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Uma reserva de vida para tornar a Patagônia sustentável

Uma banca da feira de artesanato da cidade de Coyhaique. Os produtos locais e ecológicos da Patagônia são alternativas de desenvolvimento que o projeto Aysén Reserva de Vida pretende impulsionar. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Uma banca da feira de artesanato da cidade de Coyhaique. Os produtos locais e ecológicos da Patagônia são alternativas de desenvolvimento que o projeto Aysén Reserva de Vida pretende impulsionar. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Coyhaique, Chile, 19/8/2014 – Os habitantes da Patagônia no Chile trabalham para converter a região de Aysén em uma reserva de vida. É um projeto de desenvolvimento sustentável no qual tem algo a dizer o lado argentino, um aliado histórico nesse território inóspito que luta para utilizar a natureza a favor de seu crescimento.

“O megaprojeto da Aysén Reserva de Vida nasceu como uma proposta teórica de querer ter uma região de exceção com um modelo de desenvolvimento de exceção, um modelo de desenvolvimento sustentável inclusivo, com e para a gente da região”, detalhou à IPS o ativista Peter Hartmann, criador do conceito e da coalizão que o executa como projeto. “Há muitos que dizem que queremos colocar um cadeado na região, mas o que buscamos é utilizar suas qualidades, versus os megaprojetos do mundo globalizado que buscam destruí-la”, acrescentou.

A região de Aysén é uma das menos povoadas do Chile, com 105 mil habitantes, e também a de menor densidade. Em contraste, nesta área de frio austral e vasta biodiversidade é grande a quantidade de rios caudalosos, lagos e ventisqueros (locais altos onde se conservam a neve e o gelo). “Somos algo ínfimo dentro desse território tão grande”, afirmou orgulhosa Claudia Torres, desenhista e comunicadora que nasceu em Aysén.

A Patagônia cobre 1.061 quilômetros quadrados do extremo sul americano, dos quais 75% ficam na Argentina e o restante no Chile, em Aysén e na mais austral região de Magalhães. Abriga ecossistemas muito diversos e numerosas espécies de flora e fauna, incluindo aves, mamíferos, répteis e anfíbios, alguns sem identificação. Também é o último refúgio do huemul, cervo endêmico do Chile, que está em perigo de extinção.

Em Aysen, o coração chileno na Patagônia, Coyhaique, a capital, 1.629 quilômetros ao sul de Santiago, esconde em suas esplendorosas paisagens o fato de ser a cidade mais poluída do país, produto do uso de lenha úmida barata para aquecer as casas, em um território com temperaturas abaixo de zero grande parte do ano. Trata-se de uma das regiões mais pobres e vulneráveis do país, onde 9,97% da população vive na pobreza e 4,22% na indigência.

São, em todo caso, números que demonstram de modo insuficiente a vulnerabilidade das famílias da região, apontou à IPS o secretário de Desenvolvimento Social do governo regional, Eduardo Montti. “Estamos atrasados em garantir um padrão básico e dispor dos serviços essenciais para que a comunidade e os diferentes atores possam se desenvolver em igualdade de condições com o resto do país”, acrescentou.

Porém, Montti afirmou que o governo da presidente Michelle Bachelet estabeleceu em maio um plano de áreas extremas onde se reconhece a disparidade desses territórios em relação ao resto do país, o que ajuda a identificar com precisão as carências urgentes, acrescentando que na região é importante “avançar no empreendimento em turismo, fortalecer as pequenas economias das localidades e também compartilhar e participar do desenvolvimento de seus costumes ou destacar e divulgá-las”.

De fato, o Banco Mundial e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) dão à região valor de patrimônio mundial natural em matéria de conservação. É das poucas áreas no mundo que mantém em grande parte seu estado original. Boa parte de seu território está sob diferentes formas de proteção, incluída a Reserva da Biosfera Laguna de San Rafael, um lago costeiro com geleiras. A região também aspira ser declarada Patrimônio da Humanidade.

“O modelo que estamos construindo tem como meta fortalecer o desenvolvimento econômico local, em escala local, de forma democrática, não com modelos impostos, cooperativo, sustentável no tempo, ambiental e economicamente, com a premissa de que estamos de passagem e que o que se toma deve ser devolvido”, explicou Torres. Segundo ela, o projeto “é um sonho e estamos trabalhando para isso. E se trata de as pessoas reconhecerem que parte do valor de viver aqui tem a ver com a vida. Por exemplo, nessa região ainda se pode beber água de um rio ou um lago, porque se sabe que não haverá problemas”.

“Não queremos pôr um cadeado na região, mas utilizar suas qualidades” para um desenvolvimento sustentável, disse Peter Hartmann, coordenador na Patagônia chilena da Aysén Reserva de Vida. Foto: Marianela Jarroud/IPS
[/media-credit] “Não queremos pôr um cadeado na região, mas utilizar suas qualidades” para um desenvolvimento sustentável, disse Peter Hartmann, coordenador na Patagônia chilena da Aysén Reserva de Vida. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Para Torres, as cidades se tornam dependentes e vulneráveis ao abastecimento de fora e, “quanto mais independente é, mais possibilidades tem de sobreviver”. “Não pensamos em uma reserva de vida exclusiva para quem é da Patagônia, mas para todo o país. Por exemplo, não tenho problemas em que a região compartilhe sua água com as áreas de maior seca”, acrescentou. Isso é o certo, água para cultivos, para beber, para viver, não para a megaindústria, ressaltou.

Nesse projeto seus defensores têm um forte aliado: a Patagônia argentina luta contra a utilização das bacias compartilhadas com o lado chileno pelas grandes empresas de mineração desse país. “Há uma luta grande que tem um elemento comum que é a água”, pontuou Torres.

E os dois lados da Cordilheira dos Andes possuem uma longa história de encontro e tradições que os converte em um só território, muito valioso por sua biodiversidade, mas também muito vulnerável. “Não nos sentimos no Chile, mas na Patagônia… chilena e argentina”, reforçou Torres.

Desde seu começo, a Aysén Reserva de Vida demonstrou que não era só teoria. Hartmann recordou que puderam realizar três projetos de turismo comunitário sustentável, financiados pelo Fundo das Américas. “Capacitamos as comunidades no cuidado de seu próprio território, mas também em turismo comunitário. Daí nasceu uma escola de guias turísticos que funciona atualmente com sucesso”, enfatizou.

“Os pescadores artesanais de Puerto Aysén também trabalharam para tornar mais sustentável seu trabalho, há projetos de coleta de lixo que também são exemplares e muita produção de artesanato com produtos locais, que é supersustentável”, destacou. Além disso, existe a Sabores de Aysén para produtos e serviços regionais de qualidade baseados na identidade regional e no cuidado dos recursos naturais. Há, ainda, uma cooperativa de energia solar que cada vez tem mais integrantes.

Segundo Hartmann, o projeto tem duas dimensões: a conscientização e a participação da cidadania. Já foi criado o selo Aysén Reserva de Vida, que iniciativas com produtos ou processos sustentáveis recebem, que é atraente para os consumidores locais e visitantes.

A ideia de avançar para uma reserva de vida é bastante transversal e consegue integrar setores muito variados da população, algo bom em uma região que ficou polarizada por dez anos de luta contra o megaprojeto hidrelétrico HidroAysén, finalmente rechaçado pelo governo em junho. Além disso, sua população ficou dividida pelas manifestações sociais que em 2012 colocaram em xeque o governo de Sebastián Piñera (2010-2014).

“Há maior sensibilização e isso é um avanço. Significa que há uma valorização por este patrimônio”, concluiu Torres. Envolverde/IPS