Programa idealizado e gerido pela hidrelétrica de Itaipu, comemora um ano do Prêmio ONU Água e ruma em direção à economia circular.
Por Elisa Homem de Mello*
As ações planejadas e executadas pelo Programa Cultivando Água Boa (CAB), implantado em 2003 na região da Bacia Hidrográfica do Rio Paraná, foram reconhecidas mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU-AGUA) há exatos um ano, por contarem com total participação das comunidades das microbacias, corrigindo os passivos ambientais, por meio da recuperação de nascentes e matas ciliares, dos terraceamentos, do plantio direto de qualidade, da diversificação de culturas e dos abastecedouros comunitários.
“A correção dos passivos ambientais é vantajosa no que tange não apenas a agronomia e o meio ambiente, mas também nos âmbitos econômico e social”, explica Marcelo Alves de Sousa, Gerente de Relações Institucionais do Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás).
De fato, o CAB e a Itaipu têm fomentado o conceito chave de Economia Circular, um modelo capaz de desacoplar o crescimento econômico da geração de resíduos, com a Plataforma Itaipu de Energias Renováveis. Um exemplo é o Condomínio de Agroenergia para Agricultura Familiar, onde 33 pequenos proprietários rurais se uniram, por meio de um biogasoduto, de 25.5 km, que transporta o biogás gerado por meio de dejetos de animais que antes poluíam e hoje geram energia elétrica e térmica, além de biofertilizante para os produtores rurais.
O CIBiogás faz parte de uma rede de centros da ONUDI (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), que conta com 12 centros de tecnologias em energias renováveis ao redor do mundo, cada um com um olhar específico. No Brasil, o foco é o biogás.
Com o objetivo de apoiar o Governo Federal no alcance das três metas energéticas definidas na Rio+20 (acesso universal a energia elétrica até 2030, duplicação da taxa de investimento em energias renováveis e duplicação da eficiência energética nos países, até 2030), o CIBiogás tem como objetivo ajudar o agricultor brasileiro e a agroindústria brasileira a resolver os problemas dos passivos ambientais e da demanda energética, bem como diminuir os custos do setor, promovendo saneamento ambiental, por meio da utilização do biogás.
Hoje, no Brasil, 40% da energia elétrica é consumida na agricultura e nos processos agroindustriais, e 37% dos empregos gerados no país são produzidos no agronegócio.
O CIBiogás, localizado no Parque Tecnológico Itaipu (PTI), em Foz do Iguaçu, além de ser uma instituição autônoma e contar com 16 instituições parceiras – como a própria Itaipu, a Eletrobras, a Compagás, a Copel entre outras -, faz parceria também com a Universidade de Viena, referência europeia no tema de energias renováveis, por meio de seu Laboratório de Biogás. Este Laboratório faz análises de potencial de produção de biogás, análise de biomassa, além de qual o potencial de biogás que será gerado por esta biomassa e qual o percentual de biometano que o biogás vai gerar. “O laboratório é o início de qualquer projeto para o biogás”, comenta Marcelo.
Para ele, a produção de biogás está ligada à permacultura ¹, uma vez que retira biomassa (formada por dejetos dos animais e resíduos da agricultura) para produção do biogás. Isto quer dizer saneamento ambiental rural, ou seja, a retirada de todo passivo ambiental e sua aplicação no biodigestor. “O processo de biodigestão, que dura cerca de 30 dias, produz biogás e biofertilizante”, explica Marcelo. Atualmente, o Brasil importa 91% dos fertilizantes utilizados em toda lavoura do país. Um alto custo para a produção agrícola, sem mencionar os danos ao meio ambiente.
Energia Térmica, Elétrica e Veicular
Um dos olhares especiais do CAB, por meio do CIBiogás, é o desenvolvimento de energia renovável. “O biogás tem capacidade de gerar energia térmica, que aquece casas e animais como pintinhos e leitões. Isto é importante se levarmos em conta que, no Paraná, a temperatura varia de 0ºC a 42ºC, assim, refrigerar ou aquecer estes animais é fundamental, inclusive para evitar mortandade”. É preciso lembrar que a energia elétrica que pode ser gerada na própria propriedade, pode, além de alimentá-la, enviar o excedente para a rede de distribuição.
O biogás pode gerar ainda o biometano (biogás purificado), que pode ser usado em veículos. Atualmente, a Itaipu conta com 250 carros em sua frota oficial dos quais 43 são movidos a biometano, produzido em uma granja a 100km de Foz do Iguaçu. “São 84 mil galinhas poedeiras, cujos dejetos são coletados e, ao invés de serem jogados no ambiente, são colocados no biodigestor e produzem o biogás e o biometano que, por sua vez, são transportados para Itaipu para alimentar a frota de veículos a biometano”, conta orgulhoso Marcelo Alves de Sousa, que complementa:
“Tudo isso está conectado a Economia Circular, já que ao transformamos aquilo que poderia ser considerado lixo, aos deixarmos de transportar dejetos e resíduos e transformá-los de passivos ambientais em ativos energéticos, criamos um ambiente humano sustentável e produtivo, em equilíbrio e harmonia com a Natureza.”
O CIBiogás é um programa que atua em looping, ou seja, onde a produção e o consumo estão em ciclo contínuo, onde não existem resíduos, já que os componentes biológicos são projetados para serem reabsorvidos ou reutilizados na etapa seguinte. Esta é uma visão inovadora e que devemos começar a enxergar com brevidade se quisermos não apenas atender às metas energéticas definidas para 2030, mas principalmente se o objetivo for cuidar de nossa casa, a Terra. A Economia Circular se inspira na Natureza, por meio de sistemas naturais, os quais, quase sempre apresentam características fantásticas. Para a Economia Circular, lixo sempre é igual a alimento, resiliência é construída através da diversidade e energia pode e deve ser proveniente de fontes renováveis.
¹ A permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. O termo vem de “Permanent Agriculture” em inglês e nasceu na cabeça de Bill Mollison, ex-professor universitário australiano, na década de 1970. A Permacultura é uma das bases para a Economia Circular que, atualmente, vem sendo adotada por grandes companhias multinacionais.
* Elisa Homem de Mello é jornalista especializada em sustentabilidade hídrica e energética. Escreve voluntariamente para Envolverde.