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Energia regula destino político da presidente Dilma Rousseff

Construção da hidrelétrica de Santo Antônio, na Amazônia, uma das megacentrais com que o Brasil busca atender sua voracidade energética. Foto: Mario Osava /IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 8/2/2013 – Corrigir a anomalia de uma eletricidade caríssima, apesar de gerada pela fonte mais barata, a hidráulica, é o novo desafio da presidente Dilma Rousseff, cuja carreira política decolou precisamente por sua elogiada gestão do setor energético. A conjuntura é adversa. A escassez de chuvas em 2012 aumentou o custo da geração elétrica, ao forçar no último trimestre a ativação das usinas térmicas de petróleo que complementam o aporte das centrais hidrelétricas durante as secas.

Ainda assim, o governo cumpriu sua promessa de reduzir o preço da eletricidade, um dos mais altos do mundo. Dilma anunciou, no dia 23 de janeiro, redução de 18% para o consumo residencial e de até 32% para o industrial. “O governo quer revogar a lei da oferta e da procura por decreto”, com o contrassenso de reduzir tarifas e assim estimular o consumo, quando há escassez de energia, disse à IPS o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires.

No futuro terão que voltar a subir porque as centrais térmicas “cobrarão sua conta” ao operar mais tempo devido à previsível insuficiência de chuvas para encher as represas durante o verão, acrescentou o economista. Pires considera que a energia é cara no Brasil por falta de estímulos à oferta e à competição no setor, além de “práticas monopólicas” e de elevados impostos.

Por razões opostas, Roberto D’Araújo, diretor do Ilumina Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético, acrescentou outras críticas. O governo “está desmantelando o sistema elétrico brasileiro ao usar as empresas estatais” para atender demandas dos industriais de São Paulo, disse à IPS.

D’Araújo calcula que a estatal Furnas, onde foi chefe do Departamento de Estudos Energéticos, perderá 60% de sua renda ao cumprir as medidas governamentais, e não será a mais afetada. As empresas de eletricidade sob controle do Estado operam em nível nacional, como Furnas, ou regional, e todas têm participação minoritária privada, por isso a maioria é cotada na bolsa de valores.

O alívio nas contas de luz provém de subsídios e de empresas estatais que operam velhas centrais hidrelétricas com concessões que caducariam entre 2015 e 2017. O governo propôs prorrogá-las em troca de indenizações e redução tarifária de mais de 90% em alguns casos.

Algumas destas empresas, situadas em Estados governados pela oposição, rechaçaram a medida, mas, por serem dependentes do poder central, tiveram que acatá-la e ver desmoronar sua cotação na bolsa e sua capacidade de investimento. Furnas, que fornece 10% da eletricidade do país, vê agravar sua situação. Possui 1.700 funcionários com idade para se aposentarem este ano, e terá que promover demissões para adaptar-se à redução tarifária.

Com isso estará se privado de “inteligência, de gente com experiência”, lamentou D’Araújo, um defensor da energia como serviço público em um “monopólio natural” no Brasil, pelo predomínio das hidrelétricas. Os preços da eletricidade “duplicaram desde 1995”, quando começou a privatização do setor e a implantação do “modelo de mercado”, disse o engenheiro.

Os protestos de movimentos sociais não sensibilizaram o governo até que os industriais se mobilizassem reclamando energia mais barata para recuperar competitividade e superar a “desindustrialização” do país. Antes da redução de janeiro, a indústria denunciava que um megawatt/hora custava US$ 165, enquanto o custo médio de seus maiores sócios comerciais é de US$ 108. As tarifas residenciais são imensamente variadas, mas em um bairro de classe média do Rio de Janeiro, por exemplo, o custo do quilowatt/hora era de US$ 0,24 em dezembro.

“É positivo baixar o custo da energia”, mas não com subsídios que transferem recursos de contribuintes para consumidores em “uma transfusão de sangue que não tira o paciente da UTI”, advertiu Pires, se referindo ao risco de apagões e ao uso de tarifas elétricas para conter uma inflação que há anos supera a meta anual de 4,5%.

O governo atua do mesmo modo com os combustíveis, cujos preços ao consumidor são contidos desde 2005 por meio da Petrobras, que vende internamente produtos a preços inferiores aos que paga para importá-los. Esse subsídio custaria US$ 2 bilhões mensais, segundo analistas. No dia 30 de janeiro, a gasolina aumentou 6,6% e o diesel 5,4%. A alta foi permitida pelo governo porque seu impacto inflacionário será neutralizado pela baixa da eletricidade, mas não elimina as perdas da Petrobras, cujo lucro líquido caiu 36% no ano passado, em relação a 2011.

É outro enredo que desafia a fama de excelente gestora de Dilma na área energética, que impulsionou sua ascensão política até a Presidência. Dilma se destacou como secretária de Energia do Rio Grande do Sul, Estado iluminado e alheio à crise que levou ao racionamento elétrico nacional entre junho de 2001 e fevereiro de 2002. Esse foi o trampolim para sua nomeação como ministra das Minas e Energia em 2003, e da Casa Civil da Presidência em 2005. Este último posto a preparou como candidata à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2001). Como ministra comandou a reforma do sistema elétrico em 2004 para melhorar a segurança e o planejamento do setor.

O “trauma” do desabastecimento de 2001 alimenta o temor de uma nova crise, mas a situação mudou com investimentos em todo o sistema, antes inexistentes, disse Emilio La Rovere, professor de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram construídas muitas centrais térmicas para o fornecer energia quando a estiagem reduzir a geração hidrelétrica, explicou, embora tenha sido descartada a segurança absoluta, porque “o risco zero custa caríssimo”, acrescentou.

O planejamento do governo é “correto”, mas há falhas na execução, reconheceu La Rovere, diante dos grandes atrasos na construção de vários projetos. Há, por exemplo, plantas eólicas que não operam por falta de linhas de transmissão para aproveitar sua energia. A polêmica sobre os preços da eletricidade é “uma disputa entre capitalistas”, disse Gilberto Cervinski, um dos coordenadores do Movimento de Afetados pelas Represas. Essa batalha, disse à IPS, é entre as empresas elétricas, cujo lucro se multiplicou depois da privatização, e dos industriais, que agora ganharam com a redução na tarifa.

O movimento, que estima em mais de um milhão os afetados nos últimos 30 anos, apoia a redução no preço, mas pede maior barateamento na conta de luz das famílias brasileiras, reduzindo os ganhos das empresas distribuidoras e não apenas das geradoras, como acontece agora. Além disso, é injusto privilegiar o setor industrial, com uma redução de 30%, que já paga menos pela energia elétrica, enquanto reduz em apenas 18% a tarifa residencial, opinou Cervinski. Ele também se preocupa com a saúde financeira das companhias estatais pela redução excessiva de suas tarifas, e afirmou que estas deveria ser o dobro dos menos de US$ 5 por quilowatt/hora fixados pelo governo. Envolverde/IPS