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Como sempre, os Estados Unidos apostam nas ditaduras do Oriente Médio

Na praça Tahrir, no Cairo. Foto: Mohammed Omer/IPS
Na praça Tahrir, no Cairo. Foto: Mohammed Omer/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 12/1/2015 – Por um momento, há quatro anos, parecia que os ditadores do Oriente Médio logo seriam uma coisa do passado. Na época, parecia que os Estados Unidos teriam que dar provas de seu declarado apoio à democracia, enquanto milhões de tunisianos, egípcios, barenitas, iemenitas e demais se rebelavam contra a repressão de seus governantes. Muitos desses autocratas contavam com o apoio de Washington, oferecendo em troca a “estabilidade” em seus países.

Entretanto, nem mesmo a queda de vários governos conseguiu desbaratar a política de apoio aos ditadores amigos que os Estados Unidos aplicam há décadas. Washington redobrou o fornecimento constante de armas e fundos para os países dispostos a apoiar os interesses estratégicos norte-americanos, independente da forma com tratam seus cidadãos.

Por exemplo, quatro anos depois da queda do ditador egípcio Hosni Mubarak (1981-2011), o Egito tem, novamente, um presidente de carreira militar e uma tolerância ainda menor com a oposição política do que seu antecessor. As numerosas detenções e as condenações precipitadas de ativistas políticos, dos quais mais de mil foram condenados à morte, voltaram a despertar o temor que os egípcios acreditavam ter desaparecido para sempre após a queda de Mubarak e a realização de eleições democráticas.

Quando as forças armadas, comandadas pelo atual presidente, Abdel Fatah al Sisi, depuseram o presidente democraticamente eleito, Mohamed Morsi, em julho de 2013, o governo de Barack Obama duvidou quanto a suspender a ajuda militar ao Egito, algo que as leis norte-americanas exigem no caso de um golpe de Estado. Mas, apesar de algumas suspensões parciais e temporárias, Washington não cessou o envio de seus equipamentos militares.

Agora que Sisi lidera um governo nominalmente civil, instalado mediante um simulacro de eleições com o voto de uma pequena maioria, os Estados Unidos levantaram todas as restrições à ajuda, que inclui helicópteros militares Apache empregados para intimidar e atacar os manifestantes. “Os Apache virão, e virão muito, muito em breve”, prometeu o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, em junho de 2014, um mês depois da eleição de Sisi.

No pequeno reino do Bahrein continuam as manifestações que começaram em fevereiro de 2011 por uma reforma constitucional, apesar de o governo tentar silenciar a oposição com todos os meios à sua disposição, desde armas até prisão perpétua. Em todo este processo, Washington tratou esse país como se fosse um aliado respeitável.

Em 2011, por exemplo, apenas dias depois que as forças de segurança barenitas responderam com balas aos manifestantes em Manama, em um ataque que deixou quatro mortos e numerosos feridos, Obama elogiou o “compromisso reformista” do rei Hamad bin Isa Al Jalifa. A Casa Branca também não objetou quando foi informada de que 1.200 soldados da Arábia Saudita entrariam no Bahrein para sufocar os protestos de março de 2011. Desde então, não param de chegar notícias preocupantes.

Um informe do Departamento de Estado de 2013 reconheceu que o Bahrein revoga a cidadania dos ativistas destacados, realiza prisões com acusações vagas, tortura os presos e pratica a “privação arbitrária da vida”, um eufemismo que significa matar pessoas. E quais foram as consequências?

Em 2012, a pressão internacional obrigou os Estados Unidos a proibirem a venda de gás lacrimogêneo norte-americano para as forças de segurança do Bahrein. Em agosto de 2014, Washington suspendeu parte de sua ajuda militar quando o regime expulsou um diplomata norte-americano por manter reuniões com membros de um partido opositor. Mas isso foi tudo.

A suspensão do envio de tanques, aviões e gás lacrimogêneo é pouco mais do que um puxão de orelha quando a quinta frota da marinha dos Estados Unidos mantém sua sede na costa da capital barenita. E a participação do Bahrein nos ataques aéreos contra o grupo extremista Estado Islâmico só fez fortalecer o vínculo entre o regime e a Casa Branca.

De fato, a crise no Iraque e na Síria reforçou a estratégia militarista predominante que Washington aplica no Oriente Médio há muito tempo. Todo governo disposto a aderir a esta nova frente na “guerra contra o terrorismo” será beneficiado com a generosidade norte-americana e com passe livre para reprimir.

A reclamação popular no Oriente Médio deve estar lado a lado com uma reclamação popular nos Estados Unidos que faça tremer as bases da política externa de Washington. Agora que começou novo ano, é nossa vez de superar o medo e insistir em que outro caminho é possível.

* Amanda Ufheil-Somers é editora-adjunta da Middle Easty Report, uma publicação do Projeto de Pesquisa e Informação sobre o Oriente Médio, merip.org. Este artigo foi publicado originalmente em Otherwords.org. As opiniões nele expressas são responsabilidade da autora e não representam necessariamente as da IPS, nem a esta podem ser atribuídas.