A menina que me conduzia pela Escola da Ponte na minha primeira visita (veja aqui e aqui) me disse que na sua escola não havia professores dando aulas. Espantei-me. Nunca me havia passado pela cabeça que houvesse escolas em que professores não davam aulas. Pois as aulas não são o centro mesmo da atividade escolar? As aulas não são o método que as escolas usam para transmitir saberes? E os professores não são os portadores desses saberes? Todo mundo sabe que a missão de um professor é “dar a matéria”… As escolas existem para que as aulas aconteçam… E agora essa menininha me diz que, na sua escola, não havia professores dando aulas e ensinando saberes…
E mais: naquela escola, as crianças não ficavam separadas em espaços diferenciados, de acordo com seu adiantamento: os miúdos ficavam misturados aos graúdos… Mas a separação dos alunos segundo os seus saberes não seria uma exigência da ordem e da eficácia?
Disse ainda que não havia nem provas nem notas. Mas a avaliação… Como se pode avaliar o que foi aprendido se não há provas? Provas são instrumentos de avaliação!
E também não havia as divisões no tempo do pensamento. Nas escolas normais, o pensamento é como na televisão: a intervalos regulares, muda-se o programa. Uma campainha toca: 45 minutos, todos pensam matemática. Transcorridos 45 minutos, a campainha toca de novo, os pensamentos da matemática são guardados e, no seu lugar, são colocados os pensamentos de história, até que a campainha toque de novo e os pensamentos de história sejam substituídos pelos pensamentos da biologia. Tudo em ordem perfeita, como soldados em parada, todos caminham juntos aprendendo as mesmas coisas no mesmo tempo, numa imitação das linhas de montagem. Que extraordinárias “máquinas de pensar” são os alunos, que mudam os pensamentos automaticamente ao comando de uma campainha!
Perguntei, então, à menina: “E como é que vocês aprendem?”. Ela não titubeou: “Formamos grupos de seis alunos em torno de um tema de interesse comum…”
Percebi que, naquela escola, não havia nada que se assemelhasse às “grades curriculares”. Grades… Somente um carcereiro desempregado poderia ter ideia tal. Grades. Não há opções, não há escolhas: um desconhecido colocou os saberes obrigatórios dentro de uma grade; conhecimentos “engradados”…
Mas a menina me havia dito que tudo se iniciava com o desejo de aprender algo, curiosidade, que nem precisava estar em qualquer grade obrigatória. Esse desejo era a alma da aprendizagem, a provocação da inteligência. Continuou:
“Convidamos um professor para ser nosso orientador…”
Pode até acontecer que o professor nada saiba sobre esse “tema de interesse comum”. Não importa. Os professores não sabem tudo. Não sabendo, pesquisam. E os alunos, ao ver o professor explorando os caminhos que o levam àquilo que ele não sabe, perceberão que o aprender não está nem na partida nem na chegada, mas na travessia, como disse o educador Riobaldo.
E fiquei a pensar em como seria essa coisa a que se poderia dar o nome de “pedagogia da travessia”…
* Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.
** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.