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Agricultores moçambicanos temem escassez de terras

Ambrosio Manjate, de 55 anos, é um pequeno agricultor de Palmeira, sul de Moçambique. Foto: Johannes Myburgh/IPS

 

Maputo, Moçambique, 26/2/2013 – Sindicatos de agricultores de Moçambique alertam que logo haverá escassez de terras, pois o governo entrega cada vez mais hectares a companhias agroindustriais estrangeiras e deixa milhares de camponeses à deriva, sem títulos legais sobre sua propriedade. “Como Unac (Sindicato Nacional de Camponeses de Moçambique), acreditamos que num prazo muito curto a terra será cada vez mais escassa para os moçambicanos, porque o governo busca atrair investidores estrangeiros com o argumento de que temos uma grande quantidade de hectares sem usar”, disse à IPS o porta-voz da organização, João Palate.

Dados do Centro de Promoção de Investimentos indicam que Moçambique conta com 19 milhões de hectares de terra para agricultura, silvicultura e pecuária, mas apenas 5,6 milhões são explorados. “Na realidade, quando os investidores chegam, seu apetite se concentra nas terras que já estão ocupadas pela população local”, contou Palate. Até agora, 64% dos moçambicanos vivem em áreas rurais, onde a agricultura é o sustento principal, e 45% deles sobrevivem com menos de um dólar por dia, segundo a organização de direitos humanos FIAN International.

A Constituição de Moçambique estipula que a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida, “o direito de uso e o benefício da terra é concedido a pessoas ou entidades”. Segundo a legislação nacional, as pessoas podem solicitar o uso da terra ao governo provincial se a superfície for menor que mil hectares. Para extensões maiores os pedidos devem ser apresentados ao Ministério de Agricultura e Pesca. No entanto, a lei também prevê a concessão de terras às comunidades locais que nelas estejam há mais de cinco anos.

Nos dois últimos anos, o governo nacional aprovou mais de dez projetos estrangeiros de desenvolvimento agroindustrial. O maior é o ProSavana, pelo qual mais de dez milhões de hectares serão entregues a investidores brasileiros e japoneses. Palate destacou que a posse da terra é uma questão de soberania e a produção de alimentos deveria estar nas mãos da população rural capacitada com melhores práticas agrícolas. Como exemplo, apontou o projeto ProSavana, que cultivará soja: “é um negócio de exportação, portanto não resolverá nossos problemas” de segurança alimentar.

O projeto em questão será concretizado no Corredor de Desenvolvimento Nacala, uma área localizada entre as províncias de Nampula, Zambézia e Niassa, no norte do país. As terras em questão estão ocupadas por milhares de pequenos agricultores. Entretanto, o governo afirma que os pequenos produtores não perderão suas terras com o empreendimento.

Delfina Sidónio, mãe de três filhos, perdeu a conta da quantidade de vezes que lhe prometeram indenização pela perda de suas terras ancestrais, disse à IPS. Ela perdeu cinco hectares, na comunidade de Ruace na província portuguesa de Zambézia, quando a companhia agroindustrial portuguesa Quifel recebeu dez mil hectares. No contexto do projeto Hoyo-Hoyo, a companhia prevê cultivar soja e girassol para a produção de biocombustíveis.

“Fui expulsa da terra que herdei de meus pais com a promessa de que me dariam outra, além de US$ 680 como compensação. Desde então, há um ano, só o que recebi foi um quarto dessa quantia, e não há informação sobre novas terras para trabalhar”, acrescentou Delfina. Ela está entre os mais de 200 pequenos agricultores que perderam suas terras por causa desse acordo.

“Nossa vida estava nessa terra, nos dava alimentos e insumos; era nosso modo de vida”, lamentou Ernesto Elías, secretário do fórum da associação de pequenos agricultores de Ruace. “No começo, a companhia nos prometeu nos dar novas terras cultiváveis, construir infraestrutura, fornecer água e pagar uma indenização pelo que tivéssemos no terreno. Mas, depois de alguns meses, as promessas se converteram em mentiras”, apontou.

Contatado pela IPS, o escritório da Quifel em Gurue, província de Zambézia, negou as acusações. “Nos preparamos para cumprir as promessas pendentes das negociações com as comunidades até junho deste ano”, declarou um representante da empresa. “E depois ninguém falará de tomada de terras em Ruace, mas de cooperação sustentável entre comunidades e investidores para desenvolver a agroindústria”, ressaltou.

Mahomed Valá, diretor nacional de serviços agrários do Ministério da Agricultura, disse à IPS que o governo está consciente das queixas da comunidade de Ruace. Mas, só o que pode fazer é chamar as partes ao diálogo, argumentou. “Basicamente, o conflito é pelas promessas não cumpridas”, pontuou. “A empresa prometeu terras para sua realocação e sementes para ajudar os pequenos agricultores, e também infraestrutura, mas não o fizeram. Estive com representantes da companhia e os aconselhei a fortalecer o diálogo com a comunidade e cumprir suas promessas”, enfatizou Valá.

“O mais importante para evitar os conflitos de terras é adotar soluções benéficas para todos”, indicou à IPS o professor de desenvolvimento internacional do Departamento de Agricultura, Alimentação e Economia de Recursos da Universidade de Michigan, Rafael Uaiene. Moçambique continua sendo um país pobre e precisa de investimentos para explorar seu potencial, afirmou. “Mas, também dever proteger o direito à terra das comunidades locais e promover o investimento agrícola”, ressaltou.

Ser benéfica para todos significa arrendar a terra para maximizar seu uso, segundo o especialista. “E, no caso das terras utilizadas pelas comunidades locais, têm de receber a compensação que manda a lei e ficarem integradas no círculo dos investimentos”, destacou Uaiene. Envolverde/IPS