Sociedade

Consequência do turismo em massa, falta de planejamento, educação ou respeito?

Por Renata G. Ferreira –

Uma história familiar

Crescimento desordenado não é um problema atual, e muito menos apenas do turismo, vemos os diversos problemas que as grandes cidades enfrentam devido a massiva população, mas, convenhamos que nesses lugares há praticamente um acordo mútuo em abrir mão de qualidade de vida em pró da urbanização.

Agora, o que acontece quando você mora em uma pequena cidade, silenciosa, linda, preservada, cheia de natureza, então, uma pessoa descobre este lugar e, cada vez mais pessoas começam a visitar, usufruir, para depois partir. Começam as especulações imobiliárias, moradores locais perdem suas terras para estradas novas, hotéis, casas de luxo, e agora a maneira de sobrevivência é trabalhar justamente para estes estabelecimentos, onde uma grande parte das vezes será através de grandes cargas de horário e salário baixo.

Aquele silêncio e beleza é tomado por muitas pessoas, que se espremem nas atrações, trazem poluição sonora, e deixam seus lixos na cidade que por ser pequena, muitas vezes não tem destino correto para dos resíduos sólidos e nem para o esgoto. Aquelas áreas que foram desmatadas e, aqueles rios que foram soterrados para a construção imobiliária, agora têm enormes casas abandonadas ou alugadas pelos seus donos que procuram o próximo lugar exclusivo, e os turistas de apenas um final de semana aumentam, deixando mais impacto do que benefícios para uma cidade que já está com recursos degradados.

Essa história lhe soa familiar?

Restrições e turismofobia

Está é uma cena comum em lugares paradisíacos no mundo todo, a ponto de ser necessário criar medidas e limites para a entrada de turistas, como em Fernando de Noronha (Brasil), Veneza (Itália), Maiorca (Espanhã), entre outros. Este ano a Indonésia decretou que a Ilha de Komodo estará fechada temporariamente para visitação, a fim de recuperar a população dos dragões, espécie de lagarto, que tem sofrido, tanto com o estresse de número de visitantes, como com a perda de suas fontes de alimento, e também a venda para o mercado negro.

Estes impactos são tão fortes que em alguns lugares vemos o desenvolvimento  da turismofobia: “…o medo, aversão ou rejeição social sentida pelos cidadãos locais de um destino turístico, por estar ligado a um perigo real ou imaginário, causando no indivíduo um comportamento de evitação.”

Planejamento, educação ou respeito

Sem dúvidas nossa população mundial está crescendo, e sem dúvidas, os meios de transportes e outras facilidades fará com que as pessoas aumentem suas viagens. Em 2018 tivemos 1,4 bilhão de chegadas internacionais no mundo todo, e a OMT espera que em 2030 este número seja de 1,8 bilhão.

A falta ou quebra de regras de planejamento a nível governamental faz com que áreas fiquem desprotegidas, sendo alvo fácil para as construtoras que têm como objetivo aumentar a sua lucratividade, Camboriú-SC é apenas um exemplo desse fenômeno, onde mesmo com a Lei nº 4771/65 determinando uma faixa de 30m ao longo das margens de rio e córregos, foi aprovado a lei de zoneamento municipal com apenas 15m de distância.

Também podemos ver que há poucos estudos na área de prevenção, onde as cidades façam as estimativas de crescimento e, antecipem algumas ações necessárias. Cidades praianas como Paraty-RJ e Caraíva-BA, que foram construídas sem tratamento de esgoto, hoje recebem um grande número de turistas e, muitas construções ilegais, fazendo com que parte de suas águas e lençóis estejam poluídos. Apesar de hoje Paraty contar com um planejamento onde todas construções novas precisam ter fossas biodigestoras, minimizando os novos impactos, ainda não há uma adaptação da cidade toda para o tratamento correto de seus dejetos, ou ações preventivas, como limite de circulação na cidade ou nas APP da região.

A falta de educação sobre os impactos do turismo também faz com que as atrações e sua seus habitantes acabem sofrendo consequências, seja por que não sabem como proteger as suas áreas, seja por que recebem turistas que acabam apenas por explorar e, gerar impactos negativos ao invés de preservar a área. Exemplos disso é a Baía Maya, na Tailândia, que passou a receber 5 mil turistas por dia, onde o excesso de protetor solar e lixo estavam gerando grandes impactos na vida marinha do local, sendo necessário sua interdição para visitas, no início com prazo de 4 meses, mas que agora já foi estendida para ao menos 3 anos.

Agências e atrações de turismo têm um papel fundamental nessa educação dos visitantes e, até mesmo da população local, mas via de regra não é isso que vemos, um interessante estudo feito com agências de ecoturismo, mostra que apenas 25% dos entrevistados possuem na sua comunicação informações sobre o compromisso ambiental da empresa, e que grande parte dos destinos usados pela agência não possuem programas de controle de água ou energia.

Por fim, cabe questionar o respeito pela local e seus moradores por parte do governo, empresários e visitantes. O turismo muitas vezes significa que a população de uma cidade pequena e simples, receberá investidores de grande porte, empreendedores de outras cidades com capital para novos negócios, e ficarão marginalizados se não houver um plano de ação e, consciência de que o turista é um visitante que deve deixar o lugar igual ou melhor do que encontrou.

Vemos que não existe solução fácil ou individual, mas sim a necessidade de um plano de ação conjunto, onde vejamos os destinos e sua comunidade saudáveis a longo prazo.

 

Renata G. Fereira – É graduada em psicologia e pós-graduada em Negócios da Moda, direcionou suas formações para a sustentabilidade, escrevendo artigos em blog e desenvolvendo projetos para moda sustentável.

Após conhecer algumas iniciativas no Brasil e na ânsia de descobrir novas, em 2018 iniciou o blog Por Um Recomeço, onde através de viagens e experiências registra projetos sustentáveis e aborda sobre mudanças de comportamentos necessárias para uma vida mais integrada.

Hoje ela vive em Paraty, onde toca um novo projeto de ecoturismo.

#Envolverde