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China chega à América Central com satélites e megaobras

Em vermelho, o trajeto que teria o canal interoceânico da Nicarágua; em verde, a localização atual do Canal do Panamá. Foto: Jonadab CC BY-SA 3.0

 

Cidade da Guatemala, Guatemala, 31/10/2012 – De satélites a canais interoceânicos, os investimentos mais inovadores, ou mais faraônicos, na América Central procedem da China, com a qual, entretanto, seis dos sete países do istmo não têm relações diplomáticas. Pequim sustenta uma expansão comercial e industrial avassaladora na região, que esta não consegue capitalizar para ampliar suas vendas para o gigantesco mercado asiático.

“Os interesses chineses aumentaram, e, como toda potência, é mais o que querem colocar do que o que querem comprar”, disse à IPS o cooperativista Jesús Garza, da Associação de Organizações Não Governamentais de Honduras, que promove o desenvolvimento empresarial sustentável, entre outras ações. Por exemplo, no leste hondurenho, a empresa chinesa de capital estatal Sinohydro constrói a central hidrelétrica Patuca III, com capacidade para gerar 104 megawatts, ao custo de US$ 350 milhões.

Além disso, o presidente hondurenho, Porfirio Lobo, se reuniu em setembro com executivos do Banco de Desenvolvimento da China para explorar outros investimentos em energia e comunicações. Mas a presença chinesa se mostra muito mais ambiciosa na Nicarágua. O presidente Daniel Ortega assinou, no mês passado, um memorando de entendimento com a recém-criada HK Nicarágua Canal Development Investment Co., com sede em Hong Kong e presidida por um magnata das telecomunicações, para financiar e construir uma passagem interoceânica entre o Mar do Caribe e o Oceano Atlântico, sonho há tempos acariciado por Manágua.

Estimativas nicaraguenses indicam que a obra custará US$ 30 bilhões e demorará dez anos. A HK Nicarágua, encabeçada por Wang Jing, presidente da empresa de telecomunicações Xinwei, deverá desenvolver um canal úmido para a passagem de navios de grande porte e uma ferrovia de carga, construir um porto de águas profundas em Monkey Point, no Caribe, e remodelar o porto de Corinto, no Pacífico.

Manágua também negocia com a China Great Wall Industry Corporation o desenvolvimento e a compra do Nicasat-1, satélite de terceira geração avaliado em US$ 300 milhões, que oferecerá a partir de 2016 modernos serviços de telecomunicações, internet e televisão digital para a Nicarágua e a região. O acordo poderia se concretizar ainda este ano em Pequim entre o Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e a Great Wall Industry, que fabrica satélites para vários países da América Latina, África e Ásia.

Em El Salvador, Costa Rica e Guatemala, os investimentos chineses incluem energia solar, indústria petroleira e telecomunicações, entre outros setores, por intermédio de empresas como Huawei, Suzhou Guoxin Group e National Petroleum Corporation.

Apesar do efeito econômico positivo que podem ter estes investimentos, Garza alertou que se deve conhecer “sob quais condições ocorre, se respeita os direitos trabalhistas e as normas ambientais, e é aí onde pode haver impactos negativos”. Em Honduras, por exemplo, a não governamental Associação Patuca denunciou irregularidades na licença que declarou “ambientalmente viável” a central Patuca III, emitida em 2011 pelo Ministério de Recursos Naturais e Meio Ambiente.

Por outro lado, o istmo não tem condições competitivas para vender seus produtos à China. A assimetria de população é apenas o aspecto mais evidente: aqui vivem 42 milhões de pessoas; lá, mais de 1,3 bilhão. A produção centro-americana é majoritariamente agrícola. “Porém, não é rentável para a China comprar feijão ou frutas aqui por causa da distância e dos custos” que esta impõe para volumes relativamente pequenos, pontuou Garza.

A América Central tampouco conseguiu a unificação aduaneira, que lhe permitiria uma tarifa única, regulamentos e legislação comuns em matéria comercial, aduaneira e sanitária, facilitando o comércio exterior e a competitividade, segundo a Secrearia de Integração Econômica Centro-Americana (Sieca). A região elevou suas vendas para o mercado asiático, mas a balança comercial continua sendo amplamente negativa.

Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua – cinco dos sete países centro-americanos – em 2004 vendiam para a China US$ 196 milhões. E, entre janeiro e maio deste ano, suas exportações para esse mercado chegaram a US$ 219 milhões, segundo a Sieca. Contudo, nesses mesmos meses, os cinco países importaram US$ 1,435 bilhão da China.

“Comercialmente, não se pode negar a China”, disse à IPS o economista Paulo de León, da consultoria Central American Business Intelligence, com sede na Guatemala. Embora o benefício regional “não seja tão evidente quanto no Chile, por exemplo, que é quem produz mais cobre no mundo e tem na China sua principal compradora”.

Pelas distâncias e pelos fretes, não convém à China comprar produtos básicos na América Central porque “o custo seria muito alto”, acrescentou León. Em sua opinião, a região deve se focar no mais próximo mercado norte-americano. “É preciso olhar mais para os Estados Unidos. Temos um mercado grande a uma hora e meia de avião; também temos México e Colômbia, com os quais mantemos tratados de livre comércio”, afirmou.

Por outro lado, a China pode se beneficiar com investimentos na região, que “tem grandes necessidades em matéria energética para as quais, por exemplo, a Guatemala, não tem dinheiro”, acrescentou. O istmo também se sente constrangido por privilegiar os vínculos com Taiwan, território que Pequim considera uma província rebelde.

Mas, na Costa Rica, único país centro-americano que tem relações diplomáticas com Pequim, as coisas não são diferentes. Na agroindústria “falamos de café, açúcar e algum outro produto agrícola”, na Costa Rica “não temos um grande impacto comercial” derivado do estabelecimento desses vínculos formais em 2007, disse à IPS o cooperativista Gilbert Ramírez. De fato, San José e Pequim assinaram em 2010 um tratado de livre comércio.

“Conversamos com empresas chinesas para vender café e açúcar, e em nível de microcréditos ou crédito para consolidar nosso modelo por meio da promotora de exportações da Costa Rica, mas depois de certo tempo não concretizamos nenhum projeto, explicou Ramírez. Ele também acredita que o mercado norte-americano continua sendo mais atraente porque “está mais perto e nos entende melhor”, destacou, referindo-se às barreiras culturais existentes entre esta região e o Oriente.

Entretanto, a América Central continua buscando oportunidades comerciais na China. O empresário Pedro Barnoya, da Câmara de Cooperação e Comércio China-Guatemala, disse à IPS que, no dia 19 deste mês, foi inaugurado um escritório comercial na cidade de Xangai, polo econômico e financeiro e maior porto do mundo por volume de mercadorias, “para buscar e encontrar compradores para os produtos que necessitam”.

Além disso, “se trabalha com o Conselho Chinês para o Fomento do Comércio Internacional e com instituições privadas para criar um comitê de negociação permanente” com a região detalhou Barnoya. Uma delegação guatemalteca esteve nos dias 17 e 18 deste mês na VI Cúpula Empresarial China-América Latina e Caribe, na cidade de Hangzhou. Apesar de tudo, o “mais importante é ir ao continente, porque é lá que está o poder aquisitivo”, concluiu. Envolverde/IPS