Cairo, Egito, 22/7/2011 – Quase seis meses depois da revolta popular que levou à renúncia do presidente do Egito Hosni Mubarak, parece ter chegado ao fim a lua de mel entre esses manifestantes e o governo interino do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), a princípio considerado “defensor da revolução”. “A confiança das pessoas no CSFA, ao parecer incapaz ou sem vontade de atender nossos problemas, atingiu seu ponto mais baixo”, disse Abdel Rahman Abu Zeid, porta-voz dos manifestantes que acampam na Praça Tahrir, no Cairo. Desde o dia 8, os manifestantes voltaram em massa à histórica Praça.
Centenas de milhares se concentraram por alguns dias para protestar contra a incapacidade do Conselho para encaminhar soluções para as principais reclamações da revolução. “Se não podem atender as demandas, devem renunciar”, disse a Coalizão Juvenil Revolucionária, integrada por várias organizações que tiveram um papel importante na revolta do começo do ano. “O povo egípcio representa a única fonte de autoridade, a concede e pode retirá-la”, acrescentou. O CSFA governa o país desde a partida de Mubarak em fevereiro, após 18 dias de protestos.
Os manifestantes querem um imediato fim do uso da força para dispersar atividades de rua. Centenas de pessoas foram feridas no mês passado, quando a polícia disparou balas de borracha e lançou gás lacrimogêneo para dissolver um protesto no Cairo, feito por familiares das pessoas mortas no começo do ano. “A dura agressão, como não se via desde os dias da revolução, enfureceu a população”, disse Abu Zeid.
Eles também querem que os funcionários do regime anterior sejam rapidamente processados, em especial Mubarak e seus aliados mais próximos, bem como dos integrantes das forças de segurança implicadas nos assassinatos de civis. “Ninguém vê Mubarak há semanas. Nem mesmo sabemos se está preso”, disse Sherif Mekawi, um dos líderes do liberal Partido al-Ghad. “Também disseram que processaram o ex-ministro do Interior, mas ninguém o viu nos últimos tempos”, acrescentou à IPS.
Um tribunal egípcio determinou no começo deste mês que três ex-ministros do regime anterior, e muito próximos de Mubarak, eram inocentes da acusação de corrupção. No dia seguinte, um tribunal da cidade de Suez permitiu o pagamento de fiança para sete policiais acusados de participarem da morte de manifestantes. “As decisões judiciais avivaram o mal-estar da opinião pública e levou as pessoas novamente à praça Tahri, onde expressaram seu crescente descontentamento”, disse Mekawi.
Outra reclamação dos manifestantes é que se deixe de julgar civis em tribunais militares, uma prática comum no regime passado. Desde a revolução, centenas de jovens receberam penas de prisão, alguns de até cinco anos. “Os únicos processados em tribunais militares são manifestantes, quando ex-funcionários do regime é que deveriam ser julgados”, lamentou Mekawi. Em plena revolução, as Forças Armadas do Egito foram elogiadas pela população, pois claramente se puseram do lado dos manifestantes.
O slogan “o povo e o exército são um só” foi repetido muitas vezes nas manifestações. No entanto, diante do não atendimento das principais reclamações, o sentimento de camaradagem esfriou. “As pessoas não sentem uma mudança verdadeira”, disse Khaled Mohammad, estudante universitário de 26 anos, que teve um papel ativo nas manifestações da Praça Tahrir. “Sentimos que trocamos um Mubarak por 18 Mubaraks”, disse à IPS referindo-se à quantidade de integrantes do CSFA.
Agora, as frases que se ouve são “abaixo o marechal de campo”, em alusão ao presidente do CSFA, Mohammad Tantawi, que durante anos foi ministro da Defesa. “Antes, víamos Tantawi como protetor da revolução, mas, seis meses depois, parece governar o país com a mesma característica autocrática de Mubarak”, disse Mohammad. Os manifestantes agora querem que o conselho militar seja substituído por um civil, que sejam eliminados os governantes do regime de Mubarak e se “purgue” a justiça e a mídia de remanescentes do período anterior. “Se o CSFA quer recuperar a confiança da população deve atender as reclamações”, insistiu Abu Zeid.
O conselho divulgou no dia 12 um duro comunicado, pouco comum por seu tom, destacando que rechaça qualquer tentativa de “tomada” do poder. Também declarou que não renunciará ao seu papel de governante até a realização das eleições parlamentares no final deste ano e alertou os manifestantes a não interferirem no funcionamento do Estado e de suas instituições. “O conselho ameaçou de forma tácita dispersar os protestos à força. Foi inesperado e totalmente inaceitável para os manifestantes”, disse Abu Zeid.
O primeiro-ministro, Essam Sharaf, anunciou algumas medidas para tentar aplacar o mal estar popular. No dia 13 deste mês, destituiu mais de 500 policiais acusados de participarem da morte de manifestantes no começo do ano. Também prometeu realizar algumas mudanças no gabinete, remover todos os governadores da época de Mubarak e transmitir pela televisão os julgamentos de ex-funcionários do regime. Nesse mesmo dia, Sharaf aceitou a renúncia do primeiro-ministro adjunto, Yehia al-Gamal.
No dia 28, o chanceler, Mohammad al-Orabi, designado pelo CSFA, também apresentou sua demissão. Mas as medidas não acalmaram os manifestantes. “São ações cosméticas”, disse Abu Zeid. “Sharaf demorou quatro meses para tomar medidas simples e sob pressão popular. Perdeu toda credibilidade. Respeitamos as forças armadas do Egito enquanto instituição e também o CSFA, mas só se atender as aspirações populares”, ressaltou. Organizações sociais convocaram para hoje outra manifestação do milhão de homens, como a de fevereiro na Praça Tahrir, em apoio às suas demandas. Envolverde/IPS