Nas manifestações pelas ruas do Rio de Janeiro e no colorido da Cúpula dos Povos as pessoas e as organizações da sociedade civil gritaram, desenharam e sonharam palavras de ordem contra quase tudo. Enquanto isso, no RioCentro sucederam-se enfadonhos discursos de chefes de Estado que, por horas, ocuparam a tribuna para ler textos que pereciam ter sido escritos pelo mesmo ghost writer. O colorido das ruas substituído pelo monocromático das gravatas em discursos acanhados, como a explicar porque não tinham a coragem de sonhar com um amanhã menos cinzento.
A Rio+20 vai entrar para a história como um vazio de coragem e o abandono das utopias. A ruptura entre as palavras de ordem das ruas e a ordem das palavras no documento final da conferência. No entanto, não é um fim de linha, nem para a ONU nem para a sociedade civil. O próprio secretário geral, Ban Ki-Moon considerou o documento acordado entre os países como tímido e as organizações sociais sabem
que há muito trabalho a fazer. Até 2014 devem ser definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que precisam ser mais corajosos do que esse documento “sem conflitos” assinado no Rio de Janeiro.
No entanto, é sempre bom lembrar que os documento da Rio+20 representa apenas o piso, o mínimo que se pode fazer, mas não o máximo. O recado das ruas também foi confuso, sem nenhuma objetividade e, de forma generalizada, contra tudo e contra todos. É importante que se tenha em mente que cada governo individualmente, cada organização e cada pessoa pode avançar, ir além, trabalhar pelas utopias que sempre são as sementes de grandes realizações da humanidade.
A Rio+20 pode ser vista como um exemplo a não ser seguido. A ONU criada após a 2ª Guerra Mundial pode não ser mais o modelo de cooperação internacional que o século XXI necessita. Mas é o único modelo de multilateralismo que o planeta tem, portanto, é preciso apostar em sua capacidade de se renovar. Nos próximos anos outras conferências vão desafiar a capacidade da humanidade em resolver problemas comuns e não se deve desistir de buscar uma voz comum em harmonia com os desejos das sociedades.
O documento final da Rio+20 é uma afronta à capacidade humana de sonhar, mas é uma ode à necessidade de se caminhar unido. O esforço diplomático para redigir um documento para ser assinado por quase duas centenas de países é louvável, porque os interesses são os mais díspares possíveis, contemplando desde a falida aristocracia europeia aos novos-ricos dos BRICS, passando por Saint Kitts, uma ilhota do Caribe que é o menor país das Américas.
Mas a diplomacia adotou a técnica de retirar os pontos conflitantes, aparar as arestas, tirar as cores fortes, de forma que, no final, pouco restou do sonho de uma grande conferência sobre desenvolvimento sustentável. (Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde – Revista Digital e presidente do Instituto Envolverde.