Nações Unidas, 26/9/2014 – O número de pessoas que vivem nas cidades supera o da população rural, e a tendência não parece estar retrocedendo, segundo a ONU-Habitat. Atualmente, 54% da população mundial vive em centros urbanos, proporção que subirá para 66% em 2050, segundo as projeções dessa agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para os assentamentos humanos, que ressalta que o planejamento é fundamental para se alcançar um crescimento urbano sustentável.
“Na hierarquia das ideias, primeiro vem o desenho urbano e depois todo o resto”, afirmou o espanhol Joan Clos, diretor-executivo da ONU-Habitat, em Nova York, onde estava para uma reunião preparatória da Habitat III, a conferência mundial sobre desenvolvimento urbano sustentável que acontecerá em 2016. “Urbanização, loteamento, construção, nesta ordem”, apontou, ao explicar que em muitas cidades a ordem se inverte e depois é difícil resolver os problemas.
O Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU diz que a população urbana passou de 746 milhões de pessoas em 1950, para 3,9 bilhões em 2014, e se espera que ultrapasse os seis bilhões em 2045. Atualmente existem 28 megalópoles com mais de dez milhões de habitantes, e até 2030 o mundo terá pelo menos 41 dessas cidades gigantes.
Um informe da ONU revela que os assentamentos urbanos sofrem inéditos problemas demográficos, ambientais, econômicos, sociais e espaciais, e que a urbanização espontânea termina com frequência em bairros informais. Apesar de a proporção de população urbana que vive nesses bairros pobres ter caído nos últimos anos, e um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ter alcançado seu propósito de melhorar a vida de pelo menos cem milhões de habitantes de favelas, o número absoluto continua crescendo, devido em parte ao rápido ritmo da urbanização.
O mesmo informe calculou que em 2012 havia 863 milhões de moradores urbanos que viviam em favelas, contra 760 milhões em 2000.
“No passado a urbanização era uma panela cozinhando lentamente e não uma comida rápida”, comparou Clos, que foi prefeito da cidade espanhola de Barcelona entre 1997 e 2006. “Em muitos casos vimos que a urbanização espontânea não se ocupa do espaço público e sua relação com as parcelas edificáveis, que é a essência da arte da construção das cidades”, destacou. Clos acredita que para construir as cidades é necessário ter uma visão. E com isso não se refere à construção de prédios, mas de comunidades saudáveis e sustentáveis.
Relinda Sosa, presidente da peruana Confederação Nacional de Mulheres Organizadas pela Vida e pelo Desenvolvimento Integral (Conamovidi), cujos 120 mil ativistas trabalham para que suas comunidades sejam mais inclusivas, seguras e resistentes. A rede de mulheres se encarrega de mais de cem restaurantes populares no Peru, para garantir a segurança alimentar, identificar os problemas e prevenir os desastres naturais nas cidades.
“Devido à configuração da sociedade, são as mulheres que passam mais tempo com as famílias e na comunidade, e por isso a conhecem melhor do que os homens, que muitas vezes apenas descansam ali e logo saem para trabalhar longe”, explicou Sosa à IPS. “Mas, apesar da posição que ocupam, e por causa da cultura machista que existe na América Latina, as mulheres costumam ser invisíveis. Por isso trabalhamos para garantir que participem do processo de planejamento, devido aos dados e aos conhecimentos que têm”, acrescentou.
O vínculo entre os líderes públicos e eleitos é crucial, e a Conamovidi tenta facilitá-lo mediante a participação das mulheres organizadas. “Quando o acesso aos serviços básicos é deficiente, as mulheres são as primeiras que têm de enfrentar essas situações”, pontuou Carmen Griffiths, dirigente da Groots Jamaica, organização vinculada à Conamovidi.
“Observamos os padrões dos assentamentos nas cidades, falamos da densificação urbana, das pessoas que vivem na periferia, nos assentamentos informais, em moradias irregulares, sem água nem saneamento em alguns casos, sem eletricidade adequada. Falamos sobre o que causa a violência contra as mulheres” nos centros urbanos, afirmou Griffiths.
Como disse Clos à IPS, a proteção do espaço público é fundamental, ideal em uma proporção de 50% frente às áreas onde construir, bem como a propriedade pública dos planos de construção. O governo local tem que garantir a existência de serviços no espaço público, algo que não ocorre em uma situação de favela, onde não existem regulações nem investimento público, acrescentou.
Griffiths se reúne todos os meses com as mulheres de sua organização para falar de seus problemas e suas necessidades e garantir que sejam levadas às autoridades locais. “Às vezes ocorre de você estar com bons políticos, mas em outras ocasiões só querem o voto e não interagem com as pessoas de forma alguma”, acrescentou. Griffiths também integra o conselho assessor da ONU-Habitat, para expressar as necessidades de seu povo no plano internacional e depois levar o conhecimento às suas comunidades, explicou.
Essas batalhas geram alguns bons resultados, especialmente no entorno urbano. Sosa garantiu que as mulheres da cidade estão conquistando, aos poucos, uma participação mais ampla, enquanto no âmbito rural a mentalidade continua sendo muito conservadora.
Sobre a relação entre o meio urbano e o rural, Maruxa Cardama, coordenadora de projetos da Communitas, Coalizão por Cidades e Regiões Sustentáveis, disse à IPS que falta um plano inclusivo. As cidades são dependentes dos recursos naturais das zonas rurais, como a agricultura, por isso que planejamento urbano não deve deter-se onde acabam os prédios de apartamentos, afirmou. Isso garantirá que o meio rural não esteja isolado e conte com os serviços necessários, acrescentou.
Ainda que não estarão completados até 2015, atualmente uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a comunidade internacional discute é que “as cidades e os assentamentos humanos sejam inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis”. Envolverde/IPS