Ambiente

Garimpo na Amazônia: “O coração da floresta e suas veias são impactados”

Por IPAM Amazônia – 

Imagens das fileiras de balsas de garimpo no Rio Madeira, perto do município de Autazes, no Amazonas, percorreram o Brasil e o mundo desde o começo da semana. Diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar lembra que a atividade garimpeira na Amazônia “sempre existiu, mas nunca com estas proporções”: segundo o MapBiomas, garimpos, legais e ilegais, triplicaram a área de atuação na região amazônica nos últimos dez anos.

O bioma concentra 94% – ou mais de 100 mil hectares – do total de área garimpada no Brasil. Ainda de acordo com o MapBiomas, ao menos metade desse garimpo é ilegal e cerca de 50% se encontra em áreas protegidas. “Os rios estão sendo dragados, ocupados e poluídos por essa atividade”, diz Alencar. “O coração da floresta e suas veias estão sendo seriamente impactados pela corrida do ouro.”

Pesquisadora no IPAM e coordenadora científica no MapBiomas, Julia Shimbo explica como o garimpo funciona. “Temos três formas dessa atividade ocorrendo na Amazônia. Nos rios, com balsas, dragas e mergulhadores, como ocorre no Madeira, Jamanxim e Tapajós. Há garimpo em aluviões [depósito de sedimentos, matérias orgânicas e inorgânicas], na beira dos rios com escavadeiras; e mineração em rocha dura, que mais comumente referem-se à mineração legalizada com maquinário especializado. Todos trazem impactos ambientais, sociais e à saúde, muitos deles irreversíveis”.

Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia. Conforme aponta o MapBiomas, a expansão do garimpo coincide com o avanço da atividade sobre territórios indígenas e sobre unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. Somente em 2020, 9,3% da área de garimpo no país ocorreu dentro de terras indígenas.

Impactos

“Mexer no fundo dos rios gera, primeiro, um impacto para a fauna, principalmente dos peixes que se alimentam da matéria orgânica que está ali. Em segundo lugar, não há nenhum tratamento de rejeitos do mercúrio utilizado para fazer a separação do ouro, e isso acaba voltando para o rio”, explica Alencar. “É um impacto muito grande de poluição nas áreas onde o garimpo ocorre, mas não somente, porque como o rio é um ente vivo, não estático, ele flui, então tudo o que está abaixo dele é impactado também.”

A contaminação dos rios e dos peixes chega, por consequência, às aldeias indígenas. Estudos realizados por instituições brasileiras já revelaram que comunidades mais próximas a locais de garimpo e de mineração apresentam maiores taxas de contaminação por mercúrio – chegando a 92% dos Yanomami, por exemplo.

Os Yanomami, que vivem ao norte do Amazonas, na fronteira com a Venezuela, são o terceiro povo mais atingido pelo garimpo no Brasil. A terra indígena com maior área de garimpo em seus limites é do povo Kayapó, no sul do Pará, seguida pelo território dos Munduruku, no sudoeste do estado.

Garimpos ilegais são atividades dinâmicas que aparecem, desaparecem ou mudam de lugar em função da fiscalização, do preço do ouro e de variações do teor dos depósitos. “Há um enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e proteção na Amazônia para combater as atividades garimpeiras ilegais que já sabemos onde estão. E, além da falta de fiscalização, o contexto político atual fortalece movimentos como esse que observamos no [rio] Madeira e no avanço da ilegalidade na Amazônia”, avalia Shimbo.

Corrida do ouro

De 2005 a 2021 o preço do ouro aumentou mais de quatro vezes, passando de pouco mais de 13 dólares o quilo para 57,5 dólares o quilo. A valorização também seria um dos motivos para o aumento da atividade. Cerca de 86,1% da área garimpada no Brasil está relacionada à extração de ouro, como mostra o levantamento do MapBiomas.

“A produção de ouro não tem controle e rastreabilidade, o que favorece também o garimpo ilegal. Aproximadamente 50% do ouro extraído no mundo é utilizado para joias, o restante é utilizado como lastro no sistema financeiro. Existem dados que apontam que menos de 1% comercializado no mundo é rastreado desde a sua origem”, diz a pesquisadora.

Alencar complementa: “O que tem que ser feito, além de políticas públicas que desestimulem a atividade, é a criação de uma força-tarefa de comando e controle que aja para desmantelar garimpos ilegais e, principalmente, para cortar a relação entre o garimpo e o mercado, interrompendo os mecanismos de legalização do ouro ilegal retirado da Amazônia.”

“Hoje já temos a tecnologia para monitoramento das áreas de mineração em terra, mas precisamos também desenvolver inovações para monitorar as balsas nos rios. Uma possibilidade seria o uso de aprendizado de máquina e imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial”, sugere Shimbo.

Entre os estados com maior área de garimpo no país, desconsiderando áreas de garimpo nos rios, o Amazonas ocupa a nona posição com 242 hectares ocupados pela atividade, uma área quase duas vezes o tamanho do Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Em primeiro lugar está o Pará, com 76.514 hectares, seguido por: Mato Grosso (22.987 ha), Rondônia (4.382 ha), Roraima (706 ha), Minas Gerais (647 ha), Maranhão (308 ha), São Paulo (305 ha), Goiás (262 ha), e, na décima posição, Ceará (221 ha).

#Envolverde