Um aumento real de 3,1% até 2020 sobre as emissões dos gases causadores do efeito estufa de 1990: isso é o que significa, na prática, o anúncio feito pelo Japão nesta sexta, 15 de novembro, ao término da primeira semana de negociações climáticas em Varsóvia. Ao mudar o ano-base de referência, de 1990 para 2005, a meta de redução de 3,8% que foi apresentada na CoP19 transforma-se, na verdade, em mais emissões. A marcha à ré engatada pelo governo japonês aumenta a distância entre o que os países estão fazendo, na prática, e o que ciência recomenda para evitar alterações ainda mais dramáticas no clima.
“O governo japonês justifica o anúncio usando fechamento das usinas nucleares após o terremoto e o tsunami de 2011. Mas a análise da matriz energética do país mostra crescentes investimentos em térmicas a carvão desde 1990”, explica Délcio Rodrigues, especialista em energias renováveis e mudanças climáticas do Vitae Civilis. “E apesar de integrar o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto, o Japão investiu pouco em renováveis, que hoje representam pouco mais de 2% do consumo local. Se as usinas nucleares fossem totalmente substituídas por energias renováveis, não seria necessário reduzir as metas de cortes nas emissões”, completa.
Com esta nova meta, o Japão passará a lançar 356 milhões de toneladas de CO2 por ano na atmosfera.
“Um dos resultados que a CoP19 deveria entregar é um aumento na ambição de mitigação por parte do conjunto de países signatários da Convenção Clima”, lembra Délcio. A história começa no acordo de Copenhagen (2009), que solicitava aos países a proposição de reduções voluntárias de emissão de gases de efeito estufa para 2020. Até hoje 32 países fizeram suas promessas. O PNUMA investigou se estas promessas são suficientes para o alcance da meta de aquecimento global máximo de 2oC, a partir do qual a mudança climática provável é considerada perigosa, ou se existe uma distância (um “gap”) entre estas promessas e a realidade. Concluiu que, mesmo que as nações cumpram suas promessas, as emissões globais de gases de efeito estufa em 2020 tendem a ser de 8 a 12 gigatoneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) maiores do que as do cenário de menor custo. “Não reduzir a distância entre as promessas e a realidade – por meio do aumento da ambição pela redução de emissões – exacerbará os desafios da mitigação a partir de 2020, já que serão necessárias taxas muito maiores de redução global das emissões a médio prazo e serão também maiores os custos de mitigação a médio e longo prazo. E pior, aumentará o risco de não ficarmos dentro do limite de 2°C.
Nesse contexto, o anúncio do governo japonês é um desastre tão grave quanto o terremoto e o tsunami que atingiram o país em 2011. Com a diferença de que, ao contrário daqueles cataclismas, as mudanças do clima não se restringem a uma região ou país, afetando a todos nós”, alerta.
* Publicado originalmente no site Vitae Civilis.