Por Marina Grossi* – Presidente do CEBDS | Especialista em Mudança Climática | Conselheira – Norte Energia, Neoenergia, Edelman e IBRAM | Conselheira certificada (CCA+ IBGC)
Reportar informações socioambientais é um hábito já assimilado pelas empresas brasileiras há quase três décadas, desde os primeiros balanços sociais, metodologia criada nos anos 1990 pelo sociólogo e ativista pelos direitos humanos Herbert José de Souza, o Betinho, à frente do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) até a chegada dos padrões internacionais da Global Reporting Initiative (GRI), no início da década seguinte. Mais recentemente, a demanda por informações não financeiras vem crescendo à medida em que uma ampla gama de partes interessadas, e investidores em particular, querem utilizar critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) em sua tomada de decisões.
A demanda por informações ESG aumentou nos últimos anos, motivada, em parte, por diversas iniciativas de relato voluntário, tais como as Forças Tarefas para divulgações financeiras relacionadas às mudanças climáticas e de natureza (TCFD e TNFD nas respectivas siglas em inglês), o Carbon Disclosure Project (CDP), entre outras. Mais recentemente, o cenário é de busca por uma maior padronização das informações ambientais, sociais e de governança.
Há três grandes esforços em andamento nessa direção: o International Sustainability Standards Board (ISSB), a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) e o European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG). Cada um tem como objetivo aprimorar e evoluir os relatórios corporativos para incluir e considerar as informações de sustentabilidade de diferentes maneiras. No Brasil, recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reforçou a agenda dos relatos não financeiros ao lançar uma resolução que obriga as companhias de capital aberto a publicarem relatórios a partir de 2026.
Ao mesmo tempo em que as regulamentações e iniciativas voluntárias colocam os relatórios de sustentabilidade nos holofotes, é nítida ainda a lacuna de credibilidade que esses documentos enfrentam.
Ao mesmo tempo em que as regulamentações e iniciativas voluntárias colocam os relatórios de sustentabilidade nos holofotes, é nítida ainda a lacuna de credibilidade que esses documentos enfrentam. A recente Pesquisa Global com Investidores 2023 realizada pela multinacional de auditoria e consultoria PwC mostra que 98% dos investidores brasileiros afirmam que os relatórios corporativos de sustentabilidade contém informações não comprovadas – o chamado greenwashing. A média é superior ao contexto mundial, onde o índice de percepção da prática é de 94%.
Esse cenário complexo levou o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) a realizar, em parceria com a consultoria de sustentabilidade Report, a primeira edição brasileira da pesquisa Reporting Matters. Com metodologia desenvolvida pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), em conjunto com a Radley Yeldar, o estudo avaliou relatórios referentes a 2022 publicados por 77 empresas, de diversos setores da economia com atuação no país. A análise considerou 16 critérios e 81 subcritérios – facilidade de acesso online, eficácia dos mecanismos de implementação e controle, transparência, determinação de metas e compromissos em sustentabilidade, entre outros.
Alguns dados chamam a atenção: a maioria das empresas (91%) adota o padrão da Global Reporting Initiative (GRI), de forma isolada ou em conjunto com outras diretrizes; 63% dos relatórios analisados trazem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU prioritários da empresa, mas somente 10% definiram metas claras ligadas aos ODS. Além disso, 74% dos relatórios receberam auditoria externa (de uma parte ou de todo o relatório).
Neste atual contexto da crise climática, é importante destacar que 70% das empresas consideram o tema de grande materialidade para seus negócios, sendo esse o tema de meio ambiente mais importante – o segundo é a gestão da água, uma preocupação material para 42% das companhias. Ao mesmo tempo, o Reporting Matters mostrou que 58% possuem compromisso net zero (de reduzir as emissões de gases do efeito estufa) até 2050; mas 28,5% dos relatórios analisados não apresentam nenhum tipo de compromisso formal em reduzir e neutralizar as emissões que agravam o aquecimento global.
Nem greenwashing, nem pecar pelo excesso de informações: o estudo conduzido pelo CEBDS e Report mostra que existe um ponto ótimo para a confecção dos relatórios, que podem ser uma ferramenta valiosa para as empresas olharem para sua própria gestão das questões ESG, prestarem contas à sociedade e alcançarem seus públicos de interesse de uma forma mais efetiva.
Assim, encontrar alinhamento entre os padrões de relatórios de sustentabilidade que já existem e os que estão emergindo ajudará a atender às necessidades dos mercados de capitais globais, incluindo investidores que alocam capital internacionalmente. Como voz do setor empresarial brasileiro há 27 anos, o CEBDS acredita que a capacitação das empresas é um dos pilares para a promoção de um novo modelo de desenvolvimento, melhor para as pessoas, os negócios e o planeta, e isso vale também para a construção de relatórios que cumpram a função de informar os impactos das companhias na sociedade – sejam eles positivos ou negativos. O que o relatório de sustentabilidade diz sobre sua empresa?
* Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com cerca de 110 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro
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