Sociedade

A maldição da má alimentação ronda o Nepal

Sadhana Ghimire, de 23 anos, dá ao seu bebê de 18 meses alimentos nutritivos, como um preparado à base de grãos e leguminosas, para evitar atraso no crescimento e desenvolvimento. Foto: Millika Aryal/IPS
Sadhana Ghimire, de 23 anos, dá ao seu bebê de 18 meses alimentos nutritivos, como um preparado à base de grãos e leguminosas, para evitar atraso no crescimento e desenvolvimento. Foto: Millika Aryal/IPS

 

Rasuwa, Nepal, 31/7/2014 – A nepalesa Durga Ghimire teve sua primeira filha aos 18 anos e a segunda aos 21. Então não compreendia a importância que tinha para seus filhos velar por sua saúde durante a gravidez. “Não me dava conta de que teria consequências para o bebê”, conta, sentada na varanda de sua casa em Laharepauwa, a 120 quilômetros de Katmandu, enquanto amamenta seu terceiro filho.

Ao final da tarde, espera ansiosa que suas duas filhas mais velhas voltem da escola. Uma tem nove anos e a outra seis, mas parecem muito menores. “São menores em tamanho e compleição, e as professoras na escola dizem que também aprendem com lentidão”, contou Durga à IPS. Ela se preocupa que as filhas tenham algum atraso e tenta prestar mais atenção nos cuidados com seu terceiro filho.

No informe Todos os Meninos e Meninas Contam, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que o Nepal está entre os dez países do mundo com maior prevalência de atrasos no crescimento e desenvolvimento infantil, e entre os 20 com maior quantidade de menores com esse problema. O Unicef explica que o atraso é resultado da má nutrição crônica durante períodos fundamentais do crescimento e do desenvolvimento, desde a concepção até os 59 meses de vida.

As consequências são irreversíveis, e no Nepal esse problema afeta 41% dos menores de cinco anos. “A classificação do Nepal é preocupante, não só em nível mundial, mas também na Ásia meridional”, afirmou à IPS Giri Raj, funcionário do Ministério de Saúde e População. Um informe sobre avanços dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), realizado em 2013 pela Comissão Nacional de Planejamento, diz que a quantidade de crianças com atraso no crescimento diminuiu de 57%, em 2001, para 41%, em 2011, mas continua acima da meta de 30% fixada pelas Nações Unidas.

“O atraso é uma medida específica da altura de uma criança em comparação com sua idade e também um indicador de como evoluirá seu desenvolvimento cognitivo”, explicou Peter Oyle, chefe do projeto Suaahara (Boa Nutrição) da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), junto com o capítulo nepalês da organização Save the Children. “Reduzir o atraso no crescimento das crianças aumenta suas possibilidades de alcançar todo seu potencial de desenvolvimento com consequências de longo prazo sobre a capacidade de prosperar das famílias, comunidade e países”, acrescentou.

A pobreza está diretamente relacionada com a má alimentação, mas não é o único indicador desta nem do maior atraso no crescimento. Saba Mebrahtu, chefe da seção de nutrição do Unicef no Nepal, detalhou que, entre as causas imediatas, figura a deficiente ingestão de alimentos, em especial nos primeiros anos. Durante a gravidez ocorre 50% do atraso e o restante após nascer. “Quando falamos de alimentos ricos em nutrientes nos referimos a garantir que as crianças recebam o necessário ainda antes de nascer”, apontou. O período entre a concepção e o segundo aniversário é crucial, porque nesta etapa ocorre um rápido crescimento e desenvolvimento cognitivo, explicou.

Sadhana Ghimire, de 23 anos, vive a poucas casas de distância de Durga, mas, no que se refere à qualidade, sua alimentação é muito diferente. Ghimire amamentou seu bebê até os seis meses e continua fazendo agora que está com 18. Além disso, se preocupa que sua alimentação inclua verduras em folha, carne ou ovos, além de arroz e outros produtos básicos. Também consulta a trabalhadora de saúde comunitária de sua aldeia, que lhe falou da importância dos mil primeiros dias de vida de uma criança.

Para alimentar seu bebê, Sadhana prepara uma grande vasilha de “leeto” caseiro, que consiste em uma parte de grãos, como milho ou trigo, e duas partes de leguminosas, como feijão ou soja. “Antes só usava grãos para preparar o leeto, até que as trabalhadoras de saúde e o Suaahara me ensinaram a fazer corretamente”, contou. Mas essa não foi a lição mais importante. “Não tinha ideia de que algo tão simples como lavar as mãos pudesse ter um efeito de longo prazo sobre a saúde da minha filha”, acrescentou.

Até as infecções que parecem mais comuns, como a diarreia, representam um risco para o crescimento e desenvolvimento na primeira infância. “Isso porque os nutrientes que as crianças usam para seu desenvolvimento se voltam ao combate da infecção”, explicou Mebrahtu, destacando a necessidade de hábitos simples como lavar bem as mãos ou limpar os utensílios.

A insegurança alimentar é um dos principais fatores causadores do atraso no crescimento e desenvolvimento no Nepal. As montanhas escarpadas representam 77% do território nacional, onde vivem 52% dos 27 milhões de habitantes. O problema é pior no centro e oeste do país. Em algumas áreas a prevalência do atraso fica acima dos 60%.

Em 2009, o governo realizou a Análise de Necessidades e Avaliação Nutricional (Naga), que recomendou criar uma arquitetura multissetorial para atender as carências dos programas de saúde e nutrição. “O estudo deixou bem claro que a nutrição não é responsabilidade exclusiva de um único departamento, como se pensava”, destacou à IPS Radha Krishna Pradhan, diretor de programa de saúde e nutrição da Comissão Nacional de Planejamento.

O Nepal também é um dos primeiros países a se comprometer com o movimento Scaling Up Nutrition (Fomento da Nutrição), que reconhece as múltiplas causas da má nutrição e recomenda aos sócios trabalhar em diferentes setores para conseguir os objetivos. Em 2013, cinco ministros se reuniram com a Comissão Nacional de Planejamento e outros sócios para criar o Plano de Nutrição Multissetorial.

Entre as medidas adotadas figura o fornecimento semestral de complementos de vitamina D e ácido fólico às grávidas, desverminação de meninas e meninos, atenção pré-natal e preparação das adolescentes para a vida ativa.

O Banco Mundial estimou que a má nutrição pode incidir em uma perda de produtividade e queda de 10% na renda das pessoas afetadas ao longo de sua vida, e causar perda de 3% no produto interno bruto. As primeiras etapas do Plano já foram implantadas em seis dos 75 distritos do Nepal desde 2013. Envolverde/IPS