Estados Unidos: Perder uma guerra ganha

Miami, Estados Unidos, janeiro/2012 – O fim oficial da guerra do Iraque é uma admissão de derrota. Recordará com dureza que todos perdem nas guerras, inclusive os vencedores. Nas guerras dos Estados Unidos, uma constante histórica desde a fundação da União é que em poucas ocasiões se reclamou vitória limpa.

As duas únicas exceções são, por motivos diferentes, a justificada (se for aceito o motivo de opor-se à escravidão) Guerra Civil e, depois, o caso mais emblemático da dupla façanha de provocar a aniquilação do Eixo na Europa e na Ásia na Segunda Guerra Mundial.

Embora a guerra da Coreia pudesse ocupar um lugar privilegiado, ao fim desse conflito e a consequente divisão da península, o mérito de ter liderado a coalizão das Nações Unidas ficou um tanto desvanecido. O mesmo se pode dizer da Primeira Guerra Mundial, já que a espécie de trégua que se estendeu após o armistício privou os norte-americanos de uma plena glorificação. Mais anteriormente, a invasão e captura de grande parte do território mexicano, em nome do Destino Manifesto, e depois a chamada Spanish American War em Cuba ficou como restos de vergonha e ressentimento.

Estas contendas agressivas geraram o nascimento e a consolidação do anti-imperialismo latino-americano. A aventura do México foi um convite para que século e meio depois se produzisse uma “reconquista” mediante a imigração, legalizada e criminalizada. A de Cuba se converteu na plataforma de saída para a revolução castrista. As sucessivas invasões de um arco enorme de países no Caribe e na América Central, unidas ao apoio a ditadorzinhos de opereta, só serviu para a periódica aparição de caudilhos populistas que fazem do anti-imperialismo vazio a senha de identidade.

Dentre todos os conflitos, o Vietnã é a derrota por excelência, ao custo de mais de 50 mil mortes norte-americanas, número que se multiplica com dimensões vertiginosas nas baixas civis. Agora se pode dizer que a retirada do Iraque se dá ao custo de mais de quatro mil mortos.

Entretanto, a hipocrisia sem escrúpulos aceita simultaneamente que os cadáveres de soldados sejam trasladados praticamente incógnitos para suas sepulturas em caixões. É o preço e a conveniência que os cidadãos dos Estados Unidos estão dispostos a pagar pela manutenção de forças armadas profissionais e inteiramente voluntárias, às quais agradecem pelos serviços prestados. Assim se entende porque ninguém protesta contra o déficit de proporções astronômicas que ameaça hipotecar o futuro de pelo menos duas gerações preparadas para pagá-lo.

Para trás fica o desastre dos atentados diários no território iraquiano abandonado ao controle das diversas facções. “I told you so” (já lhe disse isto), dizem os de língua inglesa com suficiência e hipocrisia. Na realidade, numerosos se abstiveram vergonhosamente, tanto diante do rumo que a reação ao 11 de setembro tomou a partir da Casa Branca, como na reeleição de George W. Bush. O país, então, ficou paralisado pelo medo, ao que parece, antipatriótico de analisar criticamente a irresponsável “missão civilizadora” que a máquina militar dos Estados Unidos colocara em marcha.

Então, os norte-americanos se deixaram enganar pela denúncia da fictícia existência de armas de destruição em massa. Contudo, Bush continuou deslumbrado pelo que dizia sua assessora Condoleezza Rice, que lhe vendeu a noção de aproveitar uma oportunidade única na história, em uma segunda versão do triunfo do final da Guerra Fria, de estabelecer um controle sólido nessa região tão estrategicamente importante. Na verdade, a estratégia se reduz à posse e à mercantilização dos poços de petróleo.

Agora, lamentavelmente, os mesmos que se abstiveram antes de se opor, agora sorriem satisfeitos também ao afirmarem que já “haviam dito antes”. Segundo esta malévola lógica, a melhor maneira de manter a estabilidade em algumas zonas do planeta é deixar os autocratas continuarem controlando seu terreno.

Paradoxalmente, Bush se equivocou e deveria ter agido como seu pai, que deteve a corrida para Bagdá quando a guerra do Kuwait já estava ganha.

É trágico aceitar agora que povos como Iraque – como Estado-Nação inexistente – não podem ser deixados sozinhos. Depois de uma ração de democracia imposta, tudo volta à violência, ao ódio tribal, à rejeição desses valores que chamamos de ocidentais, e a busca por oportunidades dos vizinhos (Irã) que parecem impelidos pelo lema popular de que “em rio revolto, ganham os pescadores”. Entretanto, pesando as diversas alternativas e custos, a próxima vez será preciso deixar esses desgraçados países como estavam. E, por extensão, a lógica se estenderia ao Egito de Mubarak e à Líbia de Gadafi. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monet e diretor do Centro da União Europeia, da Universidade de Miami ([email protected]).