Para o secretário municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo, apesar da dimensão dos problemas, as medidas tomadas já indicam uma mudança de paradigmas.
Quando foi indicado para ocupar o cargo, Eduardo Jorge sabia dos desafios que enfrentaria para implantar projetos sustentáveis em uma cidade das dimensões de São Paulo. Contudo, sua trajetória profissional e política lhe gabaritam para tanto. Médico sanitarista, com especialização em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP), foi militante do movimento estudantil durante o período de ditadura militar (1964-1985). Político de vasta experiência, foi deputado estadual e federal por várias legislaturas entre 1983 e 2003, e, por duas vezes, comandou a pasta da Saúde na capital paulista. Aos 62 anos, encara o desenvolvimento sustentável como “uma mistura de tradição e inovação”. Secretário do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo desde 2005, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho coordenou estudos sobre a emissão de gases estufa na cidade, comandou a implantação de uma usina de energia a partir da captação do metano proveniente de aterros sanitários e participou do polêmico licenciamento do trecho sul do Rodoanel, a maior obra viária do país nas últimas décadas.
Envolverde: Pela experiência prática que tem, o senhor acredita que estamos vivenciando um momento de transição?
Eduardo Jorge: A ideia de desenvolvimento sustentável, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, é quase que revolucionária. Usualmente, as principais decisões políticas eram pensadas apenas pelo viés econômico e social, como se os recursos naturais fossem infinitos. A ideia de desenvolvimento sustentável propõe o equilíbrio das questões de ordem econômica, social, mas também ambiental. Isto é pura inovação. É inovação na forma de viver, de produzir, de consumir, de conviver. Tudo vai mudar. E já está mudando. Os economistas sempre subordinaram as políticas públicas às suas análises. Agora, terão que sentar à mesa em pés de igualdade com as condicionantes socioambientais.
De que maneira os municípios podem cooperar com o desenvolvimento sustentável, principalmente em se tratando de uma cidade complexa como São Paulo?
São Paulo é uma cidade complexa para o bem e para o mal. Historicamente, ela exerceu uma posição de liderança na formação do capitalismo no país e hoje convive com o desafio de liderar também o desenvolvimento sustentável. Em 2005, completamos um estudo sobre a emissão de gases de efeito estufa na cidade. Sem um diagnóstico como esse, as medidas de combate ao aquecimento global ficavam muito abstratas. Hoje, São Paulo conta com um inventário de quase 800 páginas sobre o assunto. Constatamos que 24% dos gases-estufa produzidos no município provêm do manejo do lixo e 75% estão ligados à energia. Desse montante, 90% vem da queima dos combustíveis fósseis. A partir destes números, torna-se possível tomar medidas mais efetivas.
Que medidas estão sendo adotadas para reparar e prevenir essas emissões?
Por meio desses estudos, percebemos que seria necessário captar o metano proveniente dos aterros sanitários. São Paulo é hoje referência nacional no assunto. Fizemos então uma licitação, vencida por uma empresa brasileiro-holandesa, que está captando o gás e mandando-o para uma usina, onde é transformado em energia elétrica. A usina, localizada na zona leste da cidade, já é a maior do mundo nesse gênero. De 2008 para cá, esse projeto vem gerando energia elétrica para aproximadamente 600 mil pessoas. Recentemente, a ONU realizou uma auditoria e autorizou a venda dos créditos de carbono. Já arrecadamos mais de R$ 75 milhões, que foram revertidos para projetos socioambientais da cidade.
A arrecadação com os créditos de carbono vem sendo proporcionalmente considerável para o município?
A prefeitura não gastou praticamente nada com esse projeto. Oferecemos a estrutura dos aterros para as empresas que quisessem captar os gases e vender a energia elétrica. Além disso, em São Paulo, dividimos os créditos de carbono na proporção de 50% com essas empresas. Medidas como estas são viáveis para qualquer cidade de mais de 500 mil habitantes. O Rio de Janeiro acabou de fazer algo semelhante no aterro de Gramacho (maior aterro sanitário da América Latina, que fica no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense). Já as cidades menores devem fazer consórcios para equipar os aterros, captar o gás e também vender os créditos.
E, no caso das emissões provenientes da queima dos combustíveis fósseis, que medidas o senhor considera mais efetivas até agora?
As ações mais relevantes vêm sendo tomadas em parceria com a Secretaria dos Transportes. O município está investindo na expansão do transporte coletivo, tanto quantitativamente quanto qualitativamente. Temos que nos livrar dessa doença que são os combustíveis fósseis e migrar para energias mais limpas. Atualmente, o secretário municipal de Transporte, Marcelo Branco, vem comandando sete experiências nesse sentido. Uma delas é a implantação da primeira frota de etanol no transporte público brasileiro. Outro exemplo é a recuperação e a modernização dos nossos trólebus, que são campeões no uso de energia limpa.
O senhor acredita que os investimentos atuais no setor de transportes estão sendo suficientes para atender as demandas do município?
É importante considerar que essas medidas apontam uma mudança de paradigma. Para chegar a esse projeto da frota movida a etanol, foram necessários ao menos três anos de estudos. Firmamos convênios com a Suécia e com a Universidade de São Paulo para internalizar experiências para que os ônibus tivessem a eficiência necessária. O diesel “barato” para o setor de transportes se torna muito caro para o Sistema Único de Saúde (SUS). Já temos 60 ônibus desse tipo rodando e devemos ter mais 40 até o fim deste ano. Temos uma frota total em São Paulo de 15 mil ônibus, a qual certamente está entre as maiores do mundo. As medidas adotadas podem parecer pequenas perante as necessidades do município, mas já é um primeiro passo. Para se chegar ao patamar ideal é preciso começar.
O senhor mencionou que o projeto da frota movida a etanol foi uma parceria entre a Secretaria Municipal dos Transportes e a do Meio Ambiente. Como se dá a articulação da Secretaria que o senhor comanda com as demais?
A Secretaria do Meio Ambiente é ainda relativamente pequena, embora nosso orçamento tenha saído dos R$ 70 milhões, em 2005, para R$ 330 milhões neste ano. Representávamos 0,4% do orçamento e hoje alcançamos 1%. Mas ainda é pouco. O que vem acontecendo de importante na cidade é que o prefeito, que é o maestro da orquestra, vem dando a orientação para que as outras secretarias consultem e ouçam a Secretaria do Meio Ambiente. Em 2006, por exemplo, firmamos uma parceria com a Secretaria da Saúde, que recebe, junto com a da Educação, quase 50% do orçamento total do município, para a implantação de um projeto de meio ambiente e promoção da saúde junto aos agentes comunitários das nossas 1.200 equipes de saúde da família. Durante um ano, orientamos os agentes sobre questões como a destinação correta do lixo, alimentação, zoonoses, dentre outras. Este diálogo com as outras secretarias vem aumentando. Inclusive, está havendo um maior contato com os governos estadual e federal, o que torna nossas ações mais efetivas.
Como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente vem se articulando com as esferas estadual e federal? Que ações práticas estão acontecendo nesse sentido?
Nosso contato com as outras esferas de governo vem crescendo. Recentemente, por exemplo, junto ao então secretário estadual de Meio Ambiente, José Goldemberg, fizemos o licenciamento do trecho sul do Rodoanel, o que foi algo dificílimo de fazer. As secretarias municipal e estadual atuaram em conjunto. Contudo, a principal medida a ser tomada é a municipalização da fiscalização e do licenciamento ambiental.
Muitos especialistas criticam a municipalização desses serviços. Por que o senhor acredita que este seria um bom caminho?
Veja, o mesmo exemplo se dá com a saúde e a educação. Imagine se Brasília quisesse fazer um programa de educação fundamental e de assistência básica do Amapá ao Rio Grande do Sul. Haveria aí uma impossibilidade física. No entanto, a municipalização da fiscalização e do licenciamento ambiental ainda está engatinhando. São necessários aportes de recursos, de pessoal e de tecnologia. Os primeiros passos já estão sendo dados, mas ainda tem gente que não acredita que a municipalização seja o caminho. Muitos dizem que os municípios não são isentos e confiáveis para isso. O que é uma visão equivocada do processo.
O senhor mencionou que o licenciamento do trecho sul do Rodoanel foi algo dificílimo de ser feito. A que o senhor atribui essa dificuldade?
O Rodoanel é um exemplo prático para ambientalistas, ONGs, governos e empresários de como se deve julgar uma obra desse porte pelo critério do desenvolvimento sustentável. A grande dificuldade foi ponderar os componentes econômicos, sociais e ambientais em igual importância.
E o senhor acredita que a obra do Rodoanel conseguiu dar o devido equilíbrio a essas questões?
Olha, essa questão de desenvolvimento sustentável que a ONU vem firmando é algo muito recente. Cada obra que se licencia é um aprendizado.