Ambiente

COP25 - Negociações precisam envolver a sociedade

abe aquela sensação de que discursos são mais fortes do que as ações na prática? Bem, foi esta atmosfera que tomou praticamente conta do final das negociações oficiais da Conferência sobre Mudanças do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-25/ONU), que começou no dia 2 e terminou neste domingo (15), com uma prorrogação de dois dias, e resultou no Acordo “Chile-Madri, Hora de Agir”.  A impressão passada é de que muitos líderes, entre as 200 nações participantes, ainda precisam tomar consciência de que existe uma crise climática atestada pela Ciência e fatos do cotidiano no planeta. Por outro lado, o que foi um alento aconteceu no lado de fora, com o protagonismo da sociedade nesta agenda!

Nicole Figueiredo de Oliveira - 350.org AL - COP25
Nicole de Oliveira. Foto: Arquivo pessoal

“Ao mesmo tempo, foi importante observar que uma grande parte dos chefes de delegação dos ministros reivindicou em Madri maior ambição e teria apoiado decisões mais fortes”, analisa Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org no Brasil e América Latina. Este é um indicador que pode ter passado despercebido pela maioria dos analistas, segundo ela. E destaca – “Um ponto importante foi a ampliação de um ativismo cidadão que cobra posturas, mas dá também exemplos”.

O acordo na COP-25,  apesar dos desafios, reconheceu as ações climáticas de atores não-governamentais. “E apresenta um convite para que estes atores da sociedade aumentem e generalizem estratégias compatíveis com o clima. As discussões mostraram que são as pessoas e suas preocupações que devem estar no centro das respostas climáticas”, destaca Nicole.

Nações poluidoras ainda são resistentes

Mas não há como negar, que os países mais poluidores ainda são resistentes em se repaginar para uma economia de baixo carbono. Neste ano, China, EUA, Índia, Rússia, Brasil e Austrália foram as principais nações que fizeram literalmente um papelão, neste contexto! Como tem se repetido historicamente, os países mais vulneráveis tiveram um desempenho mais proativo na agenda. Quanto a maiores ambições dos planos climáticos das nações, só saberemos na COP-26, que ocorrerá no final de 2020, em Glasgow, na Escócia. Mais postergações. Será que há tempo?

Por isso, no campo oficial, uma sensação de frustração tomou conta, no domingo (15/12), em Madri, na Espanha, diante desta conjuntura. Pouco se avançou em comprometimentos ‘mais concretos’ de redução de emissões de gases de efeito estufa e quanto ao financiamento de ações de combate aos efeitos das mudanças climáticas em países mais pobres e em desenvolvimento. Reivindicações que se estendem por anos a fio, nesta arena geopolítica. Desde o Acordo de Paris, em 2015, na COP-22, se tenta tecer estes avanços.

Planos climáticos devem ser mais ambiciosos

Somente 84 países se comprometeram efetivamente a apresentar planos mais eficientes de combate às mudanças climáticas, no ano que vem, mas isso não quer dizer que implementarão e a tempo. O dever de casa é o seguinte: sair da matriz energética com combustíveis fósseis para limpas e renováveis e combater desmatamentos, entre outras causas do aumento de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Neste anúncio, se destacaram Alemanha, Espanha, França e Reino Unido e, de uma maneira geral, a União Europeia. Já os gigantes poluidores – China, EUA (que saiu agora do Acordo de Paris), Índia e Rússia, que respondem juntos, por aproximadamente 55% das emissões, não se posicionaram neste avanço de ações.

A conta não fecha

Se todos os planos das nações do mundo, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas  (iNDC) fossem realmente efetivados rumo à energia de baixo carbono, do jeito que estão atualmente, o resultado é alarmante. Segundo a ONU, levarão no mínimo a um aumento de 3,2 graus C na temperatura média do planeta, contra os 1,5 graus C almejados até o final do século comparativamente aos níveis pré-industriais. Este limite é alerta de centenas de cientistas do IPCC.

Como entender o quebra-cabeças climático

Devido aos avanços insuficientes para economias de baixo carbono, os principais tópicos das negociações climáticas ficaram postergados para a COP-26. Enquanto isto, o planeta está ficando mais quente e os eventos extremos se tornam mais frequentes, aumentando o número de migrantes climáticos pelo planeta. Relatórios especiais do IPCC que antecederam a conferência, fizeram este alerta. Entre eles, sobre do porquê do limite de 1,5 º C do aumento na temperatura média do planeta até o final do século; quanto à relação do uso da terra com as mudanças climáticas e sobre os oceanos. Estes dois últimos temas, inclusive, serão discutidos em junho do ano que vem com mais profundidade. O Acordo “Chile-Madri, hora de agir” reforça que os governos devem pautar suas políticas climáticas nas recomendações dos cientistas.

“As pessoas estão acordando para a crise climática, e os relatórios preocupantes são um lembrete da complexidade do problema”, considera Nicole, da 350.org América Latina.

O Brasil na COP-25

Extra-oficialmente, o Brasil teve uma performance avaliada como de retrocessos nas negociações climáticas, que lhe rendeu o “Prêmio Fóssil Colossal”, concedido pela organização não Governamental (ONG) Climate Action Network, por ter sido a nação que menos fez pelo clima neste ano, principalmente por causa do aumento das taxas de desmatamento. Durante o evento, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles colocou obstáculos principalmente relacionados a pontos dos temas dos relatórios – uso do solo e oceanos relacionados às mudanças climáticas, o que acabou criando um debate que refletiu na dificuldade do acordo.

Polêmico Mercado de Carbono

Um dos principais impasses, durante à COP-25, foi quanto à regulação do mercado de carbono (mecanismo que os países que não cumprem suas metas de redução de emissões compensem ao pagar a países que fizeram sua parte na redução), previsto no artigo 6º do Acordo de Paris. Um assunto polêmico, longe de ser consenso, que ficou de ser discutido novamente, na próxima COP. A meta principal é de reduzir as emissões de CO2 em quase 50% até 2030, em relação à 2010.

Nicole Figueiredo afirma que o artigo 6º ao estabelecer os mecanismos de mercado de carbono não evitam contaminação e violação de direitos humanos. “Tornam-se uma ficção para especular com as mudanças climáticas. Por isso, consideramos positivo que não tenham sido aprovados no acordo desta conferência”, afirma. Ao mesmo tempo esse desfecho vem ao encontro das reivindicações constantes na carta climática indígena resultante da Cúpula do Clima Indígena (Minga indígena)  também realizada em Madri, e entregue à coordenação da COP-25 oficial.

Fundo de adaptação 

A carência de ações mais contundentes para atender o aspecto humano da crise climática é um dos pontos mais críticos na conferência. O Fundo de Adaptação, também criado em 2009 e gerenciado pelo Banco Mundial, deve auxiliar os países a se adaptarem às mudanças climáticas. Até hoje conseguiu destinar US$ 720 milhões a 100 projetos. Este mecanismo financeiro recebe doações privadas e de governos, mas tem como sua principal fonte a taxação de 2% sobre o comércio de crédito de carbono, que não está regulamentado. Com isso, existe uma série de contradições a serem superadas para que haja a chamada justiça climática.

Propostas positivas na COP-25

Apesar do quadro geral reticente da maior parte das nações poluidoras, algumas metas interessantes foram acordadas. Uma delas foi a de se constituir um novo Plano de Ação de Gênero, que deverá ser revisado em 2025. A meta é a ampliação da participação feminina nas negociações climáticas internacionais e promover seu papel como agentes da mudança rumo a um mundo livre de emissões.

Pelo menos na intenção, o acordo climático da COP-25 prevê a criação de diretrizes para o Fundo Verde do Clima, criado em 2010, para que, pela primeira vez, destine recursos às perdas dos países mais vulneráveis a fenômenos climáticos, que inclui os insulares. Esta reivindicação se estende há anos e se torna cada vez mais prioritária diante dos eventos extremos.

Só para compreender, a situação é a seguinte: desde o Acordo de Paris, em 2015, ficou estabelecido que seriam levantados US$ 100 bilhões por ano até 2025 para este fundo. Algo que não aconteceu. Hoje tem na casa de US$ 10,3 bilhões, provenientes de doações de diferentes países, que já estão sendo aplicados em projetos e já aplicou anteriormente US$ 20,6 bilhões.

Outra novidade, no documento, foi a criação da Rede de Santiago, que deverá levar assistência técnica de organizações e especialistas a esses países vulneráveis.

Protagonismo indígena

Já do lado de fora desta arena oficial das negociações entre as nações, cidadãos comuns, organizações não governamentais, cientistas, empreendedores e gestores públicos teceram diálogos e mobilizações mais assertivas quanto a medidas proativas na agenda climática. Um desses exemplos foi a Minga Indígena COP-25.

A juventude também fez várias cobranças aos líderes de governos, dando continuidade a manifestações que ganham projeção, desde o ano passado, com o Fridays for Future, que tem como liderança, a sueca Greta Thunberg.

E foi neste “clima”, que mais uma conferência climática foi realizada refletindo o quanto a consciência por parte da sociedade de aumentar seu protagonismo é crucial nesta agenda que interfere no mundo que deixaremos às futuras gerações e que futuras gerações deixaremos neste planeta. Afinal, se trata de responsabilidades compartilhadas! E no texto do acordo existe uma esperança que esta participação entre na agenda oficial. O documento reconhece a importância dos atores não governamentais na ação climática e os convida a ampliar as ações para combater o problema. Agora, é ver como isso tudo acontecerá na prática, quebrando muros!

Sobre a 350.org e as mudanças climáticas

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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