: a experiência dos familiares de vítimas de homicídios contrários à pena de morte) e “I Don’t Want Another Kid to Die”(Não quero outro rapaz morto), um conjunto de depoimentos de familiares contra a pena de morte aplicada a menores de idade. Cushing viaja pelos Estados Unidos e pelo mundo defendendo a dignidade universal e os direitos humanos para todos.

IPS: Qual a visão de sua organização?

RENNY CUSHING: A Famílias de Vítimas de Homicídio pelos Direitos Humanos foi criada em 10 de dezembro de 2004, Dia Internacional dos Direitos Humanos, por grupos de famílias com entes queridos mortos por assassinos ou terroristas, ou em execuções extrajudicias, ou ainda “desaparecidos”. Nos opomos à pena de morte por uma questão de direitos humanos e cremos que é um castigo que viola o direito fundamental à vida, artigos 3 e 5 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Estamos nos Estados Unidos, mas comprometidos como o conceito de “abolição sem fronteiras” e nos esforçamos para termos uma presença fora do país para demonstrar que somos solidários com outras nações e outros povos que lutam contra a pena capital.

IPS: Como a solidariedade internacional se expressa?

RC: Nossos representantes viajaram à Coreia do Sul na semana passada para comemorar os cinco mil dias sem execuções. É um país, uma nação e cultura com cinco mil anos de antiguidade e, por isso, foi uma maravilhosa oportunidade para celebrar que, apesar da vigência da pena de morte desde sua independência em 1947, a moratória imposta em 1997 criou um Estado, de fato, sem esse castigo. Desde a primeira vez que viajamos à Coreia do Sul, em 2004, e nos reunimos com legisladores que haviam redigido um projeto de abolição, nos conscientizamos da importância da solidariedade internacional, bem como de somar nossas vozes ao crescente movimento transfronteiriço. Nossa organização integra a Rede para a Abolição da Pena de Morte na Ásia e a Coalizão Mundial contra a Pena de Morte. Uma vez que alguém se converte em sobrevivente do assassinato de um familiar, imediatamente assume uma identidade social que pode se voltar a favor dos direitos humanos. Temos uma participação importante no processo de decisão sobre a pena capital e sobre a resposta que a sociedade dá diante de um homicídio. Há diferenças culturais significativas quando se trabalha no âmbito internacional, e também há um elemento universal relacionado com a dor e a pena que devem ser mobilizados em nossa luta.

IPS: Quais são os elementos universais?

RC: Trabalhamos com vítimas, em particular na Coreia do Sul, com sentimentos muito semelhantes aos que têm os que lutam contra a pena de morte nos Estados Unidos, por exemplo, em relação ao peso que a sociedade coloca nos sobreviventes para buscar uma revanche. Uma mulher cuja filha foi assassinada me disse que costumavam fazê-la se sentir como pecadora por lutar contra a pena de morte quando sua própria filha fora assassinada. Um homem cuja mãe, mulher e filho foram mortos por um assassino serial teve de se mudar e trocar o número de telefone para evitar as consequências sociais de seu trabalho em favor da abolição. Existe um tremendo estigma sobre este tipo de ativismo em nossa sociedade e nossa atividade costuma nos isolar e nos condenar ao ostracismo. Somos considerados psicopatas ou santos. A verdade é que somos pessoas que sofrem um horror indescritível, com vidas que sofreram uma mudança drástica, e concluímos que outro caixão não devolve nossos entes queridos, apenas deixa outra família quebrada e na dor.

IPS: O que pensa de uma sociedade que apoia a pena de morte?

RC: As pessoas têm de saber que se é dado ao Estado o poder de matar seus cidadãos, ele o fará. Se ele pode fazer, então as pessoas e as instituições também têm direito de tirar a vida. As autoridades devem se dar conta de que o exemplo que vem de cima nunca será um símbolo de democracia. Penso que a África do Sul é um grande exemplo. Seu líder máximo, Nelson Mandela, foi condenado à morte e esteve por 27 anos na prisão. Quando saiu, não olhou para trás em busca de vingança. Compreendeu que era muito mais importante acabar de uma vez por todas com o peso do apartheid em seu país. Quando chegou à Presidência, o fez em um novo Estado, um que havia revogado a pena de morte. Somente abolindo a pena de morte conseguiremos salvaguardar, respeitar e defender os direitos das pessoas. Envolverde/IPS